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Recuperação da pandemia continua, com tom positivo

“O mercado de assessoria financeira passou por duas fases bastante diferentes desde o início da pandemia, com uma forte travagem no segundo trimestre de 2020, com muitas operações a serem suspensas ou canceladas, fruto do grau de incerteza que se vivia no mercado, mas com uma forte recuperação desde o verão do ano passado, que continuou até ao momento”, diz ao Jornal Económico (JE) Miguel Farinha, partner e head of Strategy and Transactions da consultora EY Portugal.
4 Setembro 2021, 11h30

O mercado português de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) evolui com um tom positivo, se olharmos para todo o tempo desde a eclosão da pandemia de Covid-19, no primeiro trimestre do ano passado, e mesmo tendo em conta a quebra homóloga verificada nos primeiros dois terços de 2021, altura em que foi decretado um segundo período de confinamento. “O mercado de assessoria financeira passou por duas fases bastante diferentes desde o início da pandemia, com uma forte travagem no segundo trimestre de 2020, com muitas operações a serem suspensas ou canceladas, fruto do grau de incerteza que se vivia no mercado, mas com uma forte recuperação desde o verão do ano passado, que continuou até ao momento”, diz ao Jornal Económico (JE) Miguel Farinha, partner e head of Strategy and Transactions da consultora EY Portugal. “Entre março e junho de 2020, devido à forte contração económica e à incerteza relativamente ao processo de recuperação económica, os agentes económicos optaram por diferir os seus investimentos. Após este período, o mercado recuperou, em resultado das políticas expansionistas de apoio à economia por parte de governos e bancos centrais”, acrescenta João Sousa Leal, partner de Advisory da consultora KPMG e especialista em M&A.

Depois da quebra motivada pela pandemia, o mercado recuperou fortemente, acabando ano passado com os valores agregados elevados de operações de M&A, private equity, venture capital e aquisição de ativos, de acordo com os dados disponibilizados pela plataforma tecnológico-financeira Transactional Track Record (TTR), que aponta para mais de 18,2 mil milhões de euros movimentados, mesmo com um menor número de operações, e pela plataforma de informação financeira Mergermarket, que reporta negócios de 13,9 mil milhões de euros. Independentemente da diferença entre as duas plataformas, devida a diferentes critérios para o registo das operações, o facto é que 2020 foi o ano mais produtivo desde 2014.

Para isso, contribuíram negócios de grande envergadura, registados pela TTR, como a aquisição de uma posição de 81,1% da Brisa – Autoestradas de Portugal pela APG, a gestora de ativos do fundo de pensões dos funcionários públicos e do sector da educação dos Países Baixos, e pelo NPS, o fundo de pensões da República da Coreia, por 2,43 mil milhões de euros; ou a aquisição do operador português de torres de telecomunicações OMTEL pela espanhola Cellnex, por 800 milhões de euros; ou, ainda, no sector imobiliário, que foi dominante, a aquisição do parque empresarial Lagoas Park, em Oeiras, pelo fundo britânico Henderson Park Capital Partners, por 421 milhões de euros.

“Após uma fase inicial de wait and see, decorrente dos efeitos da pandemia, o mercado tem registado um crescimento muito significativo, empurrado por um contexto favorável de muita liquidez e por taxas de juro baixas, mas igualmente pela constatação de necessidade de crescimento por parte de muitas empresas ou por diversificação e aposta tecnológica de outras”, considera Miguel Farinha. “É neste contexto de mercado de elevada liquidez e grande capacidade de investimento dos investidores financeiros que o mercado de assessoria financeira tem vindo a operar nos últimos 12 meses e que tem resultado num desempenho muito positivo”, explica João Sousa Leal ao JE.

 

Quebra em 2021, mas com grandes negócios
No entanto, se olharmos apenas para os primeiros oito meses deste ano, registamos uma quebra de 34% no valor agregado dos negócios registados pela TTR, face a igual período de 2020, para 7,97 milhões de euros, mas tendo em conta, primeiro, que só são conhecidos os valores de 47% das operações, depois, que a amplitude da quebra tem-se reduzido à medida que o ano vai avançando (era de 42% em julho). No conjunto dos primeiros oito meses, o número de operações subiu 29,11%.

De acordo com os dados da Mergermarket, datados de agosto, foram registadas 48 operações no ano, que envolveram 3,43 mil milhões de euros, o que representa apenas 24,6% do total de negócios de 2020.
O negócio que está a marcar este ano, no ranking feito por esta última plataforma de informação financeira, é a venda da posição de 60% que o grupo Carlyle detinha na portuguesa Logoplaste ao fundo de pensões canadiano Ontario Teachers’ Pension Plan, por 855 milhões de euros, numa operação que contou com a assessoria financeira da Goldman Sachs, Barclays Bank e Credit Suisse.

Na lista das maiores transações pontifica, também, a venda de uma participação de 24,99% do capital da Sonae MC, dona da cadeia de hipermercados Continente, ao fundo CVC por 528 milhões de euros, acrescidos de um pagamento contingente diferido que pode ascender a 63 milhões de euros, num negócio em que o grupo da família Azevedo contou com a assessoria financeira da Goldman Sachs.

Ainda acima dos 500 milhões de euros, a venda, pela EDP Renováveis, de um portefólio eólico de 221 megawatts (MW), composto por cinco parques eólicos (três em operação e dois em construção) localizados em Portugal, à Onex Renewables, dos Emiratos Árabes Unidos. O negócio foi feito por cerca de 530 milhões de euros (que a Mergermarket regista por 627 milhões de dólares).

Apesar do menor valor por operação, o sector imobiliário continua a destacar-se entre o conjunto das operações financeiras. A TTR destaca, nos dados relativos aos oito primeiros meses do ano, que este foi o sector mais ativo, movimentando, neste período, 1,3 mil milhões de euros. Dá como exemplo o processo de “aquisição de um portfolio residencial em Portugal pela Memoryzoom, empresa controlada pela francesa Tikehau Capital, a espanhola Talus Real Estate e pela portuguesa Albatross Capital, cujo valor foi de 300 milhões de euros”, num negócio com a assessoria financeira da EY Portugal.

O sector de tecnologia surge a seguir, contabilizando 904 milhões de euros, e em terceiro lugar está o sector financeiro e dos seguros, com 855 milhões de euros.

“Num cenário de grandes incertezas, o apetite dos investidores por classes de ativos não relacionados com taxas de juro tenderá a aumentar”, diz Pedro Coelho, vice-presidente da Square Asset Management. A gestora de ativos imobiliários surge como parte num dos maiores negócios registados pela Mergermarket, com a compra do complexo de edifícios onde se insere o Porto Palácio Hotel, antigo Sheraton, na Avenida da Boavista, no Porto, por 62,5 milhões de euros, como noticiou o JE.

 

Goldman Sachs lidera
Com a participação nos dois maiores negócios anunciados (ainda que, pelas regras da Mergermarket, não necessitem de estar concluídos para constarem do ranking), o norte-americano Goldman Sachs surge como líder destacado, com um volume de operações de 1,44 mil milhões de euros, seguido pelo também norte-americano JP Morgan, com 1,19 mil milhões, e pelo britânico Barclays e pelo Credit Suisse, com 855 milhões de euros, fruto da assessoria prestada na venda da posição de controlo na Logoplaste.
No ranking elaborado pela TTR, com outras regras (exclui, por exemplo, as joint-ventures), a Goldman Sachs também lidera, com um volume de operações de 528 milhões, mas ocupa esta posição juntamente com a Deloitte Corporate Finance e a McKinsey & Company, com o mesmo valor atribuído, devido à participação no negócio entre a Sonae MC e o CVC. Surge, depois, a FTI Consulting, com 500 milhões de euros, resultado da assessoria na aquisição, pela China Three Gorges, de um portefólio de energia renovável de mais de 400 MW em Espanha a um consórcio liderado pelo grupo Corporacion Masaveu, que incluía o grupo belga Korys Group e um grupo de investidores minoritários portugueses, através da Exus Management Partners.

A terceira posição do ranking é ocupada pelo Lazard, com 496 milhões de euros, que teve como principal operação registada a aquisição da Tilbury Green Power Holdings pela Greenvolt e pela EQUITIX. Com este negócio, a empresa portuguesa ficou com uma central de energia renovável a biomassa, localizada no porto de Tilbury, no Essex, em Inglaterra, e tem uma capacidade de produção de 42 MW. Neste negócio estiveram também o Canadian Imperial Bank of Commerce, a Evercore Partners e o Macquarie Bank, que aparecem logo a seguir, todos com 287 milhões de euros.
O Caixa BI surge a seguir, com 260 milhões de euros, pela assessoria prestado no âmbito da oferta pública de aquisição lançada pela Sodim sobre o capital que ainda não controlava na Semapa.
KPMG e EY lideram o ranking da consultoria e due diligence, em valor e número de operações.

Alemanha, Estados Unidos e Luxemburgo
A preponderância das instituições financeiras internacionais nos rankings traduz a apetência de investidores estrangeiros pelo mercado português. Os dados da TTR mostram que quase dois terços (64,8%) do dinheiro aplicado nos negócios feitos nos primeiros oito meses do ano veio do exterior, ultrapassando os 5,1 mil milhões de euros. A Alemanha foi o maior investidor, representando 22,2% do total, seguida dos Estados Unidos, com 21,4%, e do Luxemburgo, com 20,8%. De cada um destes países vieram mais de mil milhões de euros de investimento e, em conjunto, representam quase dois terços da origem do investimento estrangeiro registado pela TTR.
Espanha registou o maior número de operações (39) e aparece na lista como a quarta mais relevante origem de capital, com 929,8 milhões de euros.
“Continuamos a verificar que os investidores financeiros mantêm um forte interesse no mercado português”, aponta, em jeito de resumo, Sousa Leal.

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