O ataque dos rebeldes houthis contra as instalações sauditas de Aramco não é um evento isolado: faz parte de um confronto entre os dois países no quadro da guerra civil que ocorre no Iémen desde 2014 e no qual a Arábia Saudita é um dos países mais envolvidos na tentativa de impedir o Irão de aumentar sua influência numa região dividida entre as duas potências.
O confronto é (muito) antigo: vem do tempo em que o profeta Mohammed (normalmente abreviado para Maomé, o que não agrada nada aos árabes) faleceu (em 632, ou no ano 10 da hégira) e o mundo islâmico dividiu-se entre sunitas e xiitas – tendo a discórdia a ver com a sucessão do profeta. Desde essa altura, enquanto o sunismo se tornava predominante, os xiitas acantonaram-se no Irão, Iraque e Iémen, de forma mais ou menos explícita e mais ou menos violenta, as duas correntes ora se suportam, ora se confrontam.
Embora o ataque à Aramco tenha sido o golpe mais violento (devido ao seu alcance destrutivo), há menos de um mês outras instalações do gigante saudita foram também atacadas, com os houthis (xiitas) a argumentam que esses ataques são uma resposta “legítima” após vários anos de ataques sauditas contra essa tribo na guerra civil do Iémen.
O Iémen está dividido entre as duas principais correntes do Islão: 47% da população segue o rito xiita e os 53% restantes são considerados sunitas (corrente predominante na Arábia Saudita, Egipto e em quase todo o restante mundo árabe.
Ignacio Fuente Cobo, analista do Instituto Espanhol de Estudos Estratégicos (IEEE), citado pelo jornal ‘El Economista’, disse que este conflito tem grande relevância na região porque reflete a crescente rivalidade entre os dois países que competem pela liderança no mundo muçulmano: “Por um lado a Arábia Saudita, que adotou a visão extrema da religião muçulmana de confissão sunita. (o wahabismo, [há já vários séculos], e por outro lado o Irão, que se autoproclamava desde a revolução do Aiatolá de 1979 porta-voz da causa dos xiitas no mundo. O Iémen seria outro capítulo da luta entre as duas visões geopolíticas”.
Este especialista alerta que esse conflito tem um terceiro nível, que envolve grandes potências a lutarem para manter a estabilidade na área, por ser um enclave vital para o mundo em termos energéticos.
A Arábia Saudita luta pelo lado de Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, presidente da República do Iémen, sunita e a intervenção de Riad e de outros países árabes visa conter o avanço das forças aliadas do Irão para impedir o que aconteceu na Síria, no Iraque e no Líbano, onde, diz aquele especialista, os xiitas têm a maior fatia do poder e transformaram os seus países em satélites de Teerão.
A insurgência houthi, tendo o apoio indireto do Irão, faz parte do ‘esquema’: “o Irão estaria a usar uma estratégia de intervenção indireta semelhante à usada com o Hezbollah no Líbano, isto é, usando o seu instrumento de projeção externa, o Corpo de Guardas Revolucionários Iranianos, para apoiar o movimento hostil a Riad, mas sem implementar operações militares diretas”.
As acusações dos Estados Unidos contra o Irão após o ataque de drones à Aramco devem-se ao fato de este grupo militar só com a ajuda do Irão (com instrutores e tecnologia, possivelmente) ter alcançar a capacidade de intervir militarmente com drones.
Ana Belén Soage, professora de Ciência Política da Universidade de Suffolk, citada pelo mesmo jornal, destaca que o Irão está a tentar aumentar a sua influência no Oriente Médio, embora seja verdade que o Iémen é menos importante para Teerão que outros países muçulmanos (devido ao seu tamanho limitado e à falta de recursos energéticos). “O governo Donald Trump parece ter optado por um apoio mais forte à coligação liderada pela Arábia Saudita numa guerra estagnada, disse. Tudo isso com a questão do petróleo por trás”, diz.
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