Nos termos do artigo 120.º da Constituição Portuguesa, o Presidente da República é o mais alto representante do povo, sendo este o verdadeiro titular da soberania.
Mesmo depois de a revisão constitucional de 1982 ter retirado poder ao Presidente da República, uma vez que o então primeiro-ministro, Mário Soares, pretendia diminuir o protagonismo de Ramalho Eanes, o Presidente da República na altura, a realidade é que a Constituição lhe continua a reconhecer 27 alíneas de competências.
Além disso, apesar de a Constituição não o dotar explicitamente com o poder moderador, visto por Benjamin Constant como forma de o Presidente dispor de um poder neutro capaz de recolocar todos os outros sempre que se afastam dos respetivos lugares, não restam dúvidas de que o cargo permite uma magistratura de influência. Uma magistratura que deverá seguir o exemplo criado em 1567 por Guillaume de la Perrière, quando escreveu que o governante deveria primar pela sabedoria, diligência e paciência e que, para atingir a terceira qualidade, deveria seguir o exemplo do rei das abelhas que sabe governar a colmeia apesar de a natureza não o ter dotado de ferrão.
Ora, a profusão de debates entre os candidatos à eleição presidencial marcada para dia 24 de janeiro, ainda antes da abertura oficial da campanha, veio mostrar a um povo confinado que a eleição presidencial, ao contrário da pandemia que assola o país, continua em perda. Um dado que não decorre apenas da circunstância de todos os Presidentes terem sido reeleitos. Uma forma de admitir que Marcelo Rebelo de Sousa está como a pescada que antes de o ser já era.
A desvalorização da eleição presidencial tem a ver com as propostas apresentadas pela quase totalidade dos candidatos. Uma oferta em que à excessiva e retrógrada carga ideológica de alguns se adiciona a chocante vagueza de lugares comuns de outros, face a um Marcelo sorridente. Para piorar a situação, os debates assumem com alguma frequência o modo trumpiano e as ofensas pessoais não se fazem esperar. Ao contrário do rei das abelhas, a maioria dos candidatos faz questão de mostrar que tem ferrão e manifesta dificuldade no seu controlo.
Numa pré-campanha pobre e suscetível de aumentar a taxa de abstenção que já se adivinhava elevada por conta do hábito e da pandemia, do ponto de vista da Ciência Política, há aspetos que merecem reflexão, pois poderão contribuir para travar a desvalorização da eleição presidencial.
O primeiro prende-se com o facto de o debate mais visto ter tido como protagonistas o atual – e futuro – Presidente e o candidato que se apresenta como o principal desafiador do modelo. De um lado, o defensor do sistema. Do outro, o populista antissistema. Uma prova de que os portugueses querem acreditar, mas têm dúvidas sobre a funcionalidade do sistema. A qualidade da magistratura de influência ditará o futuro do semipresidencialismo mitigado.
Depois, talvez se imponha questionar se o modelo que possibilita dois mandatos presidenciais consecutivos não deverá dar lugar apenas a um mandato, mas mais prolongado. O equivalente a duas legislaturas.
Finalmente, talvez seja altura de refletir sobre se é aceitável que os partidos, como o PCP e o Bloco, assumam o passivo de campanhas protagonizadas em nome individual. A democracia, um regime sempre imperfeito e em construção, talvez agradeça estas – e outras – reflexões.