A Rússia já terá entrado na fase de ‘imprimir dinheiro’ para financiar o esforço de guerra – ou seja, já colocou no ativo o financiamento direto do governo pelo banco central, utilizando dinheiro recém-criado para comprar títulos do Tesouro. A medida, que se aplica um pouco por todo o lado quando há uma crise que não se ultrapassa pelo crescimento da economia, tem graves consequências no capítulo da inflação e, a prazo, baralha os pressupostos de uma economia saudável. No caso da Rússia, isso quer dizer que o dinheiro das exportações de petróleo e gás natural já não chegam para pagar a guerra movida contra a Ucrânia.
Pior ainda, este esforço de guerra não tem como não chegar aos bolsos dos russos – e quando isso suceder, pode bem, acontecer que a guerra deixe de ser tão bem aceite pela população – que já está sobrecarregada pela evidência cada vez mais gritante do número de mortos, principalmente entre a juventude.
Um artigo do jornal espanhol “El Economista” refere que a Rússia atingiu esse ponto esta semana, sobrecarregada pelos enormes gastos militares da invasão da Ucrânia, pela estagnação dos preços do petróleo e pelo endurecimento das sanções ocidentais. A economia do país, que se sustentou milagrosamente durante quase três anos, apesar das sanções ocidentais, parece já ter ultrapassado o ponto de não retorno.
O sinal de alerta ocorreu esta semana com uma dupla combinação de operações. Na passada quarta-feira, o Tesouro colocou à venda títulos no valor de mil milhões de rublos, que os bancos compraram apesar de quase não terem liquidez. E esta segunda-feira, o Banco Central da Rússia (BCR) ofereceu aquilo que é conhecido como ‘repo’: recompras de ativos aos bancos em troca de lhes dar liquidez, um mecanismo comum nos bancos centrais; mas o problema é que os bancos russos entregaram ao BCR (o banco central russo) os mesmos títulos que tinham acabado de comprar em troca de o BCR devolver os rublos que tinham pago por eles. Por outras palavras: se retirarmos o intermediário (os bancos) do quadro, o resultado é que o BCR comprou títulos do Tesouro para financiar o Governo. É precisamente a primeira regra sagrada de qualquer banco central evitar uma inflação desencadeada que destrói qualquer economia, refere a análise do jornal.
Tudo isto ocorre depois de o BCR ter sido forçado a proibir a compra de moeda estrangeira para controlar o colapso do valor do rublo, especialmente depois de os Estados Unidos terem sancionado o Gazprombank, a entidade através da qual eram canalizados os pagamentos das compras internacionais de gás. Este banco foi deixado de fora da lista de sanções originalmente aprovadas pelos EUA e pela União Europeia contra o sistema financeiro russo, para evitar que a Europa ficasse sem oferta, mas no mês passado os países ocidentais decidiram que esse risco já tinha desaparecido.
Mas o facto de a entrada de divisas ocidentais ter esgotado obrigou o BCR a reduzir ao mínimo as operações cambiais face ao crescente colapso do rublo, que já ultrapassou as 100 unidades por dólar. E a estagnação do preço do petróleo abaixo dos 70 dólares por barril desde setembro – uma estratégia que a OPEP já colocou no terreno antes (nomeadamente em 1989, dando a machadada final na União Soviética) fez cair as receitas das vendas deste material em 30% desde junho, segundo cálculos da Bloomberg.
Contas feitas, as possíveis, indicam que a Rússia assumiu uma despesa de10 mil milhões de euros apenas no recrutamento de soldados. A que terá que se somar tudo o resto – material, tecnologia, logística. E ainda o facto de mais de 700 mil russos terem morrido ou terem ficado gravemente ferimentos e incapacitados nos quase três anos de invasão. As pessoas que regressam com ferimentos de guerra representam uma despesa dupla, pois recebem uma pensão adicional do Estado. O governo de Vladimir Putin teve de reduzir estas pensões em novembro para um máximo de três milhões de rublos (30 mil euros), uma vez que as vítimas russas da sua própria guerra ultrapassaram os 40 mil soldados em outubro.
O resultado é que o desemprego desceu para 2,4%: praticamente todas as pessoas que já não têm emprego fugiram do país ou entraram ao exército, ou regressaram da Ucrânia incapacitadas, ou foram aí sepultadas. A falta de mão-de-obra obrigou as empresas a aumentar os salários e a oferecer bónus para tentar atrair trabalhadores dos seus rivais, impulsionando a inflação, refere ainda o “El Economista”. O governo reconhece uma inflação média anual de 9%, mas a alimentar já ultrapassa os 22%. E o BCR aumentou as taxas de juro para 21% para tentar conter a escalada dos preços, uma solução que aumenta ainda mais os custos da crescente dívida do Governo.
Qualquer semelhança com o que o país passou na II Guerra está longe de ser pura coincidência.
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