Os sectores do têxtil e vestuário e do calçado foram fundamentais para a recuperação do país após a última crise económica (2009-2013). As suas exportações conheceram um extraordinário crescimento desde 2013, tendo atingido máximos históricos: 5.312 milhões de euros no têxtil e vestuário, em 2018; 1.965 milhões de euros no calçado, um ano antes.
O arrefecimento da economia mundial em 2019 e, sobretudo, a pandemia em 2020 vieram interromper este ciclo virtuoso. A quebra abrupta da procura levou ao cancelamento e diminuição das encomendas, com repercussões muito negativas na faturação. Ao mesmo tempo, as dificuldades de circulação interfronteiriça das mercadorias, o congestionamento dos portos e a falta de contentores para transporte marítimo fizeram escalar os custos com a logística e com as matérias-primas, além de não permitirem o cumprimento dos prazos de entrega.
Aquando da emergência da pandemia, muitas PME destes sectores reorientaram a sua produção para outros artigos, revelando uma notável capacidade de adaptação e inovação. No têxtil e vestuário, empresas houve que passaram a produzir máscaras faciais, batas e fatos hospitalares, por vezes fabricados com tecidos antivíricos e antibacterianos desenvolvidos internamente.
Já no calçado, os sapatos de couro deram lugar a mocassins, sapatilhas e náuticos para usar em casa ou nas raras saídas que o confinamento permite. O calçado mais confortável passou a dominar as linhas de montagem, que também alargaram a sua produção a máscaras e outros equipamentos de proteção.
Apesar da resiliência demonstrada por estes sectores, a verdade é que a redução do volume de negócios é preocupante e põe em risco muitas empresas, exportações e empregos. As moratórias e as linhas de crédito estão a ser um importante balão de oxigénio para as PME do têxtil, vestuário e calçado, mas parece-me que há que recalibrar o pacote de medidas destinadas às empresas, de forma a melhor proteger sectores estratégicos da nossa economia.
Conforme têm alertado as associações representativas dos sectores do têxtil, vestuário e calçado, muitas PME não são elegíveis para o apoio à retoma progressiva porque não registaram quebras de faturação iguais ou superiores a 25%, embora o seu volume de negócios tenha sido fortemente penalizado (contrações próximas ou superiores a 20%).
Também no apoio ao emprego as regras deviam ser revistas, na medida em que se trata de sectores de mão de obra intensiva e que registam hoje níveis de absentismo elevados, fruto do crescimento do número de infeções e do encerramento das escolas, que obriga muitos trabalhadores a permanecerem em casa.
Os problemas do têxtil, vestuário e calçado são extensíveis a outros sectores de bens transacionáveis (metalurgia e metalomecânica, indústria automóvel, pasta e papel, mobiliário e colchoaria, cortiça, etc.) verificando-se, na generalidade deles, a mesma inadequação dos apoios para minorar os efeitos da pandemia.
Faltam medidas e incentivos que tenham em conta as especificidades laborais, o contexto internacional e a importância estratégica das PME industriais de vocação exportadora. Estou a pensar num regime de lay-off específico, em reduções na TSU, no diferimento de impostos e contribuições por um período alargado (4/5 anos), em sistemas de capitalização e em seguros com garantia pública para exportadores, por exemplo.
Há que salvaguardar os sectores estratégicos da economia portuguesa com apoios e incentivos adequados às suas PME, sob pena de, no pós-pandemia, perdermos competitividade internacional e desequilibrarmos profundamente a nossa balança comercial.