Em entrevista ao Jornal Económico, o CEO da ERA Portugal, Rui Torgal, mostra-se confiante na recuperação do negócio imobiliário. E não é preciso esperar muito. O resto deste ano vai ser de melhoria, e a partir de 2024 as vendas e resultados serão comparáveis com os melhores anos desde 2000. Conhecido na empresa como sendo um “otimista sem cura”, Rui Torgal diz que se limita a observar as tendências: a incerteza que as pessoas sentiram face ao aumento das taxas de juro e da inflação já foi absorvida, o ajuste já foi feito e a sensação coletiva é a de que o pior já passou.
Como é que foram os resultados do primeiro trimestre?
No segundo trimestre deste ano tivemos, relativamente ao primeiro trimestre, uma subida de cerca de 9%. Portanto, são as boas notícias relativamente à recuperação da faturação, no que diz respeito à nossa empresa e, penso, também ao setor. Já comparando o semestre com o semestre homólogo, temos um decréscimo de cerca de 12%. E comparado com o imediatamente anterior, ou seja, com o último semestre de 2022, o decréscimo foi de 6%. Portanto, são os números mais presentes.
Significa que, de alguma forma, a redução do número de negócios e da faturação na empresa está, de alguma forma, a diminuir. Ou seja, estamos a aumentar. Temos um impacto grande, logo ali no primeiro e no segundo trimestre do ano de 2022, e continuamos a sentir no primeiro trimestre de 2023. Mas claramente, os meses de Abril e Maio já foram meses de franca recuperação. Portanto, comparando o segundo trimestre de 2023 com o primeiro trimestre, também temos um crescimento já de 6%, o que nos deixa bastante satisfeitos.
A que é que vocês atribuem este esta melhoria de resultados? Operacionalmente mudaram alguma coisa?
Posso dividir em duas partes? Desde logo tem a ver com questões exógenas. Não tem a ver com a nossa empresa, tem a ver com o sentimento dos consumidores, das pessoas que compram casa. Daquilo que é a nossa experiência, aquilo que as pessoas gerem pior é a incerteza. Mais do que taxas de juro altas, mais do que condições adversas, aquilo que as pessoas gerem muitíssimo mal é a incerteza, não perceberem exactamente se as taxas vão continuar a subir muito mais, qual é que é o enquadramento em termos de macroeconomia da inflação, enfim, um conjunto de fatores. As pessoas lidam muitíssimo mal com a incerteza.
A verdade é que, a partir do segundo trimestre, de alguma forma, as notícias que foram saindo – não sendo ainda notícias positivas como um todo – deram alguns indicadores positivos, nomeadamente a quebra da inflação, o facto de a taxa de emprego estar em níveis elevadíssimos. Apesar de as taxas de juro continuarem a aumentar, existe pelo menos uma previsão de que existirá um abrandamento da subida e, provavelmente já depois das férias, teremos a última subida. Portanto, as pessoas adaptam-se, ajustam-se e sabem, mediante aquilo que ganham, qual é o valor que podem alocar à compra de uma casa. Portanto isto tudo ajudou.
E internamente?
Em termos endógenos, àquilo que a nossa empresa diz respeito, claramente as pessoas que colaboram connosco tiveram que se adaptar às circunstâncias. É aquilo que verificamos, no que diz respeito à quantidade de imóveis angariados por nós, à quantidade de imóveis angariados a um preço inferior… Não é que consigamos verificar que os preços estão a diminuir, mas a verdade é que conseguimos angariar e conseguimos trazer para dentro de portas produtos mais baratos, produtos nas periferias, produtos que vão mais de encontro àquilo que são as actuais possibilidades dos nossos clientes. Portanto, acho que se podem dividir nestes dois fatores o factores de crescimento que sentimos neste segundo semestre.
Mas as pessoas não anteciparam as decisões de venda precisamente a pensar nesta incerteza que aconteceu mais no início do ano?
Aquilo que os nossos clientes nos dizem, a sensação que, que de alguma forma, nos chega é que as pessoas começaram a gerir muito melhor estas más notícias. Não quer dizer que sintam que são boas notícias, mas a gestão destas más notícias está a ser mais fácil. Ok, agora se me pergunta se continuamos a ter questões de mais dificuldade de aprovação de créditos, sim. Exige da nossa parte um trabalho de muito maior proximidade com os nossos clientes, fazendo uma avaliação financeira cada vez mais ajustada para percebermos exactamente qual é o valor até ao qual as pessoas podem chegar.
O pacote mais habitação passou por vocês sem impacto ou conseguiram medir alguma coisa disso?
Nós não sentimos efetivamente grande impacto. No dia 19 teremos uma assinatura com a Estamo, uma colaboração mais próxima no que diz respeito à parte de arrendamento do programa Mais Habitação, mas efetivamente não se sente um grande impacto. Nem um grande entusiasmo relativamente àquilo que foram as medidas do pacote. Eu acho que seria interessante as medidas que possam ser feitas ou aplicadas no início da cadeia. Todas essas são sempre mais bem vindas. O problema da habitação é claramente um problema de oferta. No momento em que a oferta e a procura estiverem mais equilibradas – e isso parece uma conversa de papagaio, porque estamos sempre a falar na oferta e na procura – essas são as regras.
Se nós actuamos no início da cadeia de produção, e neste caso a produção deste setor significa maior facilidade na atribuição de licenças de construção, maior incentivo a promotores, a construtores para poderem construir e para colocarem casas mais baratas no mercado. E tudo com menos taxas e taxinhas que depois são refletidas no valor final. Acho que essas medidas seriam medidas efetivamente estruturantes se fossem aplicadas de alguma forma no início da cadeia, trazendo para o mercado muito mais produto, muito mais oferta, o que, na nossa opinião, equilibraria claramente muito mais o preço.
Mas não é nada disto que está a ser feito, na opinião da maior parte dos players do sector.
Se estamos só a trazer para cima da mesa medidas que atuam no final, teremos resultados que serão sempre muito pouco consistentes. As pessoas já não acreditam em nada que seja muito superficial. Querem ver efetivamente medidas que alterem o status quo atual.
Aquilo que nós sentimos é que o Mais Habitação trouxe foi alguma confusão. Inicialmente tudo o que é confuso, tudo aquilo que não é claro, tudo aquilo que traz dúvida ou receio, acaba por dificultar. Todos os grupos com grande investimentos atualmente em Portugal, posso garantir que ficaram totalmente de pé atrás. E tive algumas pessoas que me perguntaram ‘espere lá, mas brevemente o Estado pode vir a obrigar-nos a colocar casas no mercado?’. Isto é claramente desincentivar o nosso investimento. Tudo o que é confusão e dúvida não ajuda o mercado.
O que podemos esperar deste segundo semestre do ano?
As pessoas que trabalham comigo dizem que eu sou um otimista sem cura, mas a verdade é que aquilo que eu espero é uma melhoria daquilo que são os resultados. E isso decorre do que referi no início: o fim da incerteza, uma aparente estabilização da subida das taxas de juro, e de valores da inflação que estão neste momento a regredir, resultados da nossa economia que são bastante animadores. A conjugação destes factores leva-nos a crer que teremos um segundo semestre de recuperação. E claramente aquilo que é a minha expectativa é que no ano de 2024 possa a ser um ano em que voltamos a níveis de resultados e de vendas muito idênticas aos melhores anos desde 2000. Pelo menos desde o subprime.
Nesta área, como noutras áreas da economia, funcionamos com ciclos. Passamos um ciclo menos positivo e a seguir a estes surgem, claramente, ciclos muitíssimo positivos. E percebemos que neste sector, em particular, depois de um decréscimo pelo qual passamos no último ano, virá com certeza uma subida do número de transações e o ano de 2024 será, claramente, um ano de recuperação. Não tenho qualquer dúvida sobre isso.
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