A reforma laboral é um processo em curso que tem como ponto de partida o anteprojeto apresentado pelo Governo e será um dos principais temas de debate no regresso do trabalho político, como estava já a ser antes do interregno para férias.
“O que interessa é como acaba, não é como começa”, afirma o ministro da Presidência, António Leitão Amaro. Isto quer dizer negociação, alargada, em dois planos: na Assembleia da República, onde a coligação governamental não dispõe de maioria absoluta, e em sede de concertação social. E a negociação vai ser dura, porque se têm reforçado os dois lados da barricada, a favor das medidas e contra elas.
Mimetizando, em certa medida, o programa que serviu de cola à “geringonça” que suportou o primeiro governo de António Costa, com a esquerda unida no retrocesso das medidas impostas no período da troika, o anteprojeto para a reforma laboral prevê 72 revogações. É esse o número de vezes que a palavra “revogado” surge no documento “Trabalho XXI”, entregue aos parceiros sociais no final de julho e divulgado pelo governo.
O fim das três faltas remuneradas por luto gestacional, em vigor apenas desde 2023, tem sido das propostas mais polémicas. Acrescenta-se o fim da criminalização do trabalho não declarado – que inclui o trabalho doméstico – e o fim da proibição de recurso ao outsourcing após despedimento coletivo são mais dois pontos de confronto. Ainda a revogação das arbitragens que dificultam a caducidade e cessação dos efeitos da negociação coletiva e a revogação dos poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e do Ministério Público para intervirem em despedimentos ilegais.
Depois, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social incendiou o espaço público quando justificou as mudanças nas regras da amamentação, com os “abusos” que a legislação atual permite, apontando haver casos de mulheres que alegam amamentar até a criança ir para a primária para poderem usufruir da redução de duas horas no trabalho, pagas pelo empregador. Mas nem a ACT ou a Comissão para a Igualdade no Trabalho receberam qualquer queixa relativa a eventuais abusos.
Independentemente disso, o Governo quer limitar a dispensa de amamentação aos dois anos. Mas também impor que as mães apresentem um atestado comprovando que estão a amamentar logo que regressam ao trabalho, antes dos 12 meses do bebé. Um atestado que atualmente só é exigido após a criança completar um ano de idade.
A proposta governamental prevê ainda o regresso ao banco de horas individual e aumenta o limite de um contrato a termo de dois para três anos. E ser jovem à procura do primeiro emprego volta a ser critério para contratar a termo.
António Leitão Amaro assegura que a “intenção inequívoca” do Governo é pôr em prática um pacote de medidas laborais “a favor dos jovens, a favor das mulheres e a favor da família”. Tratando-se de um anteprojeto, embora o documento nesta fase seja “importante”, segue-se ainda uma discussão pública, e política, e uma negociação na concertação social.
Os empresários olham para a proposta como “um bom ponto de partida” para a fase negocial que se segue. “Tem margem de melhoria significativa”, defende Armindo Monteiro, presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal. “Muitas das medidas anunciadas corrigem o mal que tinha sido introduzido” com a Agenda do Trabalho Digno, acrescenta. Mas é por isso mesmo que a CGTP e a UGT já se manifestaram contra, indiciando um fosso cavado entre patrões e trabalhadores à mesa da concertação.
Será, no entanto, na arena política que a discussão assumirá outra relevância, porque se debatem os méritos da proposta, é certo, mas também as posições relativas. O Governo quererá fazer a reforma da legislação laboral com o Chega ou com o PS?
Esquerda ou direita?
André Ventura quis marcar terreno na negociação e disse ter desafiado o PSD no sentido de criarem uma “proposta conjunta” que “vá no sentido do que são hoje as exigências das pequenas e médias empresas, do trabalho, da economia”. Elencou linhas vermelhas que não ultrapassa, como a questão do período de amamentação ou do luto gestacional, apontou discordâncias, como o fim da proibição do recurso ao outsourcing após despedimentos coletivos, mas fez saber que “há caminho para andar”, sem necessidade do PS.
José Luís Carneiro parte para a discussão com um tom mais crispado, até porque se pretende revogar legislação aprovada pelos governos socialistas.
À partida, nota que a ideia da reforma laboral do Governo foi “escondida dos portugueses” porque não foi incluída no programa com que a AD se apresentou a eleições. Depois, traça linhas vermelhas, garantindo que recusará propostas do Governo que ponham em causa a agenda para o trabalho digno ou que desvalorizem a contratação coletiva.
Não institucionalmente, mas através de membros destacados do partido, o PS tem-se posicionado como crítico aberto da reforma laboral, considerando-a um retrocesso aos tempos da Troika, motivado pela ideologia, devolvendo a crítica feita pela direita quando a “geringonça” avançou para a revogação de medidas do governo de Pedro Passos Coelho.
Mas, no final, a questão é saber com quem Luís Montenegro quer negociar. Os socialistas têm vindo a aumentar a pressão, sem sucesso, para que o Governo defina com quem quer, afinal, entendimentos nesta legislatura. “Se quer diálogo com o PS, é com o PS que deve dialogar”, vincou José Luís Carneiro, à saída de uma reunião com Luís Montenegro a 30 de julho, a quem foi levar propostas sobre várias áreas.
Estas são as duas forças que fazem a diferença do parlamento. Passa por aqui a aprovação da legislação.
De resto, a coligação governamental está consciente de que à esquerda contará com uma oposição cerrada, enquanto à direita poderá ver abertura.
“É óbvio que algumas questões precisam de ser melhoradas”, diz ao Jornal Económico Mariana Leitão, recém-chegada à liderança da Iniciativa Liberal. “A reforma laboral, na nossa opinião tem de ser muito mais abrangente do que as alterações pontuais que o Governo está a propor. É preciso, de facto, adaptar o Código do Trabalho à realidade em que vivemos. Estamos em pleno século XXI, em 2025, e ainda temos leis que regem a forma de organização, a forma do trabalho, como ele funciona que remonta aos anos 80, altura em que as dinâmicas laborais eram um pouco diferentes das de hoje em dia”, acrescenta.
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