O ordenado médio, já depois dos descontos de IRS e segurança social, subiu 8,7% no terceiro trimestre face ao mesmo período do ano passado, para 1.298 euros, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Porém, tendo em conta a inflação trimestral de 2,3%, o aumento real desse salário líquido foi de 6,4%. É o sétimo trimestre consecutivo com crescimentos homólogos acima de 5%, segundo os cálculos do JE.
Esta tendência teve início após um período em que os portugueses viram os aumentos salariais serem “engolidos” pela inflação, entre 2022 (quando começou a invasão da Ucrânia) e 2023. Apesar de nesses trimestres as remunerações líquidas terem conhecido, em média, subidas homólogas na casa dos 3% a 4%, não compensaram então a constante subida de preços, que atingiu um pico de 10% no final de 2022.
O resultado foi uma perda real dos salários em crescendo até o último trimestre desse ano (-6,9%), seguida de mais perdas em 2023, embora cada vez menores, culminando numa quase estagnação no terceiro trimestre (-0,3%).
A recuperação de rendimento começaria então entre outubro e dezembro de 2023, quando a inflação abrandou para a casa dos 2% e, em simultâneo, os aumentos salariais dispararam. Esse último trimestre seria ainda de transição, com um aumento do rendimento médio líquido trimestral de 5,3%, que resultou num acréscimo real de 2,9%. Foi depois que começou a escalada: os aumentos salariais, sem contar com os preços, foram acelerando a cada três meses: dos 7,9% no início de 2024 aos 12,4% no final desse ano. E em 2025, mesmo tendo havido um abrandamento face ao pico, as subidas superaram sempre 7%.
Com a inflação a estabilizar desde o início de 2024, este movimento resultou em aumentos reais dos salários líquidos a que Portugal não está habituado — entre 5,4% (no primeiro trimestre desse ano) e 9,6% (de outubro a dezembro), seguindo-se em 2025 mais três acréscimos superiores a 5%.
Para se perceber quão excecionais são estas subidas, os dados entre 2012 (início da série do INE) e 2023 são claros: os maiores aumentos dos salários reais tinham ocorrido na pandemia (2020 e 2021), em torno dos 4%, quando os preços estavam em ligeira queda.
O economista João Cerejeira sublinha, em declarações ao JE, que a evolução do último ano e meio “já mais do que compensa as quebras dos salários reais que se verificaram nesses dois anos” de inflação elevada. Em termos anuais, depois de a média das remunerações ter baixado 3,8% em 2022 e de ter havido uma estagnação (0,1%) em 2023, seguiu-se uma subida de 7,7% num só ano, a que 2025 está a dar continuidade.
À boleia do emprego, mas não só
Para João Cerejeira, estes aumentos têm várias explicações possíveis, desde logo o comportamento do mercado de trabalho. “O emprego em Portugal está a bater recordes, o desemprego também está em níveis históricos e, portanto, pressiona os salários”, afirma o economista. “É a lógica normal da procura e da oferta, que faz subir o preço do trabalho”.
O investigador da Universidade do Minho entende ainda que a adaptação das tabelas de retenção na fonte de IRS, este ano e no ano passado, está a dar uma ajuda, bem como o aumento do salário mínimo, cujo valor aumentou 7,8% em 2023, 7,9% em 2024 e 6,1% este ano, para 870 euros.
Além disso, o especialista em economia do trabalho sinaliza que o peso dos salários no PIB tem aumentado. E das duas uma: “pode haver maior capacidade reivindicativa dos trabalhadores”, uma vez que há mais vagas de trabalho disponíveis, ou “o emprego pode estar a crescer em setores pouco intensivos em capital”, o que “seria mais preocupante”.
Já o fiscalista Carlos Lobo também aponta para “as condições do mercado de trabalho e a evolução da economia”, num contexto de reação tardia “ao efeito inflacionário”, que precisa de ser compensado, até “pela comparação com outros países”. Em declarações ao JE, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirma, por outro lado, que as alterações no IRS “não são relevantes” e atribui um papel reduzido ao aumento do salário mínimo.
Pode a tendência continuar?
“Acho difícil manterem-se estes números”, responde João Cerejeira. “Os salários estão a crescer muito acima da inflação — e muito acima da inflação mais a produtividade indicada nas contas nacionais”. Para o economista, isto significa que “não é sustentável a médio prazo”, pelo que espera agora “algum ajuste”.
“Se tirarmos estes dois efeitos que deverão ser temporários — o alívio da retenção na fonte e alguma compensação da inflação que tivemos em 2022 e 2023 —, a tendência deverá ser de um abrandamento neste crescimento”, antevê João Cerejeira.
Carlos Lobo, por outro lado, considera que se está “a assistir a um movimento estrutural”, com “mais mobilidade e transparência no mercado de trabalho” e em que “os trabalhadores são cada vez mais especializados”. Perspetiva, por isso, que o país continue, “pelo menos durante algum tempo, a assistir a crescimentos maiores” de rendimento. “Não me parece que seja momentâneo”, entende o consultor, embora avise que “não se pode tomar isto como garantido”, porque é preciso “melhorar a produtividade”.
Discrepâncias salariais
Sem contar com a evolução dos preços, o rendimento médio líquido aumentou 42,3% desde o período pré-pandemia (terceiro trimestre de 2019) e 20% em apenas dois anos — de 1.082 euros no terceiro trimestre de 2023 para 1.298 euros nos três meses terminados agora em setembro.
No entanto, para quem ler estes números e, porventura, não encontrar qualquer correspondência em casos concretos, vale a pena sublinhar que a chamada dispersão salarial é elevada no país. Aquando do último boletim de outubro, economistas do Banco de Portugal revelaram que, “na primeira metade de 2025, um quarto dos trabalhadores teve aumentos homólogos inferiores a 2%, enquanto outro quarto registou variações iguais ou superiores a 11%”. Em metade dos casos, acrescenta o supervisor, houve aumentos salariais de pelo menos 6%.
Os dados atualizados este mês pelo INE permitem perceber melhor de onde surgem os maiores acréscimos. Numa comparação face ao terceiro trimestre de há dois anos, em que o rendimento médio líquido cresceu 20%, há dois grupos profissionais com uma evolução superior a este número, de acordo com os cálculos do JE: as “Profissões das Forças Armadas” (mais 50,5% em dois anos, para 1.990 euros, fruto de uma alteração de estratégia para atrair e manter militares), seguido dos “Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura, da pesca e da floresta” (mais 25%).
Depois, há ainda dois grupos em que os acréscimos ficaram em linha com a média total (19,9%) — os “Técnicos e profissões de nível intermédio” e os “Trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices”. A maior parte das profissões, no entanto, teve acréscimos um pouco inferiores, entre 16% e 19%: “Pessoal administrativo” (18,7%); “Especialistas das atividades intelectuais e científicas” (17,4%, apesar de ser o maior aumento em valor entre todas as profissões, num total de 263 euros face ao que se pagava, em média, há dois anos); “Trabalhadores não qualificados” (16,9%); e “Trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores” (16,1%).
Os “Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem” (13,8%), bem como os “Representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores e gestores executivos” (11,2%) foram os grupos profissionais com aumentos menos expressivos nestes dois anos, apesar de neste último grupo estar em causa o maior valor — um salário médio de 2.037 euros depois de feitos os descontos para o IRS e de contribuições sociais.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com