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Reforma do sistema eleitoral impediria desperdício de um milhão de votos nas legislativas

Nuno Garoupa defende que elevado número de votos que não elegeram deputados deve impulsionar a criação de círculo nacional de compensação. Aplicação aos resultados das últimas legislativas beneficiaria todos os partidos tirando o PS e o PSD. E poderia trazer mais três forças políticas à Assembleia da República.
21 Outubro 2019, 07h45

A existência de mais de um milhão de votos que não serviram para eleger deputados, incluindo centenas de milhar destinados aos partidos que conseguiram representação parlamentar nas legislativas de 6 de outubro, é algo que, para o professor universitário Nuno Garoupa, não só mostra que “a atual lei eleitoral viola de forma descarada qualquer conceito matemático de proporcionalidade” como deve servir de impulso para uma reforma que preveja um círculo nacional de compensação com 50 dos 230 deputados da Assembleia da República.

Segundo os cálculos apresentados por Nuno Garoupa, a existência desse círculo – no qual seriam contabilizados os votos que não foram necessários para eleger deputados, segundo o método de Hondt, nos círculos já existentes, ajustados para somarem 18o mandatos  –, todos os partidos que não o PS e o PSD veriam reforçada a representação  parlamentar. E se não fosse imposto um limite mínimo de 1% dos votos para poder eleger no círculo nacional, a Assembleia da República iniciaria a XIV Legislatura com mais três partidos, pois o Aliança, de Pedro Santana Lopes, o RIR – Reagir, Incluir e Reciclar, de Vitorino Silva (conhecido pela alcunha “Tino de Rans”), e ainda o PCTP-MRPP teriam um deputado cada.

Distribuídos os quatro mandatos dos círculos da emigração entre socialistas e sociais-democratas, o maior grupo parlamentar aplicando essa reforma do sistema eleitoral continuaria a ser o do PS, com 93 deputados (94 se fosse aplicado o limite de 1% para eleição), seguindo-se o do PSD, com 71. Ou seja, 14 ou 15 menos do que os socialistas que tomarão posse no Palácio de São Bento e oito sociais-democratas a menos.

Todos os outros grupos parlamentares sairiam reforçados da introdução do círculo nacional, com o Bloco de Esquerda a subir de 19 para 23 mandatos, a CDU a passar de 12 para 15 ou 16, o CDS-PP a duplicar de cinco para dez parlamentares e o PAN a poder subir na mesma proporção, pois os quatro deputados passariam a sete ou oito.

E mesmo os partidos que conseguiram pela primeira vez representação parlamentar a 6 de outubro teriam uma representação mais consentânea com a votação: mesmo sem conseguirem eleger no círculo de Lisboa, bastaria o círculo nacional para que o Chega tivesse três deputados, tantos quanto o Iniciativa Liberal, enquanto o Livre passaria a ter dois.

Isto porque foi justamente entre os partidos e coligações com menor votação que existe um maior número de votos que não contribuíram para eleger nenhum deputado. Muitos foram os círculos eleitorais em que não obtiveram representação – o Bloco de Esquerda só elegeu em nove distritos, a CDU em seis, o CDS-PP em quatro e o PAN em três –, o que contribuiu para que só entre a terceira e a sexta força política mais votada tenham sido “inutilizados” meio milhão de votos.

Combate ainda por travar

Perante uma situação que “alimenta a abstenção e uma frustração eleitoral enorme”, Nuno Garoupa considera que “não deixa de ser curioso” que bloquistas, comunistas e centristas nunca se tenham batido pelo aumento da representatividade na Assembleia da República, o que só agora começa a acontecer.

“É verdade que quando comecei a falar deste assunto há muitos anos, isto era populismo e demagogia incendiária. Miraculosamente as claques (perdão, os comentadores) do Bloco, PC e CDS descobriram o assunto depois de 6 de outubro de 2019. Ainda bem. Mais vale tarde do que nunca. Veremos se fazem algum esforço consequente na nova legislatura”, escreveu o professor universitário, que já presidiu à comissão executiva da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Já entre PS e PSD será mais difícil encontrar motivação para alterar um sistema eleitoral que garante uma percentagem do número de deputados bastante superior à percentagem do número de votos – 64% do eleitorado garantiu-lhes 81% do hemiciclo –, na medida em que Nuno Garoupa salienta que “pior proporcionalidade já não é possível”. Mais provável será, em seu entender, a tentativa de mexer na Lei Eleitoral para “eliminar artificialmente os minipartidos”, o que poderia não só fechar a porta do Palácio de São Bento ao Chega, Iniciativa Liberal e Livre, mas também ao CDS-PP e PAN se mantivessem as atuais votações.

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