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Queiroz Pereira: A nova vida do maior grupo industrial português

Pedro Queiroz Pereira, falecido em agosto do ano passado, ficou para a História como um empresário audacioso, pragmático e visionário. O império que deixou às três filhas fatura mais de dois mil milhões de euros por ano e serão vários os interessados em ‘joias da coroa’ como a Navigator, a Secil e o Hotel Ritz. Mas a família pretende manter os ativos e a estratégia passa por continuar a crescer e a valorizar o património familiar, incluindo por via de aquisições. O grupo deverá, parajá continuar nas mãos do clã, com o apoio de gestores da ‘escola’ McKinsey.
16 Março 2019, 09h00

edro Queiroz Pereira, popularmente conhecido como “PêQuêPê”, ficou para a História recente da economia nacional como o grande impulsionador daquele que se tornaria o maior grupo industrial português da atualidade, com presença em setores como a pasta e papel, os cimentos, o ambiente, o turismo e o imobiliário. O antigo piloto de ralis, que em tempos foi forçado a assumir a liderança dos negócios da família, após o trágico desaparecimento do seu irmão mais velho, revelou-se um empresário audacioso, pragmático e visionário, que construiu um império que dá trabalho a cinco mil pessoas, fatura dois mil milhões de euros e gera 550 milhões em EBITDA por ano.

Seis meses volvidos desde o súbito falecimento do empresário, aos 69 anos, o controlo deste grupo avaliado em mais de mil milhões de euros está nas mãos das suas três filhas, Filipa, Mafalda e Lua, com a condução dos negócios entregue a dois gestores vindos da consultora McKinsey: o alemão Heinz-Peter Elstrodt (chairman) e João Castello Branco (CEO). Este modelo, de separação entre a esfera acionista e a gestão profissional, foi preparado pelo próprio Queiroz Pereira, de modo a salvaguardar o património das filhas e a prevenir o desmembramento do grupo, tal como o JE avançou em maio de 2017.

Com vista a compreender o atual momento da Semapa, o JE procurou obter esclarecimentos junto da família e da Semapa, mas tal não foi possível até ao fecho da edição. No entanto, ao longo de várias semanas, ouvimos as opiniões de pessoas que conhecem a atual realidade das empresas do grupo e da família. Sob anonimato, gestores, banqueiros, advogados e outros responsáveis lançaram luz sobre o que deverá ser o futuro próximo do universo a que pertencem a papeleira The Navigator, a cimenteira Secil, o Hotel Ritz e várias outras empresas e empreendimentos e projetos imobiliários e turísticos.

Tal como sucede em ocasiões semelhantes, as herdeiras do empresário têm dois caminhos à disposição: vender os ativos (se as regras do family office criado pelo empresário o permitirem), ou manter o controlo do grupo, contando para tal com a ajuda de gestores profissionais. As fontes contactadas pelo JE são unânimes em afirmar que, para já, as três irmãs que herdaram o controlo da Sodim (holding familiar que tem 72% da Semapa), deverão escolher a segunda opção. Filipa, Mafalda e Lua Queiroz Pereira não deverão vender ativos no curto prazo, apesar de existirem vários interessados em comprar cash cows como a The Navigator, que fechou 2018 com lucros de 235 milhões de euros. O mindset será o oposto: a Semapa continua focada em crescer, se necessário por aquisições, tal como o JE já tinha noticiado em novembro de 2017, ainda o patriarca era vivo. “A família está unida e partilha do objetivo de fazer crescer o grupo. Não há pressas”, garantiu uma fonte próxima do clã.

Por sua vez, um responsável do setor financeiro recordou que Heinz-Peter Elstrodt tem vasta experiência como especialista em transição geracional e profissionalização de empresas familiares. É o “chairman ideal” tanto para a holding familiar Sodim como para a Semapa, de modo a manter o grupo numa trajetória estável, sem aventuras nem riscos excessivos, defendeu. “Elstrodt é estrangeiro, tem uma carreira bem sucedida lá fora, não quer ser CEO e não precisa de palco. É a pessoa certa para aquilo que o Pedro Queiroz Pereira pretendia quando preparou a sua sucessão”, disse.

Por sua vez, João Castello Branco é o executivo que detém as rédeas da gestão da Semapa e que, com a anunciada saída de Diogo da Silveira de CEO da Navigator, reforçou o seu poder sobre o grupo. Castello Branco vai inclusivé substituir Diogo da Silveira até que seja escolhido um novo CEO da ‘jóia da coroa’ do grupo, prevendo-se que seja alguém alinhado com a nova liderança.

Americanos, nórdicos e chineses olham para a The Navigator

Após o falecimento de Pedro Queiroz Pereira, em agosto do ano passado, houve no mercado quem colocasse a hipótese de as suas herdeiras venderem os negócios da família, dado não terem ainda experiência na gestão de um grupo industrial desta dimensão. Os advogados de negócios e os assessores financeiros foram os primeiros a colocarem-se em campo, tomando o pulso a potenciais interessados.

Um destes responsáveis explicou ao Jornal Económico que “existem três categorias de potenciais interessados nos ativos da família Queiroz Pereira: americanos, chineses e grupos nórdicos da indústria do papel”. Quanto aos investidores portugueses, o apetite existe, mas a Semapa já é demasiado grande para o capital nacional.

“Só vejo uma solução para os portugueses, que é juntarem-se a investidores internacionais”, disse um advogado de negócios ouvido pelo Jornal Económico.

“Há muitos interessados, sobretudo na Navigator, mas não tenho informação de que a família tencione vender”, disse, por sua vez, um banqueiro de investimento que pediu igualmente para não ser identificado.

O certo é que os interessados até podem fazer fila, mas nada será vendido se não for essa a vontade de Filipa, Mafalda e Lua Queiroz Pereira, que contam com o apoio e aconselhamento dos dois gestores vindos da McKinsey, João Castello Branco e Heinz-Peter Elstrodt. Ambos têm servido de conselheiros da família e serão contrários a uma eventual decisão apressada de venda dos ativos. Até porque, com a Semapa entregue a gestores profissionais e a gerar dividendos anuais na casa dos 30 milhões de euros, a família poderá viver de forma confortável durante muitas gerações. E, com uma margem EBITDA de 25%, seria difícil encontrarem um ativo mais rentável. “Onde é que a família investiria a quantidade imensa de dinheiro que receberia se vendesse uma empresa destas?”, interrogou-se uma fonte.

“PêQuêPê” ainda tem uma palavra a dizer

Outro fator que deverá ser tido em conta na definição do futuro do grupo Semapa é a vontade do patriarca, que, tal como o JE noticiou, criou em 2017 um fundo fechado unifamiliar (single family office) que prevê a propriedade conjunta pelas três filhas e estabelece prazos e condições para eventuais vendas de ativos. Desta forma, “PêQuêPê” ainda terá uma palavra a dizer sobre o futuro.

Esta foi a forma que o empresário encontrou para colocar a Semapa a salvo de ofensivas hostis e de guerras familiares, aprendendo com a sua própria experiência.

Por um lado, ao longo da sua carreira de empresário, Queiroz Pereira assistiu à queda de vários grandes grupos nacionais, que acabaram em mãos estrangeiras e com os seus anéis dispersos aos quatro ventos. A Cimpor, que Queiroz Pereira tentou comprar e cujo fim profetizou,  anos antes da compra pela Camargo e pela Votorantim, é o caso paradigmático de uma empresa vítima da escassez de capital e de estratégia em Portugal.

Por outro, Queiroz Pereira teve a oportunidade de provar o gosto amargo dos conflitos familiares, nas guerras travadas com as irmãs Maude e Margarida e com o Grupo Espírito Santo (GES) pelo controlo da Semapa. Foi no âmbito dessa guerra judicial e mediática, em 2013, que Queiroz Pereira forneceu ao Banco de Portugal as informações que o levariam a apertar o cerco a Ricardo Salgado, ajudando assim a derrubar o banqueiro a quem chamavam “Dono Disto Tudo”. Pedro Queiroz Pereira acabou por vencer esta guerra, levando o GES ao tapete e forçando as irmãs a entregarem-lhe o controlo do grupo Semapa, mas ficaram as cicatrizes.

Artigo publicado na edição nº1978 de 1 de março do Jornal Económico

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