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“São precisas entre 70 a 75 mil pessoas para trabalhar na construção mas estão inscritos no Centro de Emprego 33 mil que não respondem às ofertas”, afirma Mineiro Aires

Em Portugal, com a engenharia civil a dar sinais de recuperação, fruto da área da reabilitação urbana, os engenheiros civis vivem dias desafiantes em condições ainda frágeis.
1 Outubro 2019, 07h28

“Ninguém vai trabalhar para construção civil para ganhar 600, 700 ou 800 euros, porque é isso que pagam aos trabalhadores de topo e aos serventes. E o que oferecem a um engenheiro também anda nesta casa. É preciso ter noção que estamos todos muito mal pagos”, frisou ao Jornal Económico o Bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires, à margem da cimeira Lisbon CES – Civil Engineering Summit, realizada no LNEC entre 24 e 28 de setembro.

Em entrevista ao JE (ver edição 27 setembro), Mineiro Aires identifica os diferentes entraves e aponta o preço da crise que tanto afetou o setor da Construção Civil. Considera que os empresários portugueses “têm uma tendência muito grande para a lamentação” e defende pontos de equilíbrio e decisões mais justas para todos.

Que leitura faz da evolução da engenharia civil em Portugal, na última década?

Desde logo, não posso deixar de abordar a questão da crise que a construção civil sofreu, sendo que ainda hoje temos problemas grandes. Desde a crise, fecharam 65 mil empresas, sobretudo as pequenas empresas de construção civil; foram-se embora do país, ou abandonaram a profissão, 350 mil empregados e hoje não há capatazes ou alguém para dirigir obras. Há uma falta de mão de obra extraordinária, estima-se que são precisas entre 70 a 75 mil pessoas para trabalhar na construção mas estão inscritos no Centro de Emprego 33 mil que não respondem às ofertas de emprego. E porquê? Primeiro, porque é óbvio que existe uma atividade paralela e clandestina, sobretudo nos biscates e pequenas remodelações de casas para uso fruto ou para transformar em alojamento local. Por outro lado, porque o nível salário praticado não tem qualquer atratividade. Ninguém vai trabalhar para construção civil para ganhar 600, 700 ou 800 euros, porque é isso que pagam aos trabalhadores de topo e aos serventes. E o que oferecem a um engenheiro também anda nesta casa. É preciso ter noção que estamos todos muito mal pagos. É claro que se uma pessoa pode estar nos biscastes, sem pagar impostos, a ganhar ao dia mais de cem euros, não vai deixar de o fazer. O resultado, é que estamos a importar mão de obra, e aparece gente de todo o lado, inclusive pessoas que têm dificuldade em comunicar. E quero desde já reafirmar que sou inteiramente a favor da integração de todos os cidadãos do mundo em cada país. Deus quando fez o mundo não meteu fronteiras em país nenhum. Mantenho por isso os princípios da universalidade, as fronteiras que existem são as naturais e não as artificiais, o resto é tudo imaginação. Mas aqui, em Portugal, estamos a pagar o preço de uma crise e temos de saber dar a volta a isto. E como? Não sei. O primeiro-ministro, e bem, disse no congresso anterior da Ordem algo que está farto de repetir: não quero ver o país crescer à custa de salários baixos. Eu gosto muito de o ouvir e repetir isso mas não vejo resultados práticos. Na verdade, também é importante que se diga que os empresários portugueses têm uma tendência muito grande para a lamentação, arrisco-me a ser acusado de ser um perigoso esquerdista mas a verdade é esta: as pessoas em vez de abrirem mão de 50 ou 100 euros, preferem pensar que, para ser assim, é preferível fechar o negócio. E não é assim, há pontos de equilíbrio e certamente decisões mais justas para todos, sem nunca deixarmos de ter em conta que quem investe, o empresário, tem de receber o retorno do risco em que incorre e ninguém é a Santa casa da Misericórdia. Os empresários investem para ganhar dinheiro, ponto.  Tem de haver alguma justiça e parcimónia dos próprios porque o Estado não tem de ter qualquer papel regulatório nisto, o mercado é que regula.

Independentemente do enquadramento, considera que a engenharia civil está numa fase verdadeiramente pós- crise, de retoma e com um crescimento ainda que não seja muito pronunciado?

Voltar ao período antes da crise, não acontecerá. Porque chegaram mesmo a ser mais empresas estrangeiras a trabalhar em Portugal do que nacionais. Havia dinheiro para toda a gente e mais alguém. Mas veio depois um período em que não houve nada. Agora, começa a aparecer, com a reabilitação urbana e as obras públicas, algum mercado. Há mercado privado, com os particulares a fazer obras e a investir, o que levou a mudança. A questão de fundo é que, e volto ao mesmo ponto, é que os salários e as condições que são oferecidas continuam a não ser suficientemente atrativos. Conheço casos de engenheiros que preferem estar atrás de um balcão na noite em Lisboa, a servir gins e a divertirem-se, porque estão a ganhar muito mais do que se tivessem a exercer a sua profissão.

Ainda assim temos de distinguir algumas coisas. Hoje em dia, em Portugal, há uma procura doida por engenheiros informáticos. É uma procura doida porque não chegam para as encomendas. E quando as multinacionais aparecem aqui, e estamos a falar de uma Bosch, de uma Google, sobretudo empresas ligadas às teconologias pedem sempre aos 200 ou 300 engenheiros. Absorvem a formação toda e tendo nós dois graus de formação, o pré e pós Bolonha, que com durações diferentes de tempo de estudo, naturalmente têm papeis diferentes a desempenhar. Esta é uma evidência e só não vê quem não quer. E há muita desta oferta que passa por formação curta, num modelo anglo saxónico que está a ser aplicado cá e com algum sucesso, como no caso de Leiria em que o politécnico está a formar para a área de moldes e garantem logo emprego. Com estes cursos técnicos especializados, por assim dizer, há gente que tem sucesso e até recebem bem. Sendo que também há gente que ganhou essas skills, vão lá para fora e quando voltam, voltam por cima. Mas de facto, na engenharia civil, não é isto que se passa. Não voltaremos aos tempos em que tudo era melhor: não faltava emprego e até não era mal pago.

Isto são sempre ciclos e Portugal está ciclicamente na bancarrota. Isto vem da monarquia, ultrapassou as primeiras repúblicas, depois apareceu um salvador, ou tido como tal, o Salazar, que foi na minha ótica o responsável pela grande desgraça deste país, um ‘unhas de fome’ que para equilibrar as finanças não ligou nenhuma à qualidade das pessoas. Cortou tudo e a falta de investimento em tudo e, sobretudo, na educação leva a que ainda hoje estejamos a pagar essa fatura. Nessa altura, se tivéssemos sabido dar a volta à bancarrota, tínhamos ajudado a mudar as mentalidades e só se mudam as mentalidades com educação. Foi onde o homem falhou, e apesar de puder ser bem intencionado e não tenho quaisquer dúvidas que o seria, vivia num mundo só dele, de quatro paredes e só ouvia o que lhe diziam. Vivia numa outra realidade e nunca percebeu que estava a matar tudo, o país, ao não dar educação às pessoas. Por isso, a grande aposta que se fez na educação é de facto o grande salto que demos nos últimos anos.

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