Ana Taveira da Fonseca, 41 anos, é a primeira Diretora da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Nesta entrevista, analisa o impacto das mudanças trazidas pela inovação tecnológica e pelo mercado de trabalho ao ensino do Direito e à oferta formativa da Escola, destaca a elevada empregabilidade e os sólidos laços com as sociedades de advogados. revela ainda que na área da investigação, um dos objetivos é o crescimento, no próximo triénio, do Católica Research Centre for the Future of Law. Olhar em frente sem perder de vista o passado é a perspetiva da nova liderança.
Quantos anos vai estar à frente da Escola?
O mandato tem a duração de três anos.
O que representa ser a primeira mulher a dirigir a Escola?
Dirigir a Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa é uma enorme responsabilidade. Sinto a responsabilidade, perante os nossos alunos, professores e colaboradores, de inovar, mantendo as características que individualizam a nossa Escola, desde 1976. Sinto igualmente a responsabilidade de honrar o trabalho dos diretores que me precederam. É verdade que, até aqui, todos os diretores foram homens. Porém, essa coincidência é a consequência natural de, noutros tempos, o curso de Direito ter menos raparigas do que rapazes a ingressar nele. A tendência inverteu-se, felizmente, nos últimos 30/35 anos. Isso determinou que mais mulheres fossem escolhidas para docentes das Faculdades de Direito e possibilitou que estas fossem progressivamente assumindo lugares nas respectivas Direções. Devo relembrar que sou, de facto, a primeira mulher a dirigir a Escola de Lisboa, mas a Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa já teve como Diretora, durante largos anos, a Professora Maria da Glória Garcia. A liderança feminina não é, por isso, uma novidade na nossa Faculdade.
O que muda na sua vida com esta nova responsabilidade?
Uma vez que integro a direção da Escola de Lisboa, desde janeiro de 2015, muitas das funções que agora desempenho não me são estranhas. Porém, até aqui, estava principalmente concentrada na coordenação dos nossos programas de mestrado e passo, agora, a acompanhar todos os projetos desta Escola. O desafio é grande e o meu principal receio é afastar-me, nos próximos três anos, do ensino e da investigação que, apesar de não menos exigentes, são funções especialmente gratificante.
O que se pode esperar da sua liderança? Quais as prioridades para o mandato?
A prioridade não passará jamais por uma rutura com o passado e com os projetos que foram desenvolvidos até aqui. Pelo contrário, uma das prioridades é manter os programas de licenciatura, de mestrado e de doutoramento que temos e que são reconhecidos pela sua qualidade e exigência. Isto não significa que os ciclos de estudos existentes não devam evoluir e que não seja desejável a criação de novos programas. E não me estou só a referir a programas pós-graduados não atributivos de grau. Apesar de o processo de criação de novos ciclos de estudos ser, hoje em dia, complexo e muito moroso, é nosso objetivo alargar a oferta no próximo triénio.
Pode explicar?
O exercício das profissões jurídicas alterou-se significativamente nos últimos 20 anos e, por isso, a forma como ensinamos os nossos estudantes tem de ser repensada. Quando saem das Universidades, os alunos têm de estar preparados para trabalhar em contextos internacionais, mesmo que exerçam as suas profissões em Portugal. É igualmente crível que a evolução tecnológica vá alterar a forma como os juristas trabalham. As Universidades não podem alhear-se destas modificações e não adaptar os seus planos de curso a estas mudanças.
Quais são as grandes temáticas do ensino e da investigação do da Escola? Que licenciaturas e mestrados oferece?
A Escola de Lisboa da Faculdade de Direito possui uma licenciatura em Direito e cinco programas de mestrado, todos orientados para o exercício profissional. Entre os nossos mestrados, contamos com o pioneiro Mestrado em Direito e Gestão, oferecido em parceria com a Católica Lisbon School of Business & Economics. Temos ainda o Mestrado Forense, onde os alunos encontram um amplíssimo leque de cadeiras nas áreas do direito civil e processo civil, do direito penal e processo penal e do direito do trabalho e processo do trabalho. Para quem procura uma maior especialização no 2.º ciclo, encontrará nos Mestrados em Direito Administrativo, em Direito Fiscal e em Direito Empresarial programas muito inovadores e atualizados para responder às necessidades do mercado de trabalho.
A Escola oferece ainda um conjunto muito alargado de pós-graduações, cursos breves e seminários através do Católica Next. Alguns desses cursos já contam com várias edições, outros são inteiramente novos. Disponibilizamos, por fim, um programa de doutoramento oferecido em português e em inglês.
Quantos alunos tem a Escola?
Ao contrário do que possa parecer, não é fácil fazer essa contabilização, porque estes números vão variando ao longo do ano. Entre cursos atributivos de grau e cursos pós-graduados, a Escola de Lisboa conta com cerca de 1300 alunos. A estes, somam-se ainda os estudantes de outras instituições e que frequentam programas de mobilidade internacional na nossa Escola.
A Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa é, ainda assim, uma instituição pequena em número de alunos e de docentes, quando comparada com as Faculdades de Direito estatais.
Há alunos estrangeiros? Quais as principais nacionalidades?
Uma vez que a licenciatura em Direito ainda tem um grande número de disciplinas obrigatórias exclusivamente oferecidas em língua portuguesa, é natural que não tenhamos tantos estudantes estrangeiros quanto desejamos a candidatarem-se ao nosso programa de primeiro ciclo. Temos, ainda assim, 85 alunos que não têm nacionalidade portuguesa. A maioria provém da Região Administrativa Especial de Macau.
Porém, ao lado destes, detemos muitos estudantes internacionais que nos chegam, através dos programas de mobilidade internacional. Por esta via, contamos não só com alunos de toda a Europa, mas também com estudantes provenientes dos Estados Unidos e de vários países da América do Sul. A razão é simples. Dado que dispomos de uma ampla oferta de disciplinas optativas lecionadas em língua inglesa na licenciatura, que integram o Transnational Law Curriculum, temos visto aumentar muito significativamente o número de estudantes em programas de mobilidade internacional, provenientes de países sem contacto com a língua portuguesa e que, por esse motivo, tradicionalmente optavam por não vir para Portugal. Alguns destes estudantes acabam por voltar e frequentar programas de LLM da Católica Global School of Law.
Ao nível do 2.ºciclo, os estudantes internacionais são sobretudo encaminhados para os programas de LLM e Mestrado oferecidos pela Católica Global School of Law. Ao contrário do que acontecia no passado ainda recente, temos no nosso curso de doutoramento vários alunos internacionais que não provêm de países de língua oficial portuguesa. Isto é consequência de o curso de doutoramento também ser ministrado em inglês e de admitirmos dissertações de doutoramento redigidas em língua inglesa.
A oferta está posicionada para responder aos novos tempos e em concreto ao desafio da digitalização?
Na licenciatura em Direito disponibilizamos várias disciplinas optativas na área do direito e tecnologia como, por exemplo, Direito e Inteligência Artificial, Blockchain and the Law, Introduction to Law in a Digital Economy, Digital Surveillance, Digital Governance, e Technology and the Laws of War. Nas diferentes disciplinas obrigatórias, os professores têm igualmente desenvolvido esforços para integrar nos curricula estas matérias, quando tal referência se justifica no contexto desta unidade curricular. Ao nível da formação pós-graduada, para além do programa de LLM – Law in a Digital Economy, nos Mestrados lecionados em língua portuguesa são oferecidas disciplinas como Fiscalidade das Indústrias Digitais e Plataformas Digitais. É, porém, expectável que a oferta seja ainda alargada nos próximos anos.
O Católica Research Centre for the Future of Law tem uma linha de investigação interdisciplinar dedicada ao estudo do direito e inteligência artificial, que congrega investigadores nacionais e estrangeiros de diferentes áreas do saber.
No campo da oferta pedagógica tem alguma coisa em preparação para o próximo ano letivo 2022/23?
As alterações no ano letivo de 2022/2023 serão ainda de pormenor. As grandes modificações dependem de processos de acreditação junto da A3ES que, normalmente, têm início no último trimestre de cada ano civil. Estes processos estão a tornar-se cada vez mais morosos, com prejuízo das instituições de ensino superior que deviam ter a possibilidade de alterar os seus planos de estudos com maior agilidade para responder aos desafios que lhes vão sendo colocados pelo mercado de trabalho.
Que lugar tem a investigação nas prioridades da Escola?
Como já tive oportunidade de sublinhar anteriormente, um dos objetivos da Escola passa pelo crescimento, no próximo triénio, do nosso centro de investigação, o Católica Research Centre for the Future of Law. As Universidades não servem só para ensinar, devem ser também centros privilegiados de geração de conhecimento.
É um desafio.
O financiamento da investigação em Universidades, que não contam com o apoio direto e indireto que possuem as estatais, constitui um enorme desafio. Felizmente, temos beneficiado das boas avaliações que nos foram atribuídas pela FCT e do apoio de financiadores privados que têm contribuído para o desenvolvimento de projetos com impacto para a comunidade jurídica em Portugal.
Penso, por outro lado, que esse conhecimento que vai sendo gerado não pode ser desperdiçado. É, por isso, fundamental que as Universidades, através dos seus centros de investigação, voltem a ser consultadas, no âmbito dos grandes processos de alteração legislativa, como eram no passado. A independência, a imparcialidade e o conhecimento que só estas garantem têm sido, nas últimas décadas, muitas vezes desaproveitados. As leis muito teriam beneficiado, se o legislador tivesse recebido um maior contributo dos centros de investigação em Direito, no momento da sua elaboração.
Sem prejuízo de outros ‘players’ do sistema serem ouvidos, as Universidades não devem ter um papel secundário. Sem privilegiar nenhuma delas, porque todas apresentarão certamente perspectivas distintas, deve caber-lhes o principal contributo no apoio ao processo legislativo.
Qual a relação da Escola com as sociedades de advogados?
A Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa tem procurado, desde há muitos anos, estreitar as relações com as sociedades de advogados pelas sinergias que identificamos nesta ligação.
As sociedades de advogados são, hoje em dia, os maiores recrutadores de jovens juristas em Portugal. Os nossos alunos, ao contrário do que acontecia noutros tempos, não iniciam os seus estágios profissionais só com a perspetiva de adquirirem competências práticas. Eles identificam ali o início da sua carreira profissional. Por outro lado, a Escola procura junto dos profissionais que trabalham nessas sociedades de advogados perceber as alterações que devemos introduzir nos nossos ciclos de estudos para potenciar a formação dos nossos alunos. Na verdade, também o fazemos junto de outros juristas ou de juízes e magistrados do ministério público.
Sempre que se mostra adequado procuramos integrar, nos nossos programas, profissionais reconhecidos nas áreas em que se especializaram. São também patrocinadores de muitas das nossas iniciativas.
Neste momento, em conjunto com a Católica Global School of Law, temos um programa de patrocínio de “Chairs e Professorships” ao qual já aderiram a VdA, a PLMJ e a Abreu Advogados.
Que níveis de empregabilidade apresenta a Escola?
Os níveis de empregabilidade dos nossos estudantes são muito elevados. De acordo com o último estudo publicado pela Direção Geral de Educação e Ciência, a taxa de empregabilidade dos licenciados em Direito diplomados pela nossa Escola nos anos letivos de 2018/2019 e 2019/2020 era de 99%. De acordo com o mesmo estudo, a taxa de empregabilidade daqueles que obtiveram, nos mesmos anos, o grau de Mestre na FD UCP (Lisboa) era ainda mais alta, mais concretamente de 99,3%.
Como analisa esses números?
Os excelentes resultados que temos ao nível da empregabilidade devem-se ao facto de o ensino da nossa Escola ser muito personalizado e orientado para o exercício profissional. Beneficiamos ainda do trabalho do Gabinete de Carreiras que tem procurado desenvolver nos nossos alunos “soft skills” que, muitas vezes, os jovens licenciados e mestres em Direito não possuem.
De acordo com o estudo que, anualmente, é elaborado pelo nosso Gabinete de Carreiras junto das maiores sociedades de advogados em Portugal, 20% do total de advogados estagiários recrutados em 2021 eram licenciados em Direito pela nossa Escola. Trata-se de uma percentagem muito elevada quando comparada com o número total de alunos licenciados pelas outras Faculdades de Direito.
No mesmo ano de 2021, 67% do total de advogados estagiários recrutados pelas sociedades de advogados inquiridas frequentou ou concluiu um Mestrado. Deste grupo, 47% frequentou o 2º ciclo na FD UCP (Lisboa). Este número é revelador da importância que os recrutadores dão aos alunos formados na nossa Escola.
Na sua perspetiva, qual deverá ser o papel da Universidade no futuro?
As Universidades deverão preocupar-se em dar aos jovens licenciados uma formação de qualidade e as bases necessárias para que estes se consigam adaptar aos desafios muito variados que, ao longo de uma vida profissional que se prevê longa, vão ter de enfrentar. No caso da nossa Escola, queremos formar juristas que tenham capacidade para pensar criticamente, para aprender por eles próprios e de se transformarem num mundo em constante mudança.
As Universidades não podem, contudo, pensar que o seu trabalho termina no momento em que os estudantes acabam o ciclo de estudos em que estavam inscritos. Estes devem sentir que encontram na sua “alma mater” uma casa à qual podem voltar sempre que quiserem evoluir profissionalmente.
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