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Salvador Martinha: “Não posso exercer esta profissão sem ser o centro das atenções”

O humorista leva ao Porto e a Lisboa o seu espetáculo ‘Centro das Atenções’, “um apanhado e uma grande celebração” do seu percurso. Ao JE, fala sobre a carreira e os planos de iniciar um novo ciclo.
  • Foto cedida
6 Dezembro 2017, 07h05

Salvador Martinha apresenta-se esta quarta-feira à noite na Casa da Música, no Porto, com o espetáculo “Centro das Atenções”, “um apanhado e uma grande celebração” do percurso do humorista. Na quinta-feira atua no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, onde, perante uma sala esgotada, concretiza “um sonho de menino”.

O humorista já se encontra na cidade do Porto para apresentar o seu último espetáculo com bilheteira aberta de 2017. Inadvertidamente, o Jornal Económico (JE) conseguiu contornar o “modo bolha” de Salvador Martinha, que tinha planeado não fazer declarações aos media desde há uma semana até às datas do espetáculo, e entrevistou, em exclusivo, o comediante mesmo na véspera da estreia do “Centro das Atenções”.

A partir do Grande Hotel do Porto, Salvador Martinha respondeu a todas as questões do JE. Ao telefone, o humorista revelou as suas expectativas para o seu maior espetáculo de sempre, falou do seu estilo de humor, de novos projetos e contou que deverá fazer uma pausa de um ano no stand-up.

 

Ainda está com receio que um senhor maluco tenha comprado todos os bilhetes só para chatear e que depois não apareça para o ver? 

Salvador Martinha (SM) – Pois é. Quando a esmola é muita o pobre desconfia e o Coliseu [dos Recreios] já está esgotado, tenho medo que isso aconteça. Há sempre aquele medo, mas eu acho que não haveria ninguém assim tão malicioso, mas seria interessante, não é? Imagina que uma pessoa comprava todos os bilhetes – se calhar a pessoa gostava muito de mim – e depois eu fazia o espetáculo todo para ela. O que é que seria, não é?

Mas mesmo para uma só pessoa, não deixaria de haver espetáculo

SM – Existe uma regra no teatro – não sei se estou certo – em que se pelo menos estiver na assistência o dobro dos atores em palco faz-se o espetáculo. Há assim uma regra qualquer.  Quer dizer, se fosse só uma pessoa bastava mais outra, com o Gualter, o meu amigo imaginário, estavam dois. Já tinha que fazer.

Em Portugal nunca foi feito um espetáculo de stand-up num palco 360º, mesmo no meio do público, como é que surgiu a ideia?

Acho que o percursor do stand-up neste estilo foi um humorista americano chamado Dane Cook. Eu acho que ele em 2003 – estávamos nós aqui com o “Levanta-te e Ri” [programa de humor transmitido na SIC] – já enchia pavilhões com este conceito, que depois se perdeu um bocadinho. Mas, por exemplo, os ingleses fazem muito e os americanos também.

Porque é que eu pensei fazer isto? Eu já tinha visto alguns espetáculos no Coliseu e acho que, para stand-up, o palco fica muito distante do público. Portanto eu aproveito o palco do circo, que todos os natais existe – é uma oportunidade que surge – e vou criar ali uma estrutura que quem for vai ver uma surpresa. O meu objetivo é que se torne num espetáculo muito mais próximo.

Sei que em Portugal a única pessoa que o fez [um espetáculo com palco 360º] foi o Fábio Porchat. Ele fez no Coliseu e no Campo Pequeno e acho que correu bem.

Porquê “Centro das Atenções”? E porquê o formato 360º? 

É um bocado a pegar no conceito. Vou estar literalmente no centro e tem um significado duplo, porque também foi um bocado a vida que eu escolhi, não é? Não posso exercer esta profissão sem ser o Centro das Atenções. É uma consequência.

E o “Centro das Atenções” é o seu maior espetáculo de stand-up de sempre…

SM – É. O meu record está em mil espetadores no Tivoli, em termos de dimensão de sala. Agora vou batê-lo na Casa da Música, com 1200 – a Casa da Música leva para aí mil, mas nós abrimos o coro e mais lugares de palco – e depois no Coliseu, com 2400 lugares. Olha, Deus me ajude. Como diz o meu sogro: agora seja o que Deus quiser.

Com que expectativa parte para a Casa da Música e para o Coliseu dos Recreios? 

SM – Eu quero que seja um espetáculo especial, os dois . Quero que os dois espetáculos não pareçam que eu vou lá fazer material. Eu não gosto que se sinta isso nos espetáculos de comédia. Quero que cada noite seja única, que exista muita interação com a plateia, e quero que as próprias personagens, que criarmos em cada noite, se envolvam dentro do meu material.

É sabido que há diferenças entre o público de Lisboa e o público do Porto. O Salvador tem preparado coisas específicas para Lisboa e Porto ou vai seguir o mesmo guião? 

SM – Sinceramente, acho que isso já é um conceito antigo. As pessoas habituaram-se a dizer isso, para aí há 15 anos. Como isto está tudo mais globalizado, eu acho que a inteligência do público também cresceu, globalmente.

O que se fala muito é numa energia especial no Porto, mas isso depende da personalidade das pessoas. As pessoas do Porto são mais quentes, mas nunca fiz muito essa distinção. Eu posso ir a Leiria e apanhar um público espetacular. O nosso trabalho também é fazer isso, porque não podemos beneficiar desse doping.

Sim, se pensar que já sabe como o público vai reagir…

SM – Exatamente. Se pensar ‘ali no Porto eles são muito simpáticos’, então não é preciso fazer nada. É aproveitar ao máximo, porque se a energia é maior, então o espetáculo pode ir para outro patamar.

Este espetáculo marca o seu regresso à Casa da Música, mas o Coliseu é uma estreia… 

Sim, certo. [No Coliseu] já tinha feito uma participação num espetáculo de solidariedade, onde fiz a primeira parte do The Boy With Tape On His Face [Sam Wills] e, agora, vai ser uma estreia [a solo] e vamos lá ver como isto corre. Estou a preparar-me ao máximo.

Na sua página de Facebook escreveu que desde os seus 18 anos tinha o objetivo de se apresentar no Coliseu, mas que o adiou ao máximo. O que há de especial naquela sala e o que representa para si ser o “Centro das Atenções” no Coliseu? 

SM – Sem grandes rodeios significa dizer: ‘Consegui!’. Era um sonho de menino – estou obviamente a brincar com aquela música do Tony Carreira. Eu já podia, na minha opinião, ter alcançado o Coliseu há dois ou três anos, mas queria fazê-lo de uma maneira especial e nunca me tinha lembrado de nenhuma.

Às vezes também não devemos forçar as coisas. [“Centro das Atenções”] acaba por chegar numa altura boa, em que estou mais maduro, já não sou aquele miúdo de 22 anos… Eu acho que faz mais sentido assim. Nós muitas vezes podemos saltar etapas, mas também não vejo qual é a vantagem disso, de acelerar o tempo. O que é que me interessava aos 25 anos ter feito o Coliseu? E depois do Coliseu, percebes?

Sim. Mas depois da atuação na Casa da Música e no Coliseu, a grande sala que lhe faltava, o que vem a seguir?

O sentimento imediato que eu tenho é começar do zero. Estas piadas vou enterrá-las, vou deixar de as dizer e sinto que vou dar um salto. Atenção, há aqui coisas completamente novas, mas depois há histórias que eu já vivi há quatro anos, que são aquelas que me levaram ao Coliseu.

Agora é começar completamente do zero: gostava de me concentrar em ler mais, em cultivar-me mais, porque quanto mais informação e cultura eu tiver mais isso se fará sentir na minha comédia. Eu nem queria ser inteligente, mas tenho que o ser para fazer isto bem.

Não posso encostar-me à sombra da bananeira. Tenho que absorver tudo e perceber a mudança dos tempos, para que o meu próximo espetáculo seja uma coisa completamente fresca.

Quando fala começar do zero, refere-se a um novo espetáculo de stand-up?

SM – Ainda não sei bem. O que eu quero é começar do zero e procurar novos caminhos, mas dentro da comédia, claro, e do stand-up. Quando voltar quero trazer alguma coisa nova para a mesa.

Com casa cheia tanto no Coliseu de Lisboa como na Casa da Música, como é que uma pessoa só com um microfone e o dom da palavra se prepara para enfrentar uma sala cheia, num palco mesmo no meio do público?

Prepara-se como eu estou agora a preparar-me. Estou a falar contigo a partir do Grande Hotel do Porto… Por acaso eu tenho casa no Porto, porque a minha namorada é daqui, só que como tenho uma filha tenho que “fugir” de casa para me concentrar.

Estou aqui num quarto com muita pinta e o que é que eu faço? Trabalho muito a minha memória. Tenho para aí uns 98 tópicos para assimilar na minha cabeça e tenho que os saber todos seguidos. É como ser bom aluno: quanto mais estudares a lição melhor nota vais tirar.

Quanto mais histórias tiver mais espaço há para o improviso, portanto estou aqui numa maneira meio obsessiva-compulsiva a olhar para o computador, a mudar uma vírgula, a meter um tópico e a memorizar, memorizar, memorizar… Para entrar completamente no mundo do espetáculo.

Está com aquele nervoso miudinho, ansioso para que chegue a hora de atuar, ou o Salvador é uma pessoa tranquilo e chegando a hora faz o seu espetáculo?

Agora estou. Isto é uma coisa especial. É como um corredor que vai ultrapassar o seu record, nesse dia ele está nervoso e eu sinto-me nessa fase, de tentar “bater o meu record” de qualidade também.

Há pouco falava em começar do zero: tentar a sua sorte em palcos internacionais não é uma opção para o futuro, na sua carreira?

Eu gostava, mas, sabes, sempre que alguém tem interesse em nós, ficamos numa posição mais privilegiada para negociar isso, quando não há esse interesse – a verdade é essa, não existe interesse internacional… Quem é que sabe quem é que eu sou em Inglaterra ou no Brasil? Ninguém. Essa é que é a verdade.

Agora, por acaso recebi umas mensagens. Mas era para pegar numa mochila e fazer como eu fiz aqui: “partir pedra”.  Agora, claro que quero e uma pessoa tem que estar atenta e fazer essas experiências… Mas gostava muito de fazer uma tour europeia, porque acho que a imigração tal como nós a conhecemos e imaginamos – o garrafão de vinho tinto e o bigode – já não é a mesma, não é?

Claro que não.

Agora, há pessoas como eu e tu lá fora que se calhar gostariam de ver um espetáculo [de stand-up português] ao vivo. Eu acho que isso também vai crescer, não só para mim, mas para todos os humoristas.

Há quem diga que os humoristas são as novas estrelas de rock. Fez ou tem alguma exigência bizarra para este espetáculo? Algo que não possa faltar no camarim ou durante o espetáculo

Isso é uma boa pergunta, mas vou-te desiludir-te, provavelmente: não. O único pedido em que posso dar-te umas luzes é que bebo sempre vodka redbull antes dos espetáculos. Isso é que não pode faltar…Se não houver vodka redbull fico logo nervoso. De resto não sou nada exigente.

Gosto sempre de ter um catering, sobretudo nestes espetáculos grandes, para receber os meus amigos ou pessoas que queiram tirar fotografias.

Mas sou uma pessoa simples. Não ligo muito a bens materiais nem sou muito vedeta. Há grandes artistas que são vedetas. Quanto mais mimares um artista mais bem-disposto ele vai para o palco, só que o meu mimo é muito pouco. Se tiver quentinho no camarim, para mim está tudo bem.

‘Centro das Atenções’ é apresentado como um conjunto das suas melhores histórias e piadas desde que iniciou a sua carreira no humor em 2003. Estamos perante um espetáculo de retrospetiva ou de celebração? 

É uma mistura. Retrospetiva acho que é tipo à José Cid, não é? [entre risos admite que a expressão não foi a melhor]. No fundo é o meu percurso até chegar ao Coliseu e, por isso, é uma celebração: 50-50… Há piadas que resultaram em 2005, mas agora já não posso fazer. Não faz sentido.

Mas também vai levar novas histórias, abordando assuntos que não tenha explorado anteriormente? 

Sim, claro, há sempre histórias novas. Por exemplo, a história de que me roubaram dois carros e mesmo histórias que eu falei durante muito tempo, levaram toques completamente diferentes. A história de ser ‘beto’: tenho montes piadas diferentes, do que tinha em 2005. A maturação dos temas também evoluiu.

O Salvador é pai. O tema da paternidade também marcará presença neste espetáculo

Sim, sim. Há uma reflexão sobre ser pai, mas não há muito material sobre a minha filha. Ainda não há uma distância certa para ver o que é que me faz rir com a minha filha, por que ainda estou demasiado “derretido”. Isso cega-me um bocado e desliga o chip do humor.

A sua família vai assistir ao “Centro das Atenções”?

Vai, vai. O meu pai e a minha mãe vão estar presentes no Coliseu.

Falando da família e sabendo que o Salvador tem uma carreira no humor claramente consolidada, é possível viver exclusivamente da comédia em Portugal?

O meu espetáculo acaba precisamente com essa reflexão. Claro que dá, mas é um número reduzido de pessoas que o fazem, e não estou a dizer isto de modo presunçoso. É mesmo o que é.

Entre uma dezena e duas dezenas, são as pessoas que vivem confortavelmente do humor em Portugal. Depois há muitos guionistas, atores de comédia… A boa notícia é que todos os anos há novas pessoas. Vejo agora novos miúdos a crescer, que claramente vão viver disto.

Não tem receio – um bom receio, porque no fundo garante a continuidade da comédia nacional  que esses miúdos o superem?

Não tenhas dúvidas. Eu acho que a concorrência mais feroz vem sempre dos underdogs, dos miúdos mais novos. Eu também era um underdog e vi passar pessoas que admirava, e agora olho para eles pelo retrovisor.

Não tenhas dúvidas que os objetivos dos miúdos são verem-me pelo retrovisor. Mas isso é saudável, por que torna as coisas competitivas. Era como os telefones: quando só havia a PT o serviço não era tão bom, agora há cinco companhias e o serviço está muito melhor.

A concorrência é sempre benéfica, agora o meu desafio é manter-me fresco e sempre com raciocínios novos… Eu fiz muitas piadas de pitas, fui quase um percursor de piadas de pitas, mas já passei essa fase. Já não sou o gajo da piada das pitas, isso agora é para os mais novos.

É a evolução da carreira…

É. Agora estou a ler “O Anticristo” de Nietzsche. Estou virado para outros caminhos, para outras reflexões…

O Salvador é conhecido por interagir muito com o público e também por não ter medo do ridículo. Há entrevistas em que diz que às vezes procura criar situações de desconforto porque, a partir delas, consegue “sacar” boas histórias e piadas. Se algo muito inesperado surgir durante o espetáculo, dará lugar ao improviso ou está tudo premeditado?

Há sempre espaço para o improviso, isso é que torna o espetáculo genuíno. As pessoas sentem ‘olha isto só aconteceu aqui’, e isso torna o espetáculo único.  Mas depende dos estilos: há comediantes que não mudam uma vírgula e os espetáculos também são únicos. Mas este é o meu estilo e não vale a pena esconder.

O meu espetáculo é sempre muito interativo e isso é uma das minhas forças. A minha interação com o público está taco a taco com o meu material – há humoristas em que o material está muito acima da interatividade e há outros humoristas que a interatividade está muito acima do material.

Assumindo que o humor é uma arte, será “Centro das Atenções” a sua grande obra, aquela em que mostra que domina a técnica de fazer rir?

Obrigado, agora até fiquei em modo de envergonhado. Estás a colocar-me uma grande responsabilidade… Não sei se sou a pessoa indicada para te responder a isso. É uma obra de arte o que eu faço? Custa-me dizer isso…

Eu gostaria de um dia fazer uma coisa para te responder com mais confiança. Vamos ver… Não tenho resposta.

A fazer o humor há quase 15 anos e depois de 4 espetáculos a solo, ‘Centro das Atenções’ é o fim ou o início de um ciclo na sua carreira? 

Acho que vai marcar o fim de um ciclo e o início de outro, claramente. O meu maior sonho na comédia sempre foi este. É o sonho maior que agora concretizei.

Claro que tinha outros sonhos, como fazer uma série de televisão em canal aberto, em horário nobre – que fiz -, o “Sal” [transmitida pela SIC], fazer rádio – que fiz… Mas o meu sonho maior sempre foi criar uma corrente de público suficiente para encher o Coliseu. Agora falta a outra parte do sonho: fazer um bom espetáculo – espero que corra bem. Quando fizer isso, há o fim de um ciclo., Porque eu tenho que criar novos sonhos.

O novo ciclo será… ‘Sonho’ é uma palavra muito pirosa… ‘Projeto’ também não… É um novo percurso… O meu novo ciclo será…

Uma nova ‘Página’? 

Sim, é uma nova página. Já se iniciou um bocadinho com “Ar Livre” [o podcast que o humorista criou], que é um programa onde falo durante meia hora a sério a brincar e isso já é uma maneira de mudar na comédia. Percebi que as pessoas tanto gostam de rir como gostam de cenas mais hyp e isso é uma coisa gira para implementar na comédia, o lado trágico. O lado trágico que depois tem que ser materializado em piada.

O meu stand-up até à data de hoje tem sido fazer rir, puro e duro, e sinto que o “Ar Livre” já é mais de carne e osso, mais real e o meu stand-up está também a tornar-se mais de carne e osso. Tanto tens piadas para rir, mas também tens histórias e problemas meus a sério. Com o passar do tempo, palpita-me, vai notar-se mais isso: que sou capaz de abordar questões mais profundas.

Em “Ar Livre” podemos ver o seu lado mais intimista.

Exatamente.

Em ‘Ar Livre’, o seu podcast, revelou que nos próximos tempos estará ocupado com outros projetos: o “Sou Menino para Ir”, o Cavalinho da Chuva (com César Mourão, Rui Unas e Frederico Pombares) e o programa D’Improviso, onde é argumentista. Pode avançar com alguma novidade sobre eles? 

O primeiro a acontecer foi o “D’Improviso”, com o César Mourão, e o mérito é todo dele. Eu só lá estive, basicamente, com o Federico Pombares a dar apoio. A SIC já não era líder há seis anos [no horário nobre de domingo] e voltou a ser com este programa. O César convidou-me e eu não podia rejeitar, até pela experiência que é fazer parte daquele programa e estar nos bastidores – também me agrada muito esse lado.

O “Cavalinho da Chuva” vai ser um coletivo digital que vai arrancar em 2018. Sou eu, o Frederico Pombares, o Rui Unas e o César Mourão. Não posso dizer nada de especial, a não ser que vai ser uma mistura entre Porta dos Fundos e Produções Fictícias, no sentido em que vamos fazer novas coisas, mas também podemos fazer coisas para outros. É a Porta dos Fundos no sentido em que vamos dar a cara por novos projetos, mas depois há o outro lado em que podemos escrever para os outros. Diria que o “D’Improviso” já foi um bocadinho “Cavalinho da Chuva”, já foi aquela célula que ajudou a criar aquele formato.

O “Sou Menino para Ir” vai arrancar em janeiro. Serão dez episódios, onde eu aceito desafios que me fazem no Facebook. Normalmente, as pessoas fazem-me desafios descabidos, até que me lembrei: ‘Espera aí, vou fazer um programa para aceitar desafios descabidos’.

Mas isso é um risco…
Eu vivo no risco…

E é o Salvador que escolhe os desafios que vai aceitar?
Sim. Eu acabo por ser o produtor executivo, o argumentista e o intérprete. Depois tenho uma equipa que é o Diogo Lima, o diretor de fotografia e realizador, e o Tiago Galvão no som.

Isso significa que poderá fazer uma pausa no stand-up?

Devo ficar parado cerca de um ano. Claro que posso fazer um espectáculo corporativo e aparecer em eventos de amigos meus para experimentar dez minutos, mas em principio não vou ter nenhuma bilheteira aberta no próximo ano.

É um bocadinho pela lógica do Ferrer Adrian, que é o melhor chef do mundo. No seu restaurante El Bulli, ele estava sempre seis meses aberto, seis meses fechado, e era nos seis meses em que estava fechado que preparava a nova temporada.

No seu podcast disse também que prefere relacionar o seu estilo de humor com o jazz, por causa do improviso. Mas, a perceção que há, em geral, é que o jazz é também um estilo de música mais reservado e o tipo de humor que o Salvador faz não dá espaço a reservas, ou dá? 

Referi-me ao jazz porque tem uma grande componente de improviso. Pegando na comparação de que os humoristas são as novas estrelas de rock, eu gosto de me ver mais como um músico de jazz porque não sou uma estrela. No palco tenho que ser uma, mas não faço pretensão de fazer vida de estrela, nem que me tratem como uma estrela.

O humor em Portugal tem Herman José, que recorre a diversos estilos nos seus trabalhos; houve os Gato Fedorento que ficaram muito ligados a um estilo nonsense; há a dupla Bruno Nogueira e João Quadros muito associada a um estilo mais de observação; há o César Mourão que domina o improviso; o Rui Sinel Cordes domina o humor negro e o Luís Franco-Bastos domina as vozes. Sendo o Salvador Martinha já uma referência do humor nacional e partindo do princípio que cada humorista tem o devido espaço na comédia nacional, qual é o espaço que o Salvador ocupa?

Não sei. Concordo com tudo o que disseste, mas é mais fácil para mim  assim como para ti – ver os outros, mas eu próprio não sei qual é esse espaço. Consigo pôr esse selo nos outros, mas não sei que selo é que põem em mim.

Acho que não tenho um selo tão direto. Talvez me tenha destacado um bocadinho por falar de coisas normais… É como os miúdos mais novos me dizem: ‘comecei a ver-te e tu falavas de coisas normais’ e eu pensei ‘espera aí, mas eu posso fazer stand-up a falar disto’. Ou seja, acho que quebrei um bocado essa barreira do que é que é tema para o humor, ou o que é que não é tema para o humor.

Esse selo caberá ao público colocar… 

Há pessoas que me associam muito ao stand-up e isso para mim é um grande orgulho. Acham que eu sou o rapaz do stand-up. É uma pergunta interessante, mas não sei bem…

Ouvi-o dizer no seu podcast: “a minha missão no humor é conciliar, não é dividir”. Se alguém quiser explicar a sua postura e o seu estilo no meio humorístico essa é a melhor definição? 

Boa, estás a dar-me uma solução. Por que é que tu começas na comédia? Eu sei porque é que comecei na comédia, desde muito novo quando tinhas 7, 10 ou 12 anos. O meu objetivo na comedida era conciliar, de facto. A minha mãe dizia que eu era um eager, uma pessoa que quer agradar a todos e que todos fiquem bem. Não sei se a minha família tinha algum problema e eu era o mediador – há sempre alguém que é o mediador -, mas sempre tentei aproximar todos de todos.

[Imita uma voz moralista] Eu mentiria se dissesse que ‘para mim o humor é uma arma e quero chamar à atenção das mentalidades’. O humor também faz isso, inconscientemente. Ao gozar com determinado assunto posso aproximar as pessoas. Por exemplo, se eu gozar com o racismo, aproximamo-nos todos para um caminho melhor, mas se fizer bullying, puro e duro, não sei se vou aproximar tanto.

Há pessoas que entram no humor porque eram provocadores e gostaram. Porque as coisas irritavam e eles tinham que dizer, provocar e chatear. Isso também é um estilo, mas não é o meu.

Eu sou uma pessoa conciliadora, portanto, tenho a certeza que o meu humor também é.

 

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