O flagrante insucesso que tem sido a mal planeada, e pior executada, aventura russa na invasão da Ucrânia tem afetado reputacionalmente a Rússia, naquilo que são os eixos fundamentais da sua atuação geopolítica, e conferido vantagens estratégicas aos seus adversários.

A demonstração prática da ineficácia das suas forças armadas, incapazes  sequer de conter um adversário, à partida, muito mais fraco, a desorganização demonstrada na gestão logística do conflito e interna com a risível execução de uma desastrosa mobilização parcial, a baixíssima moral das suas forças, com demonstrações claras de falta de motivação e retiradas militares executadas de forma quase vergonhosa, têm colocado em causa a reputação bélica do país, um dos principais eixos do seu posicionamento geopolítico, e constituído um verdadeiro observatório para terceiros.

As dificuldades económicas e financeiras, mesmo que não tão decisivas como alguns podiam esperar, têm sido potenciadas pela rutura da cadeia de abastecimento de petróleo e gás produzidos na Rússia, como resultado das sanções aplicadas, particularmente pelos países ocidentais, e das primeiras políticas energéticas da União Europeia baseadas em análise de risco no quadro da gestão de conflitos. Uma questão para a qual uma União Europeia (UE), tradicionalmente acomodatícia e orientada apenas para a minimização de custos das matérias-primas de que é dependente, tardou em começar a construir uma resposta eficaz.

A perturbação causada a essa arma energética, outro dos eixos do seu posicionamento geopolítico, mostrou ao mundo, também nesse campo, a fragilidade da Rússia. Fragilidade essa confirmada pela via da drástica dependência demonstrada em relação a países mais próximos, como a China.

A política externa russa, um terceiro eixo de afirmação geopolítica, foi também severamente afetada com os desaires consubstanciados na sequência de votações negativas nas Nações Unidas e pela retração causada às novas alianças que tinham vindo a ser construídas pelo regime russo em África, na Ásia e no Médio Oriente.

Mas onde a política externa russa sofreu um maior dissabor foi na incapacidade de passar a sua narrativa, e ver que os seus atos na Ucrânia provocaram, precisamente, parte dos efeitos que a Rússia pretendia evitar, nomeadamente o reforço da coesão europeia e da NATO e, em particular, os movimentos no sentido do alargamento dessas duas organizações.

Poucos seriam os países e os regimes capazes de sobreviver a este tipo de desaires, mas a Rússia é uma exceção. São as virtualidades de um regime profundamente autoritário com quase total controlo, informacional e sociopolítico, sobre a sua retaguarda, ou seja, sobre a sua população.

Com este cenário traçado, muitos no Ocidente poderiam pensar que se aproximava o momento em que o regime russo cederia nas suas pretensões na Ucrânia, ou seria o próprio regime a claudicar.

Infelizmente, não será assim. Este regime russo irá resistir e aproveitar as fragilidades dos países democráticos que se lhe opõem. Para tal, dispõe de duas armas que domina como poucos: a desinformação e a sua quinta-coluna.

O regime russo demorou décadas a estruturar uma enorme máquina de desinformação e propaganda que utiliza com o maior despudor contra os seus adversários. É uma escola com mais de um século de experiência que tem vindo a ser reinventada para o novo paradigma da sociedade de informação, e que assenta na equivocidade informacional – o excesso de informação ou a informação conflituante. As evidências da sua utilização, em particular contra as democracias ocidentais, no sentido de as enfraquecer através da criação de cisões internas, são abundantes.

A segunda das armas é a quinta-coluna russa nos países ocidentais. Não é uma quinta-coluna no sentido clássico do termo, composta por agentes de influência russos, mas mais abrangente e integradora de várias categorias de indivíduos e organizações que vai desde os saudosistas de uma esquerda anti-americana e “anti-imperialista”, aos movimentos de extrema-direita e populistas radicais, em parte subsidiados, direta ou indiretamente, pelo regime russo, e dos que partilham uma visão autoritária dos Estados, aos que acreditam que uma nova ordem internacional multipolar assente no permanente conflito entre Estados é um caminho preferencial ao que descrevem como uma globalização assente em ideias liberais.

A estes juntam-se ainda todos aqueles que acham que as atuais dificuldades económicas que enfrentamos, fruto desta proto-economia de guerra em que nos encontramos, se devem a termos sido arrastados para um conflito, lateral e localizado, na Ucrânia.

E é aqui que reside o erro trágico de perspetiva, pois por muito forte que seja a nossa vontade de continuar confortavelmente a nossa vida quotidiana, ao abrigo daquilo que as nossas frágeis democracias nos dão, o conflito na Ucrânia não é um conflito lateral e localizado pelo qual estamos a sofrer danos colaterais. O conflito na Ucrânia é um patamar num conflito permanente e mais alargado connosco. Os ucranianos estão de facto a lutar por nós e não o contrário.