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Roteiro para as Eleições Autárquicas de 2017: tendências, probabilidades e leituras políticas

Candidatos (quase todos) escolhidos, dados lançados. A menos de seis meses da abertura das urnas de voto, identificamos o que está em jogo (nos tabuleiros do poder nacional e local) e antecipamos possíveis cenários.
26 Abril 2017, 15h10

Ressurreição de “dinossauros”
Em 2013, a lei da limitação de mandatos autárquicos obrigou-os a pedirem a reforma, ou a candidatarem-se a outros municípios. Sim, distorcendo o espírito da lei, convencionou-se que a limitação é apenas territorial e não incide sobre a função de presidente de câmara municipal (CM) ou junta de freguesia. Em 2017, muitos tentam retomar o poder nos municípios de origem. Sim, a lei determina um limite de “três mandatos consecutivos”, possibilitando o retorno de “dinossauros” autárquicos logo após um quadriénio de intervalo.

Estão assim de volta os rostos conhecidos de João Marques (PSD) em Pedrógão Grande (autarca entre 1997 e 2013), Júlia Costa (PSD) em Caminha (autarca entre 2001 e 2013), Fernando Marques (PSD) em Ansião (autarca entre 1993 e 2009), António Murta (PS) em Vila Real de Santo António (autarca entre 1985 e 2005, com um interregno pelo meio), Jaime Ramos (PSD) no Entroncamento (autarca entre 2001 e 2013), Litério Marques (PSD) em Anadia (ex-autarca entre 1997 e 2013) ou António Sebastião (PSD) em Almodôvar (ex-autarca entre 2001 e 2013). Nos casos de Litério Marques e António Sebastião, importa salientar que passaram o quadriénio de intervalo (2013-2017) em funções nas mesmas autarquias, Anadia e Almodôvar, como vereadores eleitos por movimentos independentes.

Ao que acresce uma nova tendência de sentido inverso: alguns candidatam-se desta vez como independentes, contra os partidos em que militaram ao longo de várias décadas. É a situação de José Rondão Almeida, dissidente do PS e ex-autarca de Elvas (1994-2013) que procura agora reassumir esse mesmo cargo. Tal como Narciso Miranda em Matosinhos (dissidente do PS e ex-autarca de Matosinhos entre 1977 e 2005), João Cepa em Esposende (dissidente do PSD e ex-autarca de Esposende entre 1998 e 2013) ou Narciso Mota em Pombal (dissidente do PSD e ex-autarca de Pombal entre 1993 e 2013).

Neste último grupo também podem ser incluídos os “dinossauros” Avelino Ferreira Torres (ex-CDS-PP) e Isaltino Morais (ex-PSD), cujas carreiras políticas foram toldadas por problemas com a justiça. O primeiro foi autarca de Marco de Canaveses durante 22 anos (1982-2005) e avança entretanto para Amarante. Enfrentou acusações por crimes de corrupção, peculato, extorsão e abuso de poder, mas acabou por ser absolvido em 2011, beneficiando de diversas prescrições. O segundo foi autarca de Oeiras durante 25 anos (1985-2002, 2005-2013) e candidata-se agora contra o seu antigo vice-presidente (e sucessor na presidência da CM), Paulo Vistas, outro independente. Cumpriu 14 meses de prisão efetiva, entre 2013 e 2014, condenado por crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Por outro lado, repete-se o fenómeno das candidaturas em municípios vizinhos. Depois de 16 anos (1997-2013) na presidência da CM da Amadora, mais quatro anos (2013-2017) na presidência da Assembleia Municipal da Amadora, Joaquim Raposo (PS) aponta à presidência da CM de Oeiras. Quanto a Fernando Costa (PSD), ex-autarca das Caldas da Rainha (1985-2013) e ex-vereador em Loures (2013-2017), disputa a presidência da CM de Leiria. Entre outros exemplos.

 A partilha do poder local
“Se os partidos não entenderem o que se passou aqui hoje, então não perceberam nada,” afirmou Rui Moreira, em 2013, na noite em que conquistou a presidência da CM do Porto. As vitórias de Moreira e outros candidatos independentes dispersos pelo país (com destaque para Paulo Vistas em Oeiras e Guilherme Pinto em Matosinhos) confirmaram o extinção do monopólio do poder local que beneficiava os partidos políticos. Ao todo, os movimentos independentes elegeram 13 presidentes de CM e 112 vereadores.

Em 2017 deverá assistir-se a uma mera estabilização dessa tendência. É provável que Moreira seja reeleito e que os velhos “dinossauros” tornados independentes venham a aumentar ligeiramente o número de presidências. Contudo, não se prevê nenhuma grande surpresa nos principais municípios. Apesar das recentes alterações legislativas que removem alguns obstáculos do caminho dos movimentos independentes: já podem alterar as listas de candidatos (sem ter que voltar a apresentá-las) e utilizar siglas e símbolos (deixando de ser identificadas por numeração romana nos boletins de voto).

Incumbentes em risco
Onde é que poderão surgir as mais relevantes viragens políticas? Desde logo em Oeiras, na medida em que as sondagens locais indicam uma vantagem substancial de Isaltino Morais (o desafiador) em relação a Paulo Vistas (o incumbente). Adivinha-se uma luta a dois, intensa, entre os ex-aliados. No município vizinho de Sintra, o atual presidente Basílio Horta, apoiado pelo PS, torna a defrontar Marco Almeida, ex-independente que desta vez concorre pelo PSD. Recorde-se que, em 2013, a diferença entre Horta e Almeida foi inferior a 2% dos votos. A mudança de estratégia do PSD poderá ser decisiva nas contas finais.

Em Coimbra, a reeleição de Manuel Machado (PS) será complicada, com a agravante de se tratar do presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). À direita, Jaime Ramos aparece como um candidato forte, tendo o apoio de PSD, CDS-PP, PPM e MPT. O mesmo se aplica a Leiria, onde Raul Castro (PS) deverá sentir dificuldades perante Fernando Costa (PSD). Enfim, no Funchal, o independente Paulo Cafôfo lidera uma coligação (PS, BE, MPT e PAN) que perdeu dois membros (PTP e PND) desde a surpreendente (e tangencial) vitória em 2013. O PSD tentará aproveitar essa cisão para recuperar o poder através de Rubina Leal, secretária regional da Inclusão e Assuntos Sociais.

Grandes e pequenos vencedores
Como é que se define o vencedor das eleições autárquicas? O partido que obtém mais presidências de câmaras municipais, o que recolhe mais votos ao nível nacional, o que conquista as autarquias mais importantes, o que acumula mais vereadores? Depende das circunstâncias. Tradicionalmente, na noite eleitoral, cada partido exalta as suas vitórias e relativiza as suas derrotas. Parece que não há vencidos, apenas grandes e pequenos vencedores. A profusão de candidaturas independentes e coligações variáveis acentuou esse fenómeno.

Em 2013, porém, verificou-se uma exceção: o PSD sofreu uma derrota pesada (baixou de 139 para 106 câmaras municipais, perdendo a presidência da ANMP que mantinha desde 2001), ao ponto de Pedro Passos Coelho ter admitido que se tratou de “um dos piores resultados” de sempre dos social-democratas; enquanto o PS foi o grande vencedor (subiu de 132 para 150 câmaras municipais), reforçando a liderança de António José Seguro. No ano seguinte, o PS também ganhou as eleições europeias, mas foi uma “vitória pequenina” (o pretexto utilizado por António Costa) e Seguro acabou por ser destronado pelo autarca de Lisboa. Já em 2015, Costa tornou-se primeiro-ministro, sucedendo a Passos Coelho.

Neste contexto, o que esperar das eleições autárquicas de 2017? O PS dispõe de uma vantagem confortável (mais 44 câmaras municipais do que o PSD) para gerir e só uma hecatombe generalizada poderá custar-lhe a presidência da ANMP. O PSD procura encurtar a distância e recuperar alguns municípios importantes. O PCP tem 34 bastiões para defender, com especial atenção em Loures, Setúbal e Almada. O CDS-PP aposta num bom resultado da líder Assunção Cristas em Lisboa, volta a apoiar o independente Rui Moreira no Porto (desta vez acompanhado pelo PS), estabelece cerca de 100 alianças com o PSD (que em 2013 resultaram em 19 vitórias) e tenta preservar as suas cinco presidências. O BE mantém-se alinhado com Paulo Cafôfo no Funchal e foca-se no aumento do número de vereadores eleitos.

 A solidão do líder acossado
“Eu nunca me demitiria de presidente do PSD por causa de um resultado autárquico,” garantiu Passos Coelho, no dia 6 de abril de 2017, cerca de duas semanas após o anúncio da candidatura de Teresa Leal Coelho (PSD) à CM de Lisboa. O facto de ter sido questionado sobre a eventual demissão, por si só, já é demonstrativo da vulnerabilidade do líder do PSD. Mas a habitual diversidade das leituras políticas de eleições autárquicas tenderá a salvaguardar a sua posição.

Aliás, as expectativas iniciais são tão baixas que o PSD até poderá tirar proveito de um resultado geral menos negativo do que muitos vaticinam. Ou seja, contrabalançando as derrotas mais notórias em Lisboa e Porto com importantes vitórias em Sintra, Coimbra, Leiria ou Funchal, onde parece ter boas condições para suplantar os incumbentes do PS. O grande problema de Passos Coelho, porém, reside na capital. Não tanto pela provável recondução de Fernando Medina (PS) na presidência da autarquia. Mas sobretudo pela possibilidade de Leal Coelho ser ultrapassada por Assunção Cristas (CDS-PP) na contagem dos votos. Esse resultado humilhante para o PSD poderá abrir a corrida à sucessão de Passos Coelho na liderança, mesmo que não se demita.

Não seria inédita, a queda de um líder partidário (e até primeiro-ministro) na sequência de um mau resultado em eleições autárquicas. Em dezembro de 2001, António Guterres criou esse precedente, ao demitir-se dos cargos de primeiro-ministro e secretário-geral do PS para evitar que o país caísse “num pântano político.” E anteriormente, em janeiro de 1989, a substituição de Vítor Constâncio por Jorge Sampaio na liderança do PS deveu-se, em grande medida, ao processo de escolha do candidato socialista a Lisboa nas eleições autárquicas desse ano. O cenário hodierno de Passos Coelho assemelha-se mais ao de Constâncio. Também ele não conseguiu encontrar um candidato de primeira linha na capital e recusou assumir essa missão.

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