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SAP avisa empresas portuguesas: “A concorrência vai crescer. Foquem-se na experiência do cliente”

“As empresas norte-americanas e as chinesas vão chegar ao retalho, consumo… Da forma como vejo as coisas, as portuguesas devem focar-se na experiência, em ter a melhor relação com o cliente”, disse Vahid Khamsi, ‘global head of strategy’ da SAP, ao Jornal Económico.
17 Junho 2019, 07h35

O responsável global de estratégia para clientes e mercados da SAP voou até Lisboa para enumerar os elementos que permitem às organizações tornarem-se “empresas inteligentes”. Em entrevista ao Jornal Económico, Vahid Khamsi compara a maturidade das empresas tecnológicas europeias com as chinesas e confessa que a sua “única preocupação é o talento”.

Entre os conselhos da multinacional de software para os executivos estão: gerir a cadeia logística em tempo real; utilizar funções analíticas para ter mais informação contextual; instalar aplicações para melhorar as operações financeiras; otimizar o armazenamento de dados, transformar “tecnologias de Recursos Humanos em tecnologias de pessoas” ou desenvolver estratégias globais de compras.

O último “SAP Now Lisboa”, o maior evento anual da SAP em Portugal, foi dedicado ao tema “Becoming na Intelligent Enterprise”. Como é os negócios familiares ou empresas mais tradicionais devem fazer essa transição para um uso eficiente dos dados e da tecnologia?

É engraçado porque um dos melhores exemplos disso para mim é a Santini, a cadeia de gelatarias. É uma empresa muito tradicional e utiliza os ingredientes mais básicos, os mesmos sabores. É algo familiar, desde o momento em que tiveram a rainha de Espanha a visitar as suas lojas. É um dos nossos clientes que nos disseram: “Queremos trazer visibilidade, automação, consistência no nosso produto”. É importante para garantir o compromisso inicial para a equipa de gestão pode passar a preocupar-se com a interação e a compreensão das necessidades dos clientes. Para nós, a inteligência está no topo. Automatizam-se os processos básicos e, depois, a inteligência está nas pessoas: dar-lhes tempo para falar com os clientes, testar, melhorar. Não se trata de ter menos pessoas mais dar-lhes mais tempo.

Recentemente, li que a inteligência artificial não destrói postos de trabalho mas cria carreiras. É desta opinião?

Essa tem sido a nossa experiência e aquilo que temos visto na maioria dos nossos clientes, especialmente aqueles que têm grandes backoffices, que conseguem fazer mais de 50-60% das coisas de forma automática e depois se focam nos casos complexos. Chamamos-lhe “augmented intelligence”.

Que casos complexos?

Por exemplo, numa operadora de telecomunicações toda a gente liga por problemas com a password ou o código PIN, por terem perdido a fatura… Se conseguirem resolver todas estas situações através de chatbots podem ouvir os clientes em questões mais complexas, como interpretar algum dado da conta do telefone ou sincronizar o telemóvel que estão a utilizar pela primeira vez. A lógica também serve para os hospitais. Nos hospitais com os quais trabalhamos em Singapura eles começaram a aperceber-se que muita gente não aparecia nas consultas e exames. Então, introduziu-se lembretes por SMS e toda a informação que se tem de preencher quando se chega ao hospital começou a ser preenchida antes da chegada dos utentes. Para os enfermeiros é especialmente bom, preparam-se antecipadamente.

Mencionou empresas na área agroaliomentar, das telecomunicações e da saúde? Atualmente, qual considera ser o segmento de atividade mais inovador?

Sinceramente, os táxis, Uber, Lyft, tudo o que esteja relacionado com transportes. Antigamente, nunca se pensou que esta indústria pudesse mudar assim. Pensávamos no trabalho dos taxistas como estável, seguro. Digo transportes por causa do avanço em torno da logística, da condução autónoma. Vai tornar-se realmente impactante. Temos cerca de 4.500 clientes em todo o mundo. Até agora, é interessante para nós que 70% dos nossos clientes sejam PME, mas aqueles que são mais interessantes são as empresas que são as próximas a tornarem-se gigantes, as que são extremamente ambiciosas, as que têm um CEO que querem ser disruptivos no mercado. É com estes que gostamos de trabalhar porque há apetite para a mudança, estão prontos para inovar.

Em Portugal sente esse apetite para a mudança?

Por exemplo, em Portugal há uma empresa de tomate que produz mais ou menos 400 mil toneladas de tomates todos os anos, e disse: «Ok, sou tradicional, estou a produzir um produto agroalimentar, mas quero exportar, quero fazer crescer a minha quota de mercado». Então, trabalhámos em parceria para lhes dar total visibilidade do que está a acontecer na planta, e tornou-se extremamente moderna. Acho que se fores o número dois ou número três e fores ambicioso, então, estás pronto para fazer o investimento. Se apenas te sentares e esperares, então, estás pronto para ser ‘atirado fora’. Depois de ter vindo da China, senti a velocidade e a escala de inovação que têm. Tudo é feito através do telemóvel, mobile only, mobile first. As pessoas simplesmente compram itens básicos como uma garrafa de água na rua com o smartphone ou o relógio. Lá falam de planos a cinco anos e aqui, na Europa, não se sabe o que vai acontecer em semanas com o Brexit, por exemplo. Protegem-se a longo prazo, e vemos muitas tecnológicas lá que têm impacto não só na China. Se olharmos para o ‘Top10’ da Apple Store aqui em Portugal está a Aliexpress. Nos telemóveis, cerca de 30% são marcas asiáticas, players chineses. A minha questão é: Como é que uma empresa portuguesa compete? Vemos uma Amazon dos Estados Unidos que nos envia produtos para Espanha. Ainda não chegou cá, Portugal está um bocadinho protegido nisso, mas a minha mensagem é: vai chegar. As empresas norte-americanas e as chinesas vão chegar ao retalho, consumo…

As empresas nacionais devem ter medo?

Definitivamente. Não necessariamente ter medo, porque é concorrência aberta, mas da forma como vejo as coisas, as empresas portuguesas devem focar-se na experiência, em ter a melhor relação com os clientes, em ter o melhor produto e a melhor marca. E nos seus trabalhadores. Algo que sempre marcou a concorrência foi ter o talento-chave. A minha principal mensagem é essa: a concorrência vai crescer. Além disso, caso se sinta que a recessão vai chegar vai tornar-se mais complicado. A experiência é significante, e se não competirem em termos de experiência então competem com a base. Num grande estudo que fizemos sobre isto, 70% dos CEO disse que dava uma boa experiência aos seus clientes, mas apenas 30% se aperceberam disso. Chamamos-lhe “experience gap“.

A concorrência também é sentida no vosso mercado, o do software. Como é que uma empresa portuguesa que desenvolve software consegue escalar neste contexto internacional?

As empresas tecnológicas? É uma boa questão. O que eu acho é que existem poucos players tecnológicos europeus. Se olharmos para as maiores capitalizações de mercado vemos a América, a Ásia… Na Europa há um negócio cloud de cinco mil milhões de euros. A maneira de se demarcarem é serem muito próximas da inovação e do talento certo. O meu receio é que nós não formemos suficientes engenheiros e cientistas de dados nas universidades. Se não tivermos este pipeline, mesmo que a empresa seja fantástica, não consegue escalar. Como é que consegue crescer se não tiver pessoas suficientes? A minha única preocupação é o talento. Na China põem temas como machine learning ou Big Data nos currículos das universidades.

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