Este ano, a feira do livro de Lisboa regressou às suas datas tradicionais, antes das festas da cidade e a coincidir com o florir dos jacarandás.
Lembro-me, na infância, de ir à feira do livro, com o meu pai, que sempre incentivou os meus hábitos de leitura. Ao contrário de muitos, tive de ser autodidata nas minhas escolhas. Foram as histórias do Tio Patinhas e Pato Donald, criadas por Carl Banks, que constituíram a minha primeira escola de língua portuguesa. Sendo bilingue e crescendo numa casa árabe, os livros da Disney foram fundamentais para consolidar o meu conhecimento da língua, mas também para me abrir a mente para a arte de contar histórias.
As primeiras idas à feira eram marcadas por uma “caça à Disney”, mas, na adolescência, comecei a desvendar os clássicos portugueses e europeus dos séculos XVIII e XIX. A leitura era pura alegria, fechada no meu mundo repleto de odisseias e aventura, histórias de amor trágicas ou grande angústia existencial.
A fase dos 16/17 anos é marcada pela descoberta da literatura fantástica, com a leitura de J.R.R. Tolkien, C. S. Lewis, Frank Herbert, Ray Bradbury, Ursula K. Le Guin, e foi então que descobri onde é que pertencia em termos literários. Dediquei-me com paixão à exploração desses géneros que sempre haviam sido tão marginalizados nos meus estudos académicos em Letras.
Quis o destino que fosse parar ao mundo dos livros como profissional de edição. Pela primeira vez, vi-me do outro lado dos stands da feira, como vendedora, experiência que recomendo vivamente. Não há nada como o contacto com o público para compreendermos as tendências e como o trabalho de edição está a ser valorizado. Foram anos extraordinários e intensos.
A feira mudou ao longo da última década e tornou-se não só possível comprar livros, mas também criar um espaço de convívio e festa entre leitores, autores e profissionais de edição.
A feira parece indissociável do Parque Eduardo VII, mas ainda me lembro do tempo em que foi transferida, por poucos anos, para a rua Augusta, numa Lisboa antiga que já mal existe, quando ainda não tinha sido descaracterizada pela gentrificação. Sempre adorei a feira no Parque, mas depois comecei a estar mais atenta ao facto de ser um local problemático em termos de exposição ao clima e acessibilidades, face a um terreno tão inclinado e irregular.
Este ano, regresso à feira do livro com uma sensação de apaziguamento. Estou feliz por regressar às origens, depois de um curto afastamento. Poder voltar a ser editora, e de um género que foi tão especial e importante para mim: a banda desenhada. Sempre me senti mais confortável nos géneros que vivem nas margens, para lá empurrados pelo meio intelectual. Mas nunca as margens foram tão vibrantes como agora.
Adotando o modelo cooperativo como nova forma de organização, ingressei numa cooperativa de editores e assim regresso como editora e divulgadora deste incrível meio vibrante que é a banda desenhada e que tem crescido nos últimos anos.
Há novos desafios que surgiram nestes últimos anos no meio editorial, e o fosso de desigualdades tem vindo a aprofundar-se entre os pequenos e grandes players, mas sempre acreditei que os melhores livros nascem de forma surpreendente e inesperada, especialmente nas margens para onde ninguém está a olhar. Espero que seja um regresso feliz.