Portugal viu os salários em termos reais crescerem acima da média da zona euro desde antes da pandemia, colocando-se acima de economias próximas como a grega ou a espanhola, mesmo contando com a inflação. A ajudar a prestação nacional está um baixo ponto de partida, uma inflação inferior à média e as subidas do salário mínimo – embora este último fenómeno também esteja a contribuir para uma aproximação ao salário médio.
O relatório da OCDE sobre o mercado laboral dedica um capítulo à questão dos salários reais, dado o episódio inflacionista recente que levou a uma redução assinalável do rendimento disponível das famílias num primeiro momento. Desde então, os salários nominais têm crescido em quase todo os países do bloco, ajudando também a uma recuperação da remuneração real, mas com desfasamentos claros entre países.
Os dados mais recentes, relativos ao primeiro trimestre deste ano, mostram que apenas quatro dos 37 países que compõem a OCDE não registaram subidas homólogas do salário real, mais concretamente Bélgica, Islândia, Israel e o Japão, com perdas ligeiras menores do que 1%. Ainda assim, comparando com o primeiro trimestre de 2021 (ou seja, antes da chegada da Covid-19 à Europa e dos consequentes confinamentos), metade dos 37 países registam uma redução dos salários reais.
Os dados compilados pelo JE com base nos números da OCDE e Eurostat revelam uma tendência semelhante. Comparando a inflação desde 2020 com a evolução salarial no mesmo intervalo, constata-se que oito países europeus viram os salários reais caírem, com a Suécia a registar a menor diminuição, de 1,8%, e a Chéquia a liderar as perdas com 12,3%. Incluem-se também aqui as quatro maiores economias da zona euro (Alemanha, França, Espanha e Itália), além da Dinamarca, ao passo que a Bélgica viu uma subida de apenas 0,2%.
Juntam-se a este grupo outras economias não europeias como a norte-americana, britânica, canadiana, neozelandesa, japonesa ou australiana, segundo indica o relatório da OCDE publicado no início deste mês. Na média, os salários reais na zona euro caíram 1,8% desde 2020.
Para Portugal, o indicador subiu 5,1%, o que coloca a economia nacional acima da neerlandesa (1,8%), grega (1,9%) ou luxemburguesa (2,4%). Ainda assim, este valor fica longe da realidade lituana, onde os salários reais cresceram 28,9% – uma evolução ainda mais assinalável tendo em conta que a inflação desde 2020 foi de 36,3%, bem acima dos 17,9% registados em Portugal.
Inflação e salário
mínimo ajudam
A inflação portuguesa contida neste período foi um dos fatores que ajudou a este resultado, ficando abaixo da média europeia, mas há outros que explicam esta evolução. João Cerejeira, economista e professor universitário, começa por destacar a base baixa a partir da qual partiram os salários nacionais, sobretudo em comparação com os países da zona euro.
“Tivemos uma crise de 2011 a 2014 que foi bastante mais pronunciada do que em outros países da Europa, mesmo comparado com a Espanha. Portanto, também houve um crescimento elevado do desemprego e uma compressão muito grande dos salários”, recorda. Nesta altura, “o peso dos salários no PIB também atingiu valores mínimos nas últimas décadas”, outro sinal da perda de rendimento dos trabalhadores nacionais.
Como tal, parte desta evolução deve-se à “opção política” de subir salários acima da inflação, mas também aos baixos salários que se praticavam em Portugal no arranque do período analisado e às subidas consecutivas do salário mínimo, dado o peso que esta remuneração continua a ter na economia nacional, de cerca de 21% do emprego.
Há, contudo, dois riscos a monitorizar. Por um lado, João Cerejeira lembra que a compressão dos salários, em que a remuneração mínima se aproxima da média, cria incentivo para a entrada de trabalhadores menos qualificados e a saída dos com mais capacidades. Por outro, o facto de estas subidas não serem acompanhadas pela produtividade pode “causar desequilíbrios a médio e longo prazo”.Lembrando a “vontade por parte do Governo de fazer um conjunto de reformas para aumentar o potencial da economia e a produtividade”, Pedro Braz Teixeira, coordenador do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, vê nesta evolução salarial outro motivo para avançar com estas medidas.
“No médio prazo, um aumento salarial significativo, se acompanhado de um aumento da produtividade, não é problemático. Isto torna é mais urgente as reformas estruturais para aumentar a produtividade, para que estes aumentos possam ser sustentáveis”, remata.
Olhando para a dinâmica do PIB per capita, cujo crescimento tem perdido fôlego à medida que as populações envelhecem, a OCDE recomenda que estes países façam esforços no sentido de assegurar uma maior participação dos grupos demográficos tipicamente com menor taxa de emprego: migrantes, mulheres e pessoas saudáveis acima dos 65 anos.
O relatório do grupo sediado em Paris sobre mercado laboral aponta para uma redução de 8% no emprego até 2060, fruto do envelhecimento da população e menor fertilidade – uma perda que pode chegar a 30% em mais de um quarto destes países. Portugal fica fora deste lote das economias mais prejudicadas, mas com uma redução acima de 20%.
Sendo um dos países onde o índice de dependência (o rácio entre pensionistas e trabalhadores ativos) é mais elevado na OCDE, com apenas Japão e Finlândia à frente, Portugal verá este indicador disparar até 2060, dos 38% registados em 2023 para mais de 60% em 2060. Em termos de emprego, e apesar de não registar das maiores quedas no bloco, a economia nacional verá uma redução no crescimento da taxa de emprego até 2060 na casa dos 3 pontos percentuais.
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