A crise pandémica que estamos a viver expôs a forte dependência das economias desenvolvidas em relação às cadeias de valor globais, na sua maioria centradas na China. É este gigantesco país, verdadeira “fábrica do mundo”, que abastece a Europa e os EUA com material médico-sanitário para fazer face à covid-19, desde produtos de menor intensidade tecnológica, como máscaras, luvas ou batas, a equipamentos mais sofisticados, como ventiladores pulmonares.
Ainda antes da pandemia, os EUA reagiram politicamente à hegemonia chinesa nas cadeias de valor globais, embora pela voz pouco lúcida de Donald Trump. Mas a UE tem sido mais complacente com a China, notando-se só agora, no auge da crise pandémica, um engrossar de voz em relação ao regime liderado por Xi Jinping.
O presidente francês Emmanuel Macron pediu explicações à China a propósito do surto do novo coronavírus e a vice-presidente da Comissão Europeia, Margrethe Vestager, manifestou a intenção de ajudar os Estados-membros a impedir que investidores chineses tomem posições importantes em empresas europeias fragilizadas pela pandemia.
A crise pandémica está assim a criar um contexto favorável à reconfiguração das cadeias de valor globais, de forma a diversificar os seus centros de produção.
Ora, isto é uma oportunidade para a Europa e para Portugal reforçarem a sua capacidade produtiva e valorizarem os seus produtos, não só no quadro do mercado único mas também à escala global. Este processo de repatriamento das produções estratégicas pressupõe a reindustrialização da Europa, designadamente com a aceleração da transição digital e energética.
À semelhança do que aconteceu no resto da Europa, Portugal sofreu um processo de desindustrialização nas últimas décadas. A nossa base industrial estava muito centrada em sectores especialmente expostos à globalização e, além disso, o contexto económico europeu no final do século XX impulsionou a produção de bens não transacionáveis. Acentuou-se assim a terciarização da economia portuguesa e houve uma redução contínua do peso da indústria no PIB nacional, que estabilizou um pouco acima dos 10% (nas décadas de 1970 e 1980 andava perto dos 30% do PIB).
Era bom que, no relançamento económico do país pós-pandemia, se promovesse a emergência e a consolidação de projetos industriais. Nomeadamente, aplicando no desenvolvimento de novos produtos o conhecimento que tem vindo a ser produzido pelos centros de excelência tecnológica do nosso sistema científico e de inovação.
Para além dos sectores tradicionais, que já mostraram ser particularmente resilientes mesmo em cenários de crise, há atividades de elevado valor acrescentado em que somos ou podemos vir a ser muito competitivos, como as energias, a aeronáutica, a mobilidade sustentável, as tecnologias de informação, a robótica, a inteligência artificial, a saúde/farmacêutica, entre outras.
Para este processo de reindustrialização, são necessários empresários (em particular das novas gerações) com apetência pelas oportunidades de negócio na indústria, investidores internacionais que reconheçam as nossas potencialidades industriais, um Estado que incentive (designadamente por via fiscal) e desburocratize o investimento no sector secundário e instituições financeiras que sejam verdadeiras parceiras dos empresários.