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“Reencaminhada demasiadas vezes”. Revelação de conversa privada com ministro pode valer até um ano de prisão ou até 120 mil euros de multa (com áudio)

O ministro Pedro Nuno Santos apresentou uma queixa-crime contra o acionista privada da Groundforce pela alegada gravação e divulgação de uma conversa privada entre os dois. Advogada explicou ao JE a moldura penal prevista para estes casos para o autor, ou autores, da gravação e divulgação.
Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos
11 Março 2021, 08h10

A gravação e divulgação de uma conversa privada entre o ministro das Infraestruturas e o acionista privado da Groundforce pode valer uma pena de prisão até um ano ou uma multa até 120 mil euros para o seu autor. Esta é a pena máxima prevista no Código Penal que pode vir a ser aplicada por um tribunal, explicou ao Jornal Económico a advogada Rita Garcia Pereira.

Na quarta-feira, 10 de março, o ministério das Infraestruturas revelou que apresentou uma queixa-crime no Ministério Público contra o empresário Alfredo Casimiro pela alegada divulgação de uma gravação entre os dois. Ao Jornal Económico, fonte oficial do gabinete do ministro destaca que é claro que a gravação foi feita do lado do empresário, sendo possível ouvir a voz do empresário com clareza. Já as declarações do ministro são ouvidas através de videoconferência.

A Groundforce é detida em 50,1% pela Pasogal, de Alfredo Casimiro, com o grupo TAP a deter 49,9%, com a companhia aérea a ser detida em 72% pelo Estado português. Os salários de 2.400 trabalhadores da empresas relativos a fevereiro continuam por pagar.

“Quem grava alguém em voz, ou imagem, sem consentimento e fora de circunstâncias públicas, como parecer ser o caso. Comete o crime de gravações ilícitas”, começa por explicar Rita Garcia Pereira.

“Provando-se que a gravação foi feita pelo empresário, pode ter sido feita por terceiros, incorre numa pena alternativamente de até um ano de prisão, ou multa até 240 dias, multa fixada pelo juiz, num valor diário que oscila entre 1 e 500 euros. O juiz fixa a multa tendo em conta a gravidade do crime e tendo em conta a situação financeira do arguido”, disse.

A advogada destaca que dificilmente o autor vai ser condenado a pena de prisão se tiver o cadastro limpo. “Se a pessoa em causa for primário, se não tiver antecedentes criminais, é pouco provável que vá preso. Não é um crime que cause grande alarme social. O mais provável será a condenação em multa”.

Rita Garcia Pereira também avança que o ministro “no âmbito do processo penal, pode apresentar um pedido de indemnização cível, a escolha é sua. O processo segue igual, tem é de demonstrar que teve danos”. Se o juiz lhe der razão, Pedro Nuno Santos “pode ficar com a indemnização ou atribuir a uma entidade de fins não lucrativos, como uma instituição de solidariedade”. Também existem casos em que o queixoso pede uma indemnização simbólica, como um euro, por exemplo, explicou.

Questionada se o tribunal pode dar razão ao ministro se este exigir o pagamento de uma indemnização relativamente elevada, a advogada é taxativa: Um milhão de euros? “Nunca na vida. Os danos morais em Portugal são taxados por baixo”.

Comparando com as indemnizações por homicídio ou morte, seria impossível obter um valor na ordem das centenas de milhares de euros pela revelação de uma gravação privada. “De acordo com a bitola dos tribunais em Portugal, uma vida humana vale 300 mil euros”, compara Rita Garcia Pereira.

O anúncio da apresentação da queixa-crime pelo ministério foi feito depois de a gravação andar a ser partilhada na plataforma de mensagens Whatsapp durante o dia de quarta-feira. Com uma duração de 2 minutos e 24 segundos, é possível ouvir na gravação o empresário e o ministro a conversarem.

“Reencaminhada demasiadas vezes”, alertava a plataforma em cada nova partilha, uma ferramenta usada pelo Whatsapp para alertar os utilizadores quando um determinado conteúdo é partilhado inúmeras vezes.

A conversa teve lugar durante uma reunião realizada na noite de quarta-feira da semana passada, 3 de março, explicou ao JE o ministério da Infraestruturas. Esta foi a única reunião realizada entre o empresário e o ministro nas últimas semanas, segundo a mesma fonte. No dia seguinte, teve lugar uma reunião entre Alfredo Casimiro, acionista e presidente do conselho de administração da Grounforce, com os trabalhadores da empresa.

O diálogo gravado entre os dois interlocutores parece ter lugar já na reta final da reunião quando o empresário pergunta: “O acionista privado da TAP está a colocar dinheiro na mesma proporção que o Estado está a colocar dinheiro na TAP?”, questionou, referindo-se aos 1,2 mil milhões de euros injetados na TAP pelo Estado português.

Pedro Nuno Santos responde: “Estamos a negociar com Bruxelas, no quadro da reestruturação da TAP, o que vai exigir a conversão de parte, senão da totalidade, em capital. O que metermos vai ter de se convertido em capital. O que vai acontecer com a participação de Humberto Pedrosa é que vai evaporar, vai se transformar em pó, não sei se chega a 1% [atualmente detém 27,5%]. Eles não vão acompanhar, vai se diluir até uma participação residual. Só ainda não aconteceu agora, porque ainda não sabemos quanto a Comissão Europeia vai exigir que seja convertido em capital”.

De seguida, o empresário lamenta a situação vivida na empresa e refere a reunião que vai ter lugar na manhã do dia seguinte com os trabalhadores. “Muito bem senhor ministro. Olhe, lamento imenso que não tenhamos chegado a uma conclusão, e lamento imenso que amanhã às 9h30 da manhã [de quinta-feira, 4 de março] não tenha uma solução para dar aos trabalhadores. E lamento imenso todo o impacto mediático e negativo que isto vai ter para a minha pessoa, para a sua, para o Estado português, e para o Governo português”.

“Nao vejo mais solução nenhuma. Tentei encontrar aqui as soluções possíveis e imaginárias para eu também ter algumas garantias, para ter uma garantia que, se houver um atraso, como já se verificou, um atraso de oito meses entre a nossa primeira conversa (…) e nada foi conseguido. Não acredito que em menos de seis meses consigamos desbloquear o Banco de Fomento, sinceramente não acredito”.

O áudio termina logo a seguir, não sem antes o empresário reconhecer a dificuldade vivida na Groundforce: “Temos aqui um problema sério para resolver”.

Contactado pelo JE, o empresário não fez comentários à apresentação da queixa crime pelo ministro contra si.

No dia seguinte a esta gravação, o ministro das Infraestruturas realizou uma conferência de imprensa no seu ministério para dar conta que a TAP não podia avançar com o empréstimo de dois milhões de euros pedido pela Groundforce pois Alfredo Casimiro não estava disposto a entregar como garantia as suas ações da empresa.

“Obviamente que a TAP não aceitaria que, caso fosse executada a garantia, as ações não tivessem qualquer consequência. As ações passavam para a TAP, mas não significavam nada. A TAP não pode aceitar uma situação destas. Não podemos expor a TAP sem garantias”, disse Pedro Nuno Santos em conferência de imprensa na quinta-feira à noite, 4 de março.

Já a 8 de março, a tutela de Pedro Nuno Santos disse que “não foi possível chegar a acordo porque Alfredo Casimiro disse que não tem as ações para dar como penhor”, segundo revelou na ocasião fonte oficial do ministério ao JE. O empresário terá dado estas ações como garantia noutro empréstimo bancário impossibilitando o seu uso neste empréstimo, apurou o JE.

Segundo revelou a SIC Notícias esta semana, parte das ações da Pasogal foram entregues ao Novo Banco como garantia em 2016 quando vários credores reclamaram 44,2 milhões de euros ao grupo Urbanos, detido por Alfredo Casimiro, empresa de mudanças que se encontra em Processo Especial de Revitalização. Já o Expresso avançou que uma parte das ações foi dada como penhor ao Montepio.

Já os trabalhadores da Groundforce têm realizado diversas manifestações por todo o país. Na quarta-feira, protestaram em frente à residência oficial do primeiro-ministro em Lisboa, defendendo a nacionalização da companhia para ultrapassar a difícil situação financeira da empresa.

“Consideramos que a única solução para segurar a empresa e salvaguardar os postos de trabalho é a nacionalização, sendo que só o primeiro-ministro poderá resolver a situação”, segundo um comunicado da comissão de trabalhadores (CT) da empresa divulgado esta semana.

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