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Ricardo Mourinho Félix: “Com o aumento do preço da energia aprendemos que a capacidade instalada de energia limpa ainda é limitada”

No Dia Nacional do Mar, o vice-presidente do Banco Europeu de Investimento diz ao Jornal Económico que 70% dos 2 mil milhões de euros da iniciativa de limpeza dos oceanos estão contratualizados. “O objetivo do banco é ver o impacto que os projetos têm, mais do que despejar milhões de euros em cima de projetos. Nem sempre é fácil. Qual é o objetivo último? Postos de trabalho criados, número de empresas, capacidade de investimento e inovação”, afirma.
  • Ricardo Mourinho Félix
16 Novembro 2021, 08h10

Celebra-se esta terça-feira o Dia Nacional do Mar e Portugal lançou, há cerca de duas semanas, o primeiro fundo de investimento em empresas ligadas à economia marinha, no âmbito do “Portugal Blue”, o programa de 75 milhões de euros que resultou de uma parceria entre o Fundo Europeu de Investimento (FEI), o Governo (através do Fundo Azul) e o Banco Português de Fomento (BPF). Em entrevista ao Jornal Económico, o vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI) explica a importância do chamado “Faber Blue Pioneers Fund”, avança que 70% dos 2 mil milhões de euros da “Clean Oceans Initiative” estão contratualizados e destaca o investimento na descarbonização para evitar mais crises energéticas.

O que se segue dentro do Portugal Blue ou noutros programas de apoio a empresas ligadas ao mar?

O fundo que lançámos de 50 milhões de euros, uma colaboração entre o FEI e o Banco Português de Fomento (BPF), é o princípio de uma cooperação na área da economia azul, para participações de capital – portanto não estamos a falar aqui dívida mas de equity. A forma como depois o dinheiro chega às empresas para capital é através de empresas de gestão de fundos. Fizemos dia 20 de outubro o primeiro contacto com uma empresa de gestão de fundos, que no mercado encontrará parceiros privados para apostarem mais capital. O objetivo é trazer capital privado que, juntamente com o capital que é posto pelo FEI e pelo BPF, permite alavancar esses valores e transformar 50 milhões em valores que são múltiplos de 50 milhões, dependendo da capacidade de cada um dos fundos que se associarem. O valor de que se falou foram 150 milhões. Os valores podem crescer se houver procura e interesse do mercado. Mais do que os milhões de euros de que muitas vezes fala é o impacto que podemos ter: até que ponto é que cada milhão de euros que é posto de capital pelo FEI e pelo BPF depois permite encontrar dinheiro privado que, beneficiando daquilo que é capital público, gerar alavancagem e chegar a mais empresas na área da economia azul.

A quantas empresas pretendem chegar?

Os fundos têm condições de diversificação e, portanto, cada um depois investirá em dez, 15 ou 20 empresas, dependendo das entradas de capital. É uma análise que será feita pelos gestores de fundos privados: analisar a qualidade dos projetos, a solidez das empresas do ponto de vista técnico e económico, para que possam crescer, no caso de startups e pequenas e médias empresas (PME).

Quanto é que o grupo já investiu nesta área da economia azul?

Há algum tempo que o BEI tem vindo a fazer investimentos na economia do mar, que é parte do Pacto Ecológico Europeu (Green Deal). Como banco da União Europeia, desenvolveu o roteiro do banco do clima (Group Climate Bank Roadmap), um plano operacional com base no documento de orientação estratégica. Há cerca de três anos o BEI definiu uma estratégia – o Clean and Sustainable Ocean Programme – com duas iniciativas: o Blue SOS (estratégias empresariais para criação de valor, com uma disponibilidade de 2.500 milhões de euros para investir entre 2019 e 2023 em projetos na área da sustentabilidade dos oceanos, proteção da costa, produção alimentar de pescado, algas ou marisco, transporte marítimo e biotecnologias) e a Clean Oceans Initiative. Lançada em 2018, uma primeira iniciativa sobre a despoluição dos oceanos foi em conjunto com os bancos promocionais alemão, francês, italiano e espanhol, com 2 mil milhões de euros para investimento público e privado também até 2023. Desse montante já temos 70% comprometido e assinado com a os parceiros para projetos nesta área.

E o Blue SOS?

O Blue SOS estará numa fase mais prematura mas sei que também está a evoluir bem. Estas iniciativas têm um perfil de execução que não é linear, ou seja, têm sempre um arranque mais demorado porque é preciso fazer todo o trabalho de contactar os gestores de fundos, as empresas, os governos e depois entra o departamento de avaliação de projetos. A maior parte dos bancos subcontratam, contratam empresas externas para fazer a avaliação, mas no BEI temos engenheiros e especialistas internos. No início é mais caro, mas no médio prazo há ganhos claros não só do ponto de vista financeiro como na definição de um padrão de rigor na análise dos projetos homogéneo e sobre o qual temos total controlo. O objetivo do banco é ver o impacto que os projetos têm, mais do que despejar milhões de euros em cima de projetos. Medir os impactos nem sempre é fácil. Qual é o objetivo último que se pretende atingir? Postos de trabalho que são criados, número de empresas, como dizia e bem, capacidade de investimento e inovação. Se os fundos que temos disponíveis por vezes demoram mais tempo a ser entregues é precisamente por haver esse escrutínio.

E em relação à energia eólica ‘offshore’, que também se insere neste sector?

Há 15 anos que decidimos apostar nela e na altura era visto como extremamente arriscado – mas também para isso é que servem as entidades públicas, para partilhar risco com os privados. A principal característica do sector público é poder tornar projetos que por si só não são viáveis (logo, não há nenhum privado que tome aquele risco) em viáveis. Hoje, o BEI financia 25 gigawatts de capacidade instalada para produção de energia eólica offshore e financia um terço de toda a produção offshore que é feita na Europa. Foi uma escolha que foi feita e resultou.

Concorda com a APREN que é “essencial” recorrer às renováveis para evitar subida dos preços da eletricidade?

Toda a questão dos preços da energia tem que ver, como quase tudo em economia, com a oferta e a procura. Portanto, é muito importante que exista uma capacidade instalada de energia limpa para que se possa fazer a transição energética. Isso é fundamental. Se há coisa que aprendemos com este aumento do preço da energia é que a capacidade instalada que temos é ainda limitada e, portanto, sujeita-se a flutuações. Este aumento do preço da energia tem várias causas por detrás e muitas delas de natureza conjuntural, transitória, porque tivemos um inverno particularmente frio e uma pandemia, o que levou as reservas energéticas estratégicas tivessem níveis muito baixos e com o arranque das economias gerou-se este efeito de aumento dos preços de energia. Se há alguma mensagem que podemos tirar é essa. Por isso, o BEI está a apostar em projetos de energia eólica offshore mas naquilo que se chama floating. Ou seja, o que investimos há 15 anos é capacidade de produção através de turbinas fixas ao fundo do mar. Uma nova geração é através de turbinas que estão instaladas em bases flutuantes. Começámos em Portugal com o WindFloat, ao largo de Viana do Castelo, e estamos agora com quatro projetos também em França de energia eólica com base com base flutuante. É algo muito experimental, mas tem sido um sucesso porque aumentar a eficiência, porque estas plataformas permitem explorar a direção dos ventos e otimizar as condições climáticas.

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