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“Se a intenção da AT é ter uma inspeção generalizada tem de dizer”, diz bastonária dos contabilistas

Paula Franco afirma que encriptação pela Casa da Moeda dos dados submetidos ao Fisco é “altamente grave”.
24 Outubro 2020, 18h00

Alguns contabilistas foram pressionados pelos bancos a falsificar declarações sobre a faturação de empresas de forma a terem acesso às linhas de crédito Covid-19, tendo a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) aberto um inquérito disciplinar a onze contabilistas. Como evoluiu esse processo?
Continuamos a ter algumas denúncias e vão sendo agregadas ao processo, que já enviámos para o Ministério Público. Entretanto, recebemos um pedido de informação sobre os contabilistas envolvidos e estamos a tentar responder às questões. A verdade é que estas situações ocorreram, este plano de pressão ocorreu, e esperamos que com a divulgação na comunicação social e com o que a OCC foi comunicando, sejam práticas que tenham ficado naquele período de tempo e não se repitam.

Em última análise, poderão ser expulsos da Ordem?
Se se conseguir provar que efetivamente falsificaram declarações sobre a faturação de empresas, depois serão analisados os atenuantes. Se houver situações de alguma prática anterior semelhante poderão levar, ou não, à expulsão.

Recentemente, defendeu que o decreto-lei que descaracteriza os dados que são enviados à Autoridade Tributária (AT), que ficou a cargo da Casa da Moeda, para efeitos de envio do SAF-T, não é exequível e que tem de ser alterado ou revogado, e disse também que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais mostrou alguma sensibilidade. Que desenvolvimento teve este processo?
É um processo controverso e que não nasceu bem. Tinha de haver logo uma inclusão de todas as partes para se avaliar a exequibilidade do decreto-lei. A OCC esteve a acompanhar todo o processo, no sentido de o respeitar uma vez que era uma norma legal, mas a meio do processo percebemos que não é honesto. É um decreto-lei que não respeita a lei de bases [Lei nº119/2019, de 18 de setembro], nem a razão que lhe deu origem e isso suscitou muita desconfiança. O desrespeito da lei não é algo com que sejamos coniventes. Apercebemo-nos de que vale tudo para este processo, o que não nos agrada e, enquanto assim for, não terá o nosso acompanhamento.

A encriptação, pela Casa da Moeda, dos dados que são enviados para AT não é uma boa medida?
Parece-me que é altamente grave no sentido de desconfiar das empresas e dos contabilistas e isso deixou-nos muitíssimo desconfiados quanto a este processo. Foi um processo com pouca transparência mas acreditámos na boa-fé da AT e acompanhámos o processo, vindo a verificar que o que se está a passar leva-nos a desconfiar muito das intenções deste processo. Os processos têm de ser claros e transparentes e se a intenção da AT é ter uma inspeção generalizada, tem de o dizer, com clareza e transparência, não é com subterfúgios nem com diplomas que extravasam a lei de bases e que vêm trazer desconfiança a todos os intervenientes.

Qual seria a posição dos contribuintes?
É um pouco igual a esta, eu diria que ainda é de desconfiar mais em relação a esta norma. Mas como são questões muito técnicas, os contribuintes e as empresas têm alguma dificuldade em perceber, até nós contabilistas, porque nada disto é transparente. Andamos nisto há muito tempo, e há muitas coisas que não temos esclarecidas sobre o processo. Como é que os contribuintes vão perceber uma questão tão técnica? O que eles percebem é que os dados todos vão para a AT e isso não lhes parece que seja correto, é neste ponto que estamos. Agora, do ponto de vista técnico, há muita coisa que não está esclarecida.

É essa desconfiança que cria separações entre todos os intervenientes.
Repare, se não se conhece um processo, desperta medo. Não é que os contabilistas tenham qualquer receio, mas há questões que têm de ser respeitadas, são questões de princípios. São os contabilistas que produzem demonstrações financeiras, não tem de ser a AT a fazê-lo. Se querem os dados, levem-nos. Mas não substituam tarefas técnicas e que se substituem por uma submissão de um ficheiro que é o contabilista que pode alterar quando há questões que saem dos sistemas informáticos. Os sistemas informáticos ainda vão demorar muito tempo a ajustar-se a esta realidade, nem sei se algum dia conseguirão – a impraticabilidade também tem a ver com isto.

Está a entrar no último ano do seu mandato. Que balanço faz?
Faço um balanço muito positivo que correspondeu aos nossos principais objetivos, mas os contabilistas é que terão de avaliar. Nós tínhamos um grande objetivo, que era não estragar o que tinha sido feito e não deixar de ter os serviços que os membros tinham e fazer mais e melhor. A nossa missão tem sido essa e aumentámos os serviços e o património da Ordem. Os financiamentos diminuíram consideravelmente e temos feito um esforço em termos financeiros para a estabilidade da instituição. Tínhamos também o grande objetivo de alinhar a proximidade dos membros da instituição e isso também parece que tem sido um ponto forte desta liderança. Claro que com a pandemia acabámos por estar um pouco mais distantes mas através das redes informáticas, com as nossas reuniões livres no YouTube, acabamos por estar muito presentes na vida dos contabilistas e estes presentes na vida da Ordem.

Que objetivos faltam atingir?
Temos o artigo 32 do RGIT, questões de princípio que estão a acontecer agora, uma melhor justiça fiscal, um melhor calendário e a diminuição de algumas obrigações que são repetidas e que não fazem qualquer sentido.

Mantém a vontade de se candidatar a um segundo mandato?
Sim, neste momento diria que sim. Ainda falta um ano e muita coisa acontece. Quando me apresentei na minha primeira candidatura disse que o faria por oito anos, portanto, dois mandatos. Tudo leva a crer que sim e é essa perspectiva que tenho.

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