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Salários, literacia e trauma. O trio que afasta os portugueses da poupança e investimento

No Dia Mundial da Poupança, intervenientes do mercado de capitais explicam ao Jornal Económico as razões que levam os portugueses a poupar pouco e a investir ainda menos.
  • Dado Ruvic/Reuters
31 Outubro 2018, 09h30

O mercado de capitais tem perdido força nos últimos anos, com várias empresas a saírem de bolsa e as empresas a recorrerem cada vez menos à emissão de dívida. Há várias razões apontadas para esta questão, incluindo a baixa taxa de poupança dos portugueses causada pelos níveis salariais, fraca literacia financeira e traumas do passado, segundo explicaram os intervenientes do mercado ao Jornal Económico, no Dia Mundial da Poupança.

“A taxa de poupança das famílias em Portugal é relativamente reduzida, quer quando comparada com outros países, quer numa perspectiva histórica”, afirmou Isabel Ucha, membro do conselho de administração da Euronext Lisbon, que gere a bolsa de Lisboa.

A taxa de poupança das famílias portuguesas face ao rendimento disponível ficou em 5,1%, no ano passado e subiu para 7,5%, no segundo trimestre de 2018. A média dos últimos três anos foi 5,3%. O valor fica longe da média de 12% da zona euro e de 10% da União Europeia (de onde se destacam os 18% da Alemanha e os 15% da Suécia) e ainda mais dos 30% registados em Portugal durante dos anos 1970.

Nuno Santos, administrador executivo da gestora de fundos especializada em reforma Optimize Investment Partners, explica que a reduzida taxa de poupança se deve “sobretudo ao nível salarial, mas também à falta de literacia financeira, continuando a haver neste domínio muito por fazer em Portugal”.

Poupança estrangeira domina mercado de capitais português

Sendo a literacia financeira em Portugal reduzida e não havendo capacidade de poupança, nem incentivos para o fazer, seja via taxa de juro ou via fiscalidade dos produtos financeiros, Nuno Santos considera que é natural que os portugueses – que são aforradores conservadores por natureza – evitem investir no mercado de capitais.

Sublinha que as más experiências no passado com o investimento direto em ações portuguesas também contribuiu fortemente para essa aversão ao risco. O mais recente inquérito sobre o perfil do investidor português realizado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), e apresentado no início de outubro, indica que 84% detinha ações.

No entanto, as ações representam uma pequena parte do investimento: em 15% dos casos, as ações representam menos de 10% do património e em apenas 19% representam mais de 50%. Quanto ao perfil de risco, 36% dos investidores dizem ser avessos ao risco, 28% neutros e 38% propensos ao risco.

Antes de tomarem uma decisão, os investidores consideram “extremamente importante” o entendimento das caraterísticas dos investimentos (98%), o risco de perda do capital (85%) e conhecer as comissões praticadas sobre os investimentos (89%). “Se a taxas de poupança das famílias portuguesas fosse mais elevada, poderíamos ter um impacto positivo no mercado de capitais”, reconhece Isabel Ucha.

A administradora da Euronext Lisbon explica que Portugal tem, no entanto, conseguido captar a poupança de outros países para as suas empresas, incluindo cotadas. Atualmente, cerca de 85% da negociação em ações de empresas portuguesas em bolsa tem origem em investidores estrangeiros. “E quando tem havido entrada de novas empresas portuguesas em Bolsa, através de IPO, também temos verificado uma procura intensa de investidores de outras geografias”, sublinha.

Portugueses reforçam procura por produtos do Tesouro

“A poupança, sobretudo a que se destina ao médio e longo prazo, deve ser aplicada numa carteira diversificada, que inclua instrumentos de capital e dívida cotados em mercado. São estes instrumentos que poderão otimizar os níveis de rendimento e de liquidez, face ao horizonte de investimento e às preferências dos aforradores”, defende Ucha.

Por outro lado, Nuno Santos, da Optimize, lembra que se as ações estão num extremo do risco e os depósitos a prazo no oposto, existe uma série de outras formas de aplicação de poupança no meio. Em alguns casos com níveis de rentabilidade/risco intermédios, como é o caso dos seguros de capitalização, os fundos de tesouraria, os fundos de obrigações, os fundos flexíveis, os fundos PPR e os fundos de ações.

“Ao investirem através de fundos de investimento, os aforradores conseguem com montantes pequenos aceder indiretamente ao mercado de capitais de forma diversificada, gerida por profissionais e com menores custos”, afirmou.

Na aplicação das poupanças, o último Relatório de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal (de junho de 2018) destacou as aplicações líquidas em dívida pública portuguesa, principalmente em certificados do Tesouro e obrigações do Tesouro de rendimento variável, que totalizaram 3,9% do rendimento disponível em 2017.

Adicionalmente, aplicações líquidas em fundos de investimento estrangeiros e, em menor grau, em fundos de investimento residentes e fundos de pensões também aumentaram, tendo as transações líquidas ascendido a 1,0%, 0,6% e 0,3% do rendimento disponível, respetivamente.

Por outro lado, as taxas de juro dos depósitos bancários em níveis historicamente baixos levaram a uma redução significativa das novas aplicações líquidas neste instrumento financeiro que representaram apenas 0,4% do rendimento disponível. O padrão traduziu-se numa maior preferência por aplicações de maior rendibilidade relativa, no espetro de ativos financeiros com risco limitado, num contexto em que o elevado nível de confiança dos consumidores se terá traduzido numa menor aversão ao risco, de acordo com as conclusões do BdP.

Educação financeira e incentivos fiscais são as chaves

Face a este cenário, tanto Ucha como Santos concordam que os incentivos à poupança, nomeadamente a nível fiscal, bem como um reforço da aposta em educação e literacia seriam fatores preponderantes para aumentar a taxa de poupança e o investimento das famílias portuguesas. A questão é especialmente preponderante caso o modelo atual de financiamento do sistema de pensões e apoios sociais não seja sustentável a longo prazo.

“Nos países onde os regimes de pensões são de financiamento essencialmente privado e em regime de capitalização, a pool de poupança é muito mais elevada e os mercados de capitais são bastante mais dinâmicos. No entanto, para promover a poupança nacional e atrai-la para que seja aplicada em Portugal, seria ainda importante ter regimes de incentivos adequados, designadamente de natureza fiscal”, defendeu Ucha.

A administradora da Euronext Lisbon explica que em países como França ou Reino Unido existem regimes de apoio fiscal ao investimento em instrumentos de capitalização das empresas através do mercado de capitais, que têm mostrado efeitos positivos.

“O atual nível de taxas de juro próximas de zero e os reduzidos incentivos fiscais também não estimulam os portugueses a poupar. Os Planos de Poupança Reforma e os Seguros de capitalização acabam por ser como um oásis num deserto sendo os seus rendimentos tributados apenas a 8% e 11,2% respetivamente, enquanto todas as outras formas de aplicação de poupança são taxadas a 28%”, afirmou ainda o administrador executivo da Optimize.

Em simultâneo, referem ainda que investir na pedagogia, começando nas escolas, poderia fazer a diferença. “Apesar dos vários estudos feitos sobre a situação da segurança social, em Portugal, sobretudo as gerações mais jovens ainda não estão sensibilizadas para a necessidade de poupar em geral e de poupar para a sua reforma em particular. Existe uma preocupação, mas apenas com o curto prazo”, acrescentou Nuno Santos.

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