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“Quem não conhece a História está condenado a repeti-la”

Tudo o que vivemos neste momento terá custos? Tudo isto implicará consequências económicas (e sociais) desafiantes? A minha resposta, enquanto não-economista, é um “sim” bem expressivo. Mas será que não haverá esperança?
24 Setembro 2020, 07h15

O título deste artigo não é da minha autoria, fui buscá-lo a Edmund Burke e conheci-o através de muitas pessoas que se lembram da História de outros tempos, seja a História lida nos livros de História, seja a História vivenciada nas suas vidas. Confesso que a disciplina de História não é, nem nunca foi uma disciplina “do meu coração”. Mas também confesso que em pleno século XXI e, face a tudo o que estamos a vivenciar, nunca fez tanto sentido voltar aos livros de História e estudar o que a História nos ensina, para que não repitamos os erros do passado.

Quer seja em termos políticos, económicos ou sociais, a História dá-nos algo em que pensar. Por isso gostaria de refletir convosco sobre nada mais nada menos do que a gripe espanhola ou também conhecida por influenza. O tema pode até parecer “gasto” face a todas as notícias e discussões públicas sobre este assunto (e até, sejamos sinceros, face a outros artigos que já escrevi). Contudo, no início de uma nova vaga de COVID-19, no nosso país e na Europa, não deixa de ser importante olhar para trás e refletir no futuro.

A gripe espanhola de 1918 vitimou mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, e infetou mais de 500 milhões (Martini, Gazzaniga, Bragazzi, & Barberis, 2019). É, até à data, uma das pandemias mais mortais da História (Humphreys, 2018). Sem uma cura, esta pandemia do “passado”, apenas foi combatida através do tratamento de sintomas e por medidas preventivas de saúde pública, como forma de diminuir a sua propagação (Martini, Gazzaniga, Bragazzi, & Barberis, 2019). A identificação de casos pela vigilância ativa, o isolamento/quarentena obrigatória, foram as formas preventivas encontradas e que ajudaram a diminuir a propagação da influenza, numa época onde não estavam disponíveis vacinas para combatê-la. Markel e seus colegas (2007), num estudo sobre o papel de intervenções não-farmacêuticas na pandemia da influenza, como seja, o isolamento obrigatório para infetados e a quarentena para os seus contactos, o fecho de escolas e a proibição de ajuntamentos públicos, verificaram que as cidades que atuaram cedo e aplicaram estas estratégias experienciaram surtos de menor intensidade comparativamente àquelas cidades que atrasaram a implementação ou não aplicaram rapidamente todas estas medidas. Por isso mesmo, em 2007, há mais de uma década atrás, estes investigadores sugeriam que o planeamento para futuras pandemias deveria incluir estas medidas de prevenção/mitigação, lado a lado, com o desenvolvimento de vacinas eficazes ao seu combate.

Tudo o que vivemos neste momento terá custos? Tudo isto implicará consequências económicas (e sociais) desafiantes? A minha resposta, enquanto não-economista, é um “sim” bem expressivo. Mas será que não haverá esperança? Correia, Luck e Verner (2020) colocaram esta mesma questão: será que estas medidas preventivas para reduzir a mortalidade e a propagação do vírus têm necessariamente efeitos económicos adversos? No seu estudo, estes autores retiraram evidências da gripe espanhola e relacionam o seu impacto económico com as medidas de saúde pública e, apesar da necessária cautela nos seus resultados, apontam que a pandemia, ela própria, está associada a uma disrupção económica a curto-prazo, sendo esta disrupção semelhante tanto, quando existem medidas mais restritivas, como mais permissivas. Contudo, a médio-prazo as evidências sugerem que estas medidas preventivas (e restritivas) estão associados a melhores resultados económicos. Concluem, assim, que estas medidas, que tanta tinta têm feito correr nos nossos dias, podem reduzir a transmissão do vírus sem necessariamente “afundar” ainda mais a atividade económica.

Talvez esteja a ser demasiado otimista, mas para uma cidadã que de vez em quando vê notícias, oiço falar sobre empresas que estão a falir, ou colocaram os seus trabalhadores em lay-off, ou perderam milhões. Mas, ao mesmo tempo, também oiço falar de empresas que se adaptaram, que inovaram, que criaram uma mudança como forma de sobreviver e estão neste momento a crescer. Se conhecemos a nossa História, também conhecemos o que funcionou e o que falhou. Porque não então “pegar” no que funcionou e aprender com o passado? A saúde pública está em risco. A economia está em risco. O nosso futuro é mais do que nunca incerto. Porque não olhar para trás e aprender com o passado? Sabemos que as consequências podem ser severas, mas será que não haverá esperança? O passado diz-nos que sim, mas temos que cumprir a nossa parte. Se não o fizermos corremos o risco de, não só levar a saúde pública a um ponto de saturação sem retorno, mas também de afundar a economia. Por isso voltemos aos livros de História para com ela aprender, porque “quem não conhece a História, está condenado a repeti-la”.

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