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Relatório secreto sobre caso BES devia ser divulgado? “Pode evitar erros do passado”, diz João Costa Pinto

Autor do relatório secreto sobre atuação de Carlos Costa no BES está a ser ouvido hoje na nova comissão de inquérito à gestão da CGD que pretendem analisar se falhas do supervisor que poderão ser extensíveis ao banco público e se desde o caso BES houve uma evolução das práticas por parte de regulador. Ex-presidente do conselho de auditoria do BdP defende que divulgação de relatório “pode ser de grande utilidade”.
  • BES Av Liberdade Lisboa
10 Abril 2019, 18h27

A divulgação “do que está vertido no relatório” secreto sobre a atuação do Banco de Portugal (BdP) no caso BES “pode ser de grande utilidade” e “evitar a repetição de erros do passado ”, assegurou João Costa Pinto aos deputados da II comissão parlamentar de inquérito (CPI) à recapitalização da CGD e à gestão do banco que estão a ouvir nesta quarta-feira, 10 de abril, o antigo presidente do conselho de auditoria do Banco de Portugal (BdP).

A defesa na divulgação deste relatório pelo antigo presidente do conselho de auditoria do BdP surgiu em resposta à deputada do BE, Mariana Mortágua, que questionou João Costa Pinto sobre se este responsável “pensa que o conteúdo [do relatório secreto, cujas conclusões terão sido muito críticas à atuação do supervisor] devia ser publicitado”.

Aos deputados João Costa Pinto avançou ainda não ter memória, “e não é por falta dela”, de questões relativas a desconformidades de crédito na CGD tenham sido levadas a alguma reunião do conselho de administração do Banco de Portugal, onde participava enquanto presidente do conselho de auditoria do supervisor entre Outubro de 2014 e maio de 2018.

A resposta de João Costa Pinto foi dada ao deputado socialista, João Paulo Correia, que questionou o antigo presidente do conselho de auditoria do BdP sobre se o tema Caixa Geral de Depósitos foi alguma vez levado aos conselhos de administração do BdP, onde Costa Pinto participava, nomeadamente os alertas dos relatórios trimestrais da comissão de auditoria do banco público que eram enviados para o regulador, dando conta de “desconformidade na política de monitorização do crédito” na CGD.

João Costa Pinto, que foi responsável pelo relatório “secreto” sobre a atuação de Carlos Costa e do supervisor no caso do BES, que é pedido pelo PS e Bloco de Esquerda, sublinhou ainda na audição: “tanto quanto tenho conhecimento da natureza dos problemas relativamente a créditos [na CGD], é sobretudo pela imprensa”.

Recorde-se que bloquistas e socialistas pretendem analisar falhas do supervisor no caso BES que poderão ser extensíveis à CGD, exigindo o PS o relatório secreto para avaliar exposição da CGD ao BES.

Sobre esta exposição, deputado do PS, João Paulo Correia, questionou o antigo presidente do conselho de auditoria do BdP sobre se aquele relatório secreto tem algum capítulo do que foi a exposição GES/BES a outros bancos, nomeadamente à CGD, quer através de acções, obrigações e empréstimos concedidos, aquando da resolução do BES.

“Não estava no objecto da comissão independente (que avaliou a atuação do BdP no caso BES). Nem foi objecto de preocupação esse tema, pelo que não está reflectido no relatório”, revelou João Costa Pinto.

As conclusões do documento, com cerca de 600 páginas, apontam para críticas à atuação do atual governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, mas também do anterior, Vítor Constâncio, em relação ao banco da família Espírito Santo que veio a ser alvo de uma resolução em agosto de 2014.

Este é um dos documentos que tanto os socialistas como os bloquistas pediram para ter acesso no âmbito da nova CPI à CGD, criada após a divulgação do relatório de auditoria da EY à gestão da Caixa entre 2000 e 2015, que concluiu por perdas de 1.647 milhões de euros em 186 operações de crédito que acabaram por se revelar ruinosas. Este relatório também já foi pedido em tribunal pelo antigo líder do banco, Ricardo Salgado.

No início de março, o JE noticiou que o PS juntou-se ao BE no pedido do relatório interno que avaliou a actuação do Banco de Portugal no caso BES. Enquanto bloquistas pretendem analisar falhas do supervisor que poderão ser extensíveis à CGD, os socialistas exigem auditoria secreta para avaliar exposição da CGD ao BES.

Os partidos, tal como o CDS, querem ter acesso ao relatório interno que avaliou a actuação do supervisor no caso BES, para confrontarem o governador do BdP na nova CPI à gestão da Caixa que pretende ir mais longe do que a anterior no apuramento dos factos que provocaram perdas de milhões de euros no banco público.

Para a deputada do BE, Mariana Mortágua, este relatório é fundamental para que a Comissão Parlamentar de Inquérito possa proceder a uma avaliação integrada da atuação do Banco de Portugal no sistema financeiro. “Para além da análise retrospetiva, importa aferir se houve, de facto, uma evolução das práticas por parte de regulador, fruto da experiência adquirida nos casos passados”, justifica a deputada bloquista no requerimento em que o BE solicita o relatório secreto.

Os socialistas incluíram também este relatório secreto na lista de documentos pedidos pelo partido, entregue no Parlamento no âmbito da na nova CPI à Caixa. Segundo o deputado do PS, João Paulo Correia, justificou ao JE, o objectivo passa por “aferir a exposição da CGD ao BES”.

Ainda antes da resolução do BES, a 3 de agosto de 2014, foi noticiado que a exposição da CGD a sociedades detidas pelo Grupo Espírito Santo rondava os 300 milhões de euros, mas todos os créditos tinham garantias reais como acções ou imobiliário. Entre as empresas que se foram financiar junto da CGD estava a Espírito Santo Internacional, que controlava o Espírito Santo Financial Group (ESFG), então maior accionista do BES, tendo, entretanto, sido declarada a insolvência a ambas as holdings.

O relatório secreto foi solicitado pela comissão parlamentar de inquérito ao BES que o supervisor não quis entregar em 2015. E foi novamente pedido, no ano seguinte, pelos deputados de esquerda na comissão de inquérito ao caso Banif, mas foi novamente recusado o documento que foi elaborado pela Comissão de avaliação às decisões e à actuação do Banco de Portugal na supervisão do BES, com o apoio técnico da consultora consultora Boston Consulting Group (BCG). Agora, na nova comissão de inquérito à CGD, o Parlamento voltou a solicitar o relatório ao BdP e obteve nova recusa na entrega do documento que arrisca a nunca chegar a ver a luz do dia.

O BdP defendeu, em 2016, que não tem de disponibilizar “informações ou documentos cujo conteúdo não tenham conexão com a medida de resolução”, pelo que os considerou sujeitos a “segredo profissional”. Um argumento que será agora mais difícil de utilizar face à nova lei de transparência bancária que vai obrigar os bancos a enviarem informação sob sigilo bancário e profissional para as comissões de inquérito e deverá ser útil à nova comissão de inquérito à gestão da CGD.

A auto-avaliação feita pelo BdP no caso BES deixa críticas à actuação do supervisor e aponta falhas no acompanhamento feito ao banco, revelou ao Jornal Económico fonte próxima ao processo, confirmando as dúvidas deixadas pela comissão de avaliação interna, noticiadas pelo Jornal de Negócios a 23 de março de 2016, data em que deu conta que o relatório conhecido como Costa Pinto, herdando o nome do presidente do conselho de auditoria do regulador que o liderou, vão até ao início da década passada.

 

A missão da comissão

O relatório sobre a atuação do regulador no caso BES resulta da criação de uma comissão de avaliação determinada pelo governador do BdP  na sequência do processo que conduziu à aplicação da medida de resolução ao BES, a 3 de agosto de 2014 e à injecção de 4,9 mil milhões de euros banco que resultou do colapso da instituição que foi liderada por Ricardo Salgado. Esta comissão foi incumbida de avaliar a atuação do BdP nos três anos que antecederam a aplicação da medida de resolução ao BES para “apurar eventuais deficiências e oportunidades de melhoria na organização e nos processos de supervisão”.

Sem nunca ter divulgado o relatório, o BdP apenas assumiu, após a sua conclusão, que deverá no futuro ter uma especial preocupação em tomar “decisões de supervisão de forma mais tempestiva e determinada, mesmo que tal implique um maior risco de litigância”. Uma lição tirada pelo  supervisor no âmbito da sua atuação no caso BES, que consta entre as 19 recomendações que resultam da auditoria interna realizada após a queda do banco.

Esta comissão de avaliação foi presidida pelo presidente do conselho de auditoria do BdP, João Costa Pinto, e integrou os consultores do supervisor Maximiano Pinheiro e Norberto Rosa. Recorde-se que este último antigo consultor do BdP foi também administrador da CGD (entre 2005 e 2010) e protagonizou o caso mais recente de um ex-gestor da Caixa que precisava do aval do BCE para desempenhar funções bancárias. Este ex-gestor da Caixa esteve recentemente seis meses à espera de luz verde do BCE para integrar a equipa do BCP, na qual estava apontado para o cargo de presidente da Comissão de Auditoria do BCP, e acabou por desistir.

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