Fernando Reino da Costa, CEO da Unipartner, esteve presente na Conferência das Partes (COP28) a convite do Secretariado para as Alterações Climáticas. No regresso, falou com o Jornal Económico sobre a preponderância do digital para a luta contra as alterações climáticas, um dos temas em destaque no evento que decorre no Dubai até esta terça-feira.
Qual é importância, não só para a Unipartner como para o sector da transformação digital, de se fazer representar num evento como a COP28?
Eu diria que é de uma enorme importância. Têm vindo a ser feitos vários estudos sobre o contributo e o impacto das indústrias da informação e da comunicação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O estudo mais recente e que nós acompanhamos, porque foi pedido por uma organização de que fazemos parte, refere que 60% dos ODS só poderão ser atingidos se utilizarmos tecnologias digitais. As TIC, em conjunto, são chave para atingirmos os objetivos do Acordo de Paris e ‘net zero’ de 2050 ou até antes, como várias entidades querem. O digital tem um impacto fundamental. Todo este caminho requer inovação. E o digital é efetivamente aqui uma peça. A Unipartner tem estado a trabalhar com um conjunto de organizações internacionais que ligam o tema da sustentabilidade ao tema do digital. O Global Innovation Hub [do Secretariado para as Alterações Climáticas] junta efetivamente quem necessita de acelerar iniciativas, nomeadamente as cidades. Há uma grande visão de centralidade nas cidades, mas toda a economia em redor é que tem de acelerar a transformação. É o que eles consideram solution providers. As entidades do sector privado, mas que têm soluções que podem ajudar e que devem ser implementadas à escala para realmente atingir os objetivos. É muito importante também vermos que o sector digital (as tecnologias de informação) está a começar a ter um peso muito grande neste caminho.
Fala-se muito necessidade de investir neste tipo de soluções. Foi otimista para este evento? Notou alguma resistência? Acha que as intenções ali comunicadas se vão materializar?
Eu diria que há duas visões, duas leituras. Podemos ter uma mais positiva e uma mais conservadora. O ponto-chave da COP tem a ver com o acompanhar do progresso que o mundo e os vários países têm conseguido atingir e a redefinição da agenda para o próximo ciclo. Temos muita consciência de que há um conjunto de áreas que são as grandes poluentes, que têm um impacto maior, e que são as que poderão vir a inverter a trajetória que estamos a ter. Continuamos a ter aquecimento global. Este ano está a ser o ano mais quente. Os índices de emissões de carbono continuam a aumentar numa trajetória constante. Inverter isto é complexo e só pode ser feito com grande entendimento global e cooperação. Tem de ser um trabalho concertado. Não podemos ter grandes países a fazer determinadas ações e outros a não fazerem. Portanto, eu aqui sou um pouco conservador. Já andamos nisto há 28 anos. Temos de esperar que os líderes consigam ir dando passos neste caminho, que é muito desafiante. Por outro lado, vejo que há muitas ações que podem e estão a ser feitas. A COP não é só a componente mais política de concertação global e de alinhamento dos objetivos. É também um grande espaço de discussão sobre ações concretas, de partilha e colaboração entre diferentes entidades públicas e privadas em diferentes regiões, pois muita coisa tem de ser feita no terreno. Temos de ter uma agenda de iniciativas. A inovação no sector privado e, inclusive, fontes de financiamento. Estive em sessões com o Banco Central Europeu (BCE) e com o Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre ações em países menos desenvolvidos e mais desenvolvidos, para desenvolvimento e implementação no terreno. E grande parte delas tem componentes digitais. Quando se fala de redes inteligentes de energia distribuídas, estas são baseadas em arquiteturas de comunicação e tecnologia digital e IA . Devíamos ter os líderes a articularem-se. A economia tem de continuar e está a adaptar-se ao implementar tecnologias mais verdes, a ajudar a mitigar um determinado tipo de ações que vão ser mais constantes, a nível de aquecimento, a nível de catástrofes, etc. Há muita ação a acontecer hoje que tem estes vetores. Vejo muitas entidades que querem implementar ações. Depois, há aqui um vetor que ajuda: os governos e a União Europeia começarem. Não só um governo individual, mas outro tipo de entidades mais alargadas começarem a pôr em cima da mesa também regulação; haver componentes de Compliance que obriga a que, coletivamente, sejamos obrigados a dar alguns passos. E isso gera também muitas iniciativas, muita mudança nas organizações. Precisamos dos nossos líderes a tomar decisões muito difíceis, que impactam muito nas ambições individuais de cada país e nas suas economias. E esse é realmente o desafio.
“Creio que a emergência climática não é consensual, pelo que os esforços não estão a ser realizados ao ritmo que seria necessário”, escreveu recentemente no LinkedIn. Como é que se pode explorar o potencial da inovação perante estes constrangimentos?
Sobre o tema da transformação digital, mais do sector de uma forma global, uma das coisas em que pode ajudar realmente (dados e Inteligência Artificial) é ao disponibilizar informação para percebermos onde é que nós estamos. E com a IA hoje e com a simulação conseguimos perceber onde é que poderemos estar. Estive numa sessão onde havia uma plataforma a fazer simulações sobre impactos de aquecimento. Há muito pouco tempo se calhar nem imaginaríamos que o ChatGPT era possível. O que está a ser desenvolvido nesta matéria é tremendo e permite-nos, portanto, ajudar na capacitação e na mitigação, mas também na consciencialização. Começámos a perceber que o impacto é enorme. Todas [tecnologias] contam para mudarmos, obviamente, a nossa forma de estar, de trabalhar, etc. E torná-la mais efetiva, mais amiga do ambiente, de uma forma global. Porque, no final do dia, nós queremos um planeta melhor para podermos continuar a viver, nós e as próximas gerações. Fica mais claro para todos o impacto que as tecnologias têm de facto e como podem ser usadas como uma ferramenta para expor a informação que já está disponível ou está a ser trabalhada neste momento. Acho que é de uma grande responsabilidade e temos de continuar neste trajeto.
Como é que o percecionam o vosso poder (TIC)? Podemos falar de um lobby do sector da tecnologia? Como é que se posicionam ao lado de outros atores políticos e do setor energético?
Em relação ao tal lobby, eu vejo com bons olhos, obviamente. Este ano estive em sessões com vice-presidentes da Microsoft, o próprio Bill Gates esteve presente, estive com uma vice-presidente da Google. As Nações Unidas lançaram o Global Innovation Lab, com empresas tecnológicas, com empresas de energia. Uma Unipartner a ser convidada para lá estar, que é um orgulho tremendo, e para estar a falar efetivamente de alguns exemplos para estimular o tema. As tecnologias de informação são chave para recolhermos informação, monitorizarmos o progresso e tomarmos decisões sobre a redução de emissões. Hoje, todas as organizações, até as que se estão a comprometer para os objetivos do Acordo de Paris 2030 ou 2050, ou até antes (há organizações que estão a comprometer a chegar à meta mais cedo), para efetivamente o fazerem de forma com confiança no mercado e de forma clara, têm de estar a recolher informação e mostrar de forma estruturada quais são as emissões que têm. Não é só preencher um relatório de sustentabilidade e dizer que estamos a chegar lá. E isto é feito com tecnologias de informação. São várias as organizações de grande dimensão que estão a querer implementar tecnologias de dados e de IA para elas próprias poderem recolher informação, terem todos os dados e saberem efetivamente onde é que têm emissões, onde é que elas estão, e perceberem se estão a reduzir, se as suas ações individuais estão a provocar efeito… E até fazerem a análise. Se eu fechar uma fábrica, se eu fechar dez balcões, qual é o impacto que eu vou ter nas emissões? Mas, para isso, é preciso ter tudo muito estruturado internamente para poder tomar decisões e fazer, também, o reporte de Compliance, se for obrigado, ou o reporte não obrigatório. Porque há várias entidades, nós próprios fazemos parte desse grupo, que fazem reporte proativo das emissões.
Regressado da COP28, depois de tudo aquilo a que assistiu, como olha para o panorama da implementação destas soluções em Portugal? O que há a fazer?
Em relação a Portugal, sinto orgulho em ver o que temos vindo a fazer comparativamente com outros países, mesmo da União Europeia. Mas temos de ir a vários vetores. Um dos vetores, o que tem mais impacto a curto prazo, são os sectores mais poluentes. E um deles é, claramente, o da energia. Portugal, se não me engano, já ultrapassou os 60% a nível de renováveis. É um orgulho enorme vermos que estamos nesse patamar. Estamos a olhar para o gás como complemento e o carvão já é algo para o qual não queremos olhar mais. E não é exatamente isso que temos pela Europa. Entretanto, o que eu vejo também, ainda de forma positiva, é uma sensibilização gradual da sociedade sobre esta temática e o facto de começar a haver ações concretas de transformação nos vários sectores de uma forma global. Nós estamos a aderir muito mais, se calhar, do que outras entidades à mobilidade elétrica. Há uma preocupação muito mais constante em Portugal também a nível da reciclagem. O tema da economia circular é outro desafio tremendo. Ouvi um comissário a referir que é um ponto fundamental, porque não podemos continuar a consumir matéria prima do nosso planeta como consumimos. E, claramente, aumentar o caminho da economia circular, e aqui temos dado alguns passos. Agora, podemos dar muitos mais passos em Portugal. Há ainda outro vector. As organizações de grande dimensão conhecem muito bem os temas e precisam de gerir bem os dados de todo o seu caminho e ter um reporte, que está cada vez a ser mais exigente do ponto de vista de regulamentação, muito transparente e claro, baseado em tecnologia para poderem acompanhar estes dados. Mas toda a cadeia de valor – e esta é uma questão muito importante – precisa de estar a seguir os mesmos objetivos. Acho que um dos desafios que vamos começar a ter cada vez mais em Portugal, ainda não há regulação para as médias empresas não cotadas e para as pequenas também, é que elas próprias comecem a fazer o próprio trajeto. Acho que aí que estamos atrasados. As grandes empresas e as grandes organizações já estão num determinado patamar, e de repente há efetivamente alguma baixa de maturidade, e essa baixa de maturidade vai ter impacto, porque as médias empresas são fornecedoras das grandes. As grandes vão precisar, e já precisam de perceber, qual é o impacto das suas cadeias de valor. Estamos todos em rede e aqui em Portugal sinto que há um conjunto de atrasos.
Que ideias trouxe da conferência?
Há uma grande presença, este ano, claramente, das grandes organizações de tecnologias de informação. Há uma grande consciência, uma grande partilha. O tema da inovação e das tecnologias de informação é chave. Acho vai estar cada vez mais mais presente. Por outro lado, o impacto que o IT tem no green. Mas o IT também tem de ser mais green, que é o outro vetor. As próprias tecnologias de informação, os dados e o crescimento dos dados está a provocar também emissões. Está a consumir muita energia. Portanto, e aqui há um vetor que tem vindo a ser falado, em que a centralização que está a ser feita em grandes Clouds é chave também para este aspeto, porque provoca redução de emissões. Ainda temos muitos Data Centers distribuídos em todas as geografias do mundo, em Portugal, inclusive. E, realmente, os grandes Data Centers têm um impacto tremendo. Quem faz uma mudança de um Data Center central para a Cloud, para além de um conjunto de outros benefícios, provoca logo uma redução de emissões. Pelo consumo de energia, pela circularidade da utilização dos equipamentos que são levados a um fim de vida muito maior, pela parte do arrefecimento, pela recuperação, inclusive, do calor. É uma das mudanças que estão a acontecer.
“61% Objetivos de Desenvolvimento Sustentável podem ser resolvidos através de soluções digitais”, concluiu um estudo da Deloitte e GeSI. Como olha para esta conclusão? Considera que o investimento nesta dimensão está entre os temas prioritários dos líderes da indústria?
A conclusão é clara, as tecnologias digitais desempenham um papel fundamental neste aspeto, pelo impacto direto nos ODS e porque têm a capacidade de escalar rapidamente e tornar global uma determinada solução. As tecnologias digitais são hoje parte integral de todas as áreas e sectores e o motor central no que diz respeito à inovação, pela melhoria na eficiência, ou mesmo pela redução de custos. Contudo, o impacto positivo que estas têm nos ODS das organizações é uma dimensão pouco conhecida e considerada nos processos de decisão e mesmo de reporte. A título de exemplo veja-se o caso das tecnologias digitais, de informação e comunicação, que nos permitem hoje trabalhar remotamente e que rapidamente se tornaram globais. Vejamos também os diferentes serviços digitais do sector público e privado acessíveis remotamente e sem recurso a papel. Bem como os projetos de inovação e reengenharia que têm vindo a ser implementados nas organizações, otimizando processos internos e das suas cadeias de valor. São vários os exemplos e tecnologias com impacto nos ODS, mas, por fim destacaria uma tecnologia que podemos considerar transversal, a Cloud. Infraestruturas locais têm maiores emissões, requerem muito mais recursos e têm desafios ao nível da gestão e segurança. Com a sua substituição por soluções baseadas na Cloud, as organizações podem aceder de forma imediata às inovações, tornar-se mais ágeis e flexíveis, ser céleres na adoção e mais eficientes na energia que consomem. A redução de emissões de CO2 provocada pela transição de um Data Center para a Cloud é hoje facilmente quantificável e deve fazer parte dos relatórios de sustentabilidade e do plano e compromisso de cada organização para com os ODS. Considero que os líderes têm o dever de analisar as conclusões retiradas e repensar a sua estratégia e plano de iniciativa de transformação das suas organizações. Tornar uma organização alinhada como os ODS, e com os objetivos de 2030 e 2050, antecipando a legislação ambiental cada vez mais rigorosa é um desafio que acredito trazer valor e diferenciação, muito para além do Compliance.
Quais os principais obstáculos que a indústria encontra no desenvolvimento destas soluções digitais?
O sector das TIC em Portugal tem vindo a dar o primeiro passo, de se comprometer cada vez mais com os ODS. Porém, existem desafios que devemos considerar nesta fase, que considero inicial. O primeiro prende-se com a materialização do compromisso individual de cada organização com as metas de 2030 e 2050 e a implementação de uma estratégia para lá chegar. Tal exige o levantamento da situação atual, entre outros ao nível das suas emissões, o planear de iniciativas que promovam a redução e o atingimento dos objetivos e, por fim, o acompanhamento anual e transparente deste trajeto. Em segundo, e bastante desafiante, prende-se com os serviços e soluções que o sector das TIC prestam ao mercado. Como referimos, estes serviços e soluções têm o poder de contribuir fortemente para os ODS, no entanto é necessário conhecer e medir este impacto e partilhá-lo com as organizações que pretendem implementar tais serviços e soluções, para que estas possam considerar as iniciativas Digitais como um contributivo para os seus próprios objetivos. Na Unipartner, temos vindo a dar passos sólidos em relação ao nosso próprio compromisso, nomeadamente com organizações como o GeSI do qual somos membros, e é com orgulho que partilho que fazemos parte do Board 2023-26 recentemente eleito. Juntamente com empresas como Deutsche Telekom, a Verizon, a DELL, a Deloitte e a Accenture, entre muitas outras, o GeSI, debate regularmente questões o impacto positivo das diferentes soluções digitais, a redução da pegada de carbono, a gestão responsável de recursos, a promoção de soluções e tecnologias verdes, a transição digital e a acessibilidade. De forma transparente, reportamos as nossas emissões e os nossos esforços para evoluirmos na framework Digital with Purpose do GeSI, no qual já atingimos nível Pioneering, terceiro nível de quatro deste processo de certificação auditado anualmente pela EY.
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