Qual é a posição da Ryanair quanto aos Açores, é mesmo para sair?
No pós-Covid, a Ryanair foi a companhia aérea com a melhor recuperação na Europa. Somos uma companhia aérea privada. Nunca recebemos ajudas de Estado, de ninguém. Perdemos quantias substanciais de dinheiro durante a Covid, mas mantivemos todo o nosso pessoal empregado e fomos os primeiros a voltar a ter operações a 100% no ano passado. Continuamos a crescer e continuamos a crescer em Portugal. Este ano aumentámos o número de aviões em Faro e no Porto. Obviamente, não podemos crescer em Lisboa porque ainda estão a decidir sobre a capacidade aeroportuária, numa discussão que já dura há 20 anos. Mas temos um problema específico nas regiões conhecidas como ultraperiféricas, que incluem os Açores, a Madeira, as Ilhas Canárias, bem como outros lugares. E esses locais tinham um incentivo para a conectividade, termos de impostos ETS (taxas relativas às emissões de carbono). Esse benefício agora foi retirado, a pedido dos políticos do norte da Europa, alemães e holandeses, que – surpresa, surpresa – não têm nenhuma região ultraperiférica. Portanto, não têm interesse nisso. E isso está a aumentar os custos nos Açores e na Madeira. As taxas cobradas pela ANA subiram substancialmente, em 11%, e há uma taxa de segurança que aumentou.
Certo. E?
Nós somos dos que investem em conectividade, nós somos os maiores que o fazem nos Açores. Por isso estamos a dizer ao governo: vocês estão a deixar estes custos subirem quando outras regiões da Europa estão a tentar atrair tráfego. Atualmente, já não estamos a vender para a época de Inverno e a menos que o governo – e não conseguimos obter uma resposta de ninguém – resolva esses três problemas, bem… Então não vamos voar para Ponta Delgada.
A partir de que data?
A temporada de inverno começa no início de novembro.
A partir de novembro, a Ryanair deixará de voar a menos que a situação seja resolvida, é isso?
Sim, mas não é apenas para a Ryanair, a propósito. Não procuramos isto apenas para a Ryanair. Isto aplicar-se-ia a todos os que voam para os Açores e para a Madeira.
Quais são as probabilidades de que se chegue a um acordo até o final do verão?
Isso é um assunto da total responsabilidade do governo português. Nos últimos anos investimos substancialmente e tenho certeza de que as pessoas que vivem nos Açores investiram substancialmente quando trouxemos voos diretos, com aeronaves maiores vindas de Londres e de Nuremberg. E essas pessoas não teriam uma expectativa irracional de que essa conectividade iria continuar. Mas quando tens o governo que permite subir impostos numa altura em que outras regiões da Europa baixam impostos para atrair tráfego e facilitar a conectividade, o governo português está a permitir uma situação em que as regiões ultraperiféricas estão a perder a competitividade e deviam fazer alguma coisa. Caso contrário, vão acabar sem conectividade ou voltar aos maus velhos tempos dos ‘voos esqueletos’ para Lisboa e Porto.
Mas não é um fim das operações por completo, certo?
Haverá alguns serviços no verão, porque é mais lucrativo ir no verão, mas não no inverno. No inverno, os preços dos bilhetes caem substancialmente. Mas os custos estão a aumentar.
Ok. Deixe-me dar um passo atrás. A Ryanair voa para as Ilhas Canárias, certo?
Sim.
E vocês não têm o mesmo problema por lá?
Não, porque consigo cobrar bilhetes mais caros no Inverno. Os custos também estão a subir lá. Mas os bilhetes para lá são mais caros durante o inverno do que para os Açores, por razões óbvias. E há outras coisas: os espanhóis não aumentaram os custos do aeroporto em 11% e não aumentaram as taxas de segurança. E estão mais bem estabelecidos como um destino de sol para o inverno, enquanto os Açores estão num mercado diferente. É mais nicho.
Mas as taxas pelas emissões de carbono também se aplicam lá…
Sim, tem razão. As Ilhas Canárias são agora mais caras para nós, por causa do ETS nas regiões ultraperiféricas. Mas não tanto que esteja disposto a cancelar os voos para lá no inverno. É um racional comercial, puramente comercial. Você não consegue bilhetes mais caros no inverno nos Açores. As taxas são mais altas e e estão a crescer substancialmente mais do que em Espanha. Na verdade, a Espanha não vai aumentar as tarifas [aeroportuárias] até 2027.
Se a Ryanair mantiver a sua posição, qual seria a melhor maneira de o governo regional resolver o assunto?
Acho que o governo regional, e mais ainda o governo central, precisam de apoiar as regiões. E o Jornal Económico, como publicação económica, entenderá que uma das únicas razões pelas quais a Ryanair voa tanto para lugares como os Açores enquanto outros não, é porque só podemos fazer isso com tarifas muito mais baixas. E só pode fazer isso se seus custos unitários forem mais baixos. E é nisso que somos bons, certo? E fizemos isso a longo prazo. É muito marginal para nós no Inverno e em muitos lugares perdemos dinheiro durante o inverno. Mas se você está a entrar num período de Inverno em que os custos do aeroporto estão a subir 11%, as suas taxas de segurança estão a subir numa quantia semelhante e o ETS [esquema comunitário que permitia às companhias não pagar tantas taxas por causa das emissões de CO2 nas regiões ultraperiféricas, como a Madeira e os Açores] já aí está, e não estava. Na verdade, estão a pôr os pregos no caixão da conectividade para lá. E então há três coisas a chegar ao mesmo tempo, e [o Governo] precisa de os anular.
Como?
É muito fácil de reverter isso.
Estamos a falar em termos gerais. O Governo Regional disse recentemente que estão a iniciar negociações com a Ryanair para resolver a situação. O que estão a pôr em cima da mesa para resolver a situação?
Bem, eles não fizeram nada! Não fizeram nada! Quero dizer, temos pedido [uma revisão] da taxa de segurança. O regulador disse ao governo para retirar a taxa de segurança, isso foi há dois meses e eles não fizeram nada a esse respeito. Portanto, eles permitiram que fosse cobrada a taxa de segurança. Eles permitiram à ANA que aumentasse as taxas aeroportuárias em 11% e nada fizeram para impedir o fim da isenção do ETS [taxas sobre as emissões] para as regiões ultraperiféricas. Todas essas são decisões governamentais. Nós somos uma organização comercial e temos que tomar decisões racionais. Temos voado para os Açores desde há muitos, muitos anos. Então, por que razão é que agora isto é um problema óbvio? Ele entrou na ordem do dia por causa desses três aumentos de custo a ocorrer ao mesmo tempo. Não é uma questão de negociarmos com eles. É aritmética muito simples: não aumentem os custos e retirem os aumentos. E então, sim, há possibilidades de que a nossa companhia aérea continue a voar para lá.
Mas vamos concretizar: o que teria de descer por passageiro, por cada assento disponibilizado pela Ryanair?
São custos cobrados por passageiro.
Quanto é que teria que descer para começar a fazer sentido para a Ryanair?
Pois bem, primeiro reverter o aumento de 11% das taxas aeroportuárias, livrar-se da taxa de segurança – que o regulador já indicou ao governo para fazer – e o governo tem de arranjar algum tipo de incentivo que compense o fim do atual sistema ETS para as regiões ultraperiféricas.
O que pretendo é saber quanto é que esse incentivo tem de ser.
Eles sabem tudo isso.
Mas eu não sei. E gostaria de poder informar os meus leitores sobre quanto custaria.
Em termos gerais, o ETS representa cerca de 10 euros por passageiro, o aumento das taxas aeroportuárias este ano representa cerca de 1,30 euros por passageiro e a taxa de segurança aumentou 1,74 euros para um passageiro.
Em termos gerais, isso dá 13 euros por passageiro.
É isso, sim. Cerca de 13 euros por passageiro. Isso colocaria a situação no ponto em que estava antes dos aumentos.
E com os 13 euros por passageiro, faria sentido à Ryanair continuar a voar para os Açores no Inverno?
Sim, absolutamente. Repare no que fizemos este ano, em que temos muitos aviões a chegar. Recebemos mais 51 aviões este ano e pusemos dois adicionais em Faro e dois no Porto, onde os aumentos das taxas aeroportuárias foram menores. Foram substancialmente menores.
Quantos passageiros é que a Ryanair transportou de e para os Açores no último inverno?
Um pouco mais de 300 mil passageiros, 150 mil chegadas e 150 mil partidas.
Portanto o governo teria de compensar a Ryanair com 13 euros por cada um destes 300.000 mil passageiros no Inverno e isso depois continuaria no verão.
Nós não estamos a pedir esse dinheiro. É aqui que as pessoas se confundem: não estamos à procura de um subsídio. Estamos a pedir que as taxas não sejam aumentadas. E isso será extensível a todas as companhias aéreas, não só para a Ryanair. É só o que estamos a dizer.
Para a Ryanair não é um subsídio, mas é um incentivo para manter a mesma situação que tinha anteriormente. Mas do ponto de vista dos nossos leitores, dos contribuintes, sobretudo nos Açores, é algo que vai pesar sobre eles.
Em nome da justiça para com todos os contribuintes e não contribuintes portugueses, todos os homens, mulheres e crianças pagaram 350 euros para resgatar a TAP, que agora é mais pequena do que quando começou. E vai ser vendida aos espanhóis por cerca de um euro daqui a uns cinco anos.
Todos estamos cientes disso, mas agora não estamos a falar da TAP. E sim da situação da Ryanair nos Açores.
A questão mais ampla que se põe aqui é que voamos para 240 aeroportos em toda a Europa. E Portugal é uma pequena, mas importante, parte desse puzzle. É um ótimo destino interno para o turismo. Abrimos a base da Madeira no ano passado e já lá estive umas três vezes. Nunca estive nos Açores, mas na Madeira, quando olho para ela, é um local fantástico para viajar durante todo o ano. A companhia aérea nacional portuguesa nunca investiu nisso. Metemos 200 milhões de dólares em aeronaves lá. Ninguém mais baseou aeronaves lá. Pusemos lá o centro de formação. E tudo o que pedimos, como em qualquer negócio e como a maioria dos seus leitores deseja, é estabilidade de custos, para que você possa planear. Porque tenho que lidar com o custo flutuante do petróleo. A maioria dos nossos custos no sector são relativamente fixos, são os mesmos em toda a Europa. Portanto, o preço por aeronave para nós não importa onde a colocamos na Europa, porque é basicamente o mesmo.
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