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“Se Paulo Gonçalves fosse condenado, demitia-me”, diz Rui Gomes da Silva

A seis meses das eleições no SL Benfica, o único candidato conhecido promete trazer a democracia para o clube e considerou “triste e lamentável” a OPA à SAD. Sobre o caso e-toupeira, aguarda pelo julgamento do ex-assessor jurídico das ‘águias’.
30 Abril 2020, 09h45

O advogado espera ter Luís Filipe Vieira como candidato às eleições de outubro, a “não ser que não o deixem”. Em entrevista ao JE fala ainda sobre o processo da OPA e do famoso artigo do “NY Times”.

Como analisa o artigo do “New York Times”?
Com alguma preocupação, confesso. Não tanto pelo que lá vem, pelas insinuações que lá constam, pelas ligações que se tentam evidenciar. Mas acima de tudo, pelo significado que tem o “New York Times” (NYT) ter “perdido tempo” com um assunto destes. E pelo ambiente que poderá criar num futuro próximo, arranjando argumentos do tipo “já o NYT dizia”. Com esse lastro, muitos serão os argumentos hipoteticamente frágeis que ganharão outra força. E isso, sim, preocupa-me muito. Agora, se existe fundamento para esse tipo de análise, acho que não. Ou melhor, espero bem que não!

É aceitável que o Benfica seja confundido com o aparelho de estado português, como acontece neste artigo?

Não é, de todo em todo, aceitável essa confusão. Acho, mesmo abusiva! Houve tempos em que o futebol gostava de viver paredes meias com o poder, e o poder “pelava-se” por aparecer no futebol e fazer parte das suas estruturas. Sempre defendi o contrário. Em 1997, quando concorri a vice-presidente para o futebol não estava na política, e enquanto estive como vice-presidente do Benfica (entre 2009 e 2016) nunca participei ativamente em nenhuma campanha e, muito menos, desempenhei qualquer cargo político. O que não quer dizer que renuncie às minhas convicções, como alias, nunca renunciei à minha paixão pelo Benfica, nos 22 anos em que desempenhei cargos políticos (incluindo quando era ministro). Hoje, fruto de um maior escrutínio da vida pública, nota-se um maior distanciamento entre governantes, entre titulares de cargos políticos e as estruturas do futebol. O que lhe posso dizer é que essa ideia tem sempre a mesma origem. Talvez para tentarem disfarçar o facto de, a par das reconhecidas e públicas ligações do Sporting (quem não se lembra de Góis Mota?), o Porto ter sido ser um verdadeiro clube “de regime” do Estado Novo. Urgel Horta, Angelo César ou Cesário Bonito, dirigentes Porto, são exemplos dessas ligações, tendo conseguido, por exemplo, “aligeirar” procedimentos e obter muitos fundos públicos para expropriações do que viria a ser o Estádio deles. A própria data escolhida para a inauguração do Estádio das Antas é, também prova disso mesmo: 28 de Maio de 1952… 26º aniversário da implantação do regime totalitário de onde surgiu o Estado Novo. No polo oposto – como todos reconhecem, muito especialmente durante esse mesmo Estado Novo, o Benfica! Que foi muito protegido, isso sim, muito… mas pelos únicos com legitimidade para o fazer: os seus sócios e adeptos nas bancadas, por todo o Portugal como por todo o lado onde jogue o Benfica!

Como qualifica a reação do SL Benfica?
Muito mais nociva do que a notícia – que, pelo veículo escolhido, não deixará ninguém indiferente – só o nervosismo da reação do Benfica, e uma posterior correção. Há coisas que têm de ser muito bem pensadas. Tanta gente a receber milhões para cometerem erros destes? Mas pelo menos perceberam ao que vinha o artigo do NYT: dar dimensão internacional ao que aí virá. Para não se poder dizer que foi obra do Porto ou do Sporting contra o presidente do Benfica ou contra o próprio Benfica. Se me preocupa? Muito!

Se Paulo Gonçalves for condenado no julgamento do e-toupeira, o Benfica deve processar este ex-funcionário?
Se eu fosse dirigente do Benfica e se Paulo Gonçalves alguma vez fosse condenado, demitia-me. E não estou, com isto a apelar a quem lá está, neste momento, o faça, se isso acontecer porque nunca o farão. Porque nunca sairão do Benfica por decisão própria. Nunca. E por isso encontrarão sempre razões para se tentarem perpetuar no poder, aconteça o que acontecer. Não demorará muitos meses para que isso aconteça. É a minha previsão! Sem ser bruxo nem ter consultado nenhum.

O Benfica não vai cortar ordenados. É sustentável?
Como diria o Warren Buffet “Quando a maré baixa e que se vê quem está a nadar sem calções”. O que não vejo, no Benfica (e, já agora, também não vejo em qualquer outro clube) quem venha falar da realidade que vamos ter que enfrentar. Dos efeitos da Covid-19 no futebol, na economia de que o futebol vive (muito especialmente dessa), como a mais que previsível mudança dos direitos televisivos, da natureza expectável do adepto que temos de conquistar, até das mudanças nas competições. E aí sim, eu sei, estou sempre a repetir-me… o crime de lesa-majestade que o presidente do Benfica cometeu ao privilegiar os negócios da venda de jogadores em relação às participações desportivas na Europa.

Espera que Vieira seja o seu oponente nas eleições?
Espero. Nem me passa pela cabeça outro cenário a não ser que não o deixem! Mas quero defrontá-lo. Sei que vai fugir a debates, que nunca quererá debater comigo as ideias que cada um tem para o Benfica. As dele reduzem-se a duas palavras: betão e vendas. Mesmo que betão possa significar campos relvados, como se o Seixal pudesse formar jogadores até ao infinito. Mesmo que vendas possam significar compras! Vender poucos caro, comprar muitos baratos e assim se vão as nossas hipóteses competitivas na Europa. A ele basta-lhe Portugal para o que quer do Benfica. A mim, aos que acham que o Benfica não é negócio, não! Mas ele não quererá discutir com o apoio dos democratas de sempre que, no Benfica, são verdadeiros defensores do Partido Único. E não em obriguem a dizer nomes! Mas vou a eleições para questionar a utilização dos meios do Benfica na campanha de quem se recandidata e para exigir um controle total sobre o voto eletrónico. Para isso, tenho o apoio dos que são mesmo democratas e dos que não precisam do Benfica para viver. Entre eles, Luís Nazaré que – estou convicto – será o principal garante do estrito cumprimento das regras da democracia no Benfica. E um dia, depois de lá chegarmos, voltaremos a democratizar o Benfica. Para que o poder de quem lá está não possa impedir a possibilidade de perder o poder que tem! Tenho um projeto para o meu clube! Não como entreposto de jogadores, não para distribuir comissões, não para ser igual aos grandes cá dentro e pequeno com os de lá de fora. Quero um Benfica sempre superior cá dentro e igual aos grandes na Europa.

Como caracteriza o processo da OPA à SAD do Benfica?
Triste e lamentável. O processo da OPA dos amigos do presidente como sempre lhe chamei (e que não vejo razões para alterar) foi uma nódoa que nunca mais sairá da lapela de quem a imaginou, de quem a defendeu (embora tenha pena muita pena de alguns que só o fizeram por necessidade ou por não terem capacidade intelectual ou conhecimentos para dela discordarem). Tentaram convencer os sócios que era uma operação a favor do Benfica. Não era, como a própria CMVM veio anunciar. O problema é que se não passou desta vez, quem a pensou e a queria vai precisar de inventar outra qualquer para atingir o mesmo fim. O objetivo de quem manda é ficar com o Benfica para ele e para um grupo de investidores.

Artigo publicado na edição nº 2039, de 30 de abril de 2020, do Jornal Económico

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