[weglot_switcher]

Segurança privada quer regressar ao crescimento no próximo ano

“Com as alterações introduzidas com a publicação da Lei nº 34/2013 assistiu-se a uma substancial redução do número de empresas que atuavam no sector, cifrando-se hoje em pouco mais de seis dezenas”, contra as cerca de 100 anteriormente, diz ao JE Paulo Maia, presidente da AESIRF. Mesmo assim, cerca uma dezena das empresas domina cerca de 90% do mercado, segundo fontes.
24 Outubro 2021, 16h00

O sector da segurança privada está a recuperar do choque provocado pela crise pandémica, que resultou numa perda da atividade empresarial, com menos e menores clientes, e laboral, com menos postos de trabalho disponíveis, como explica a secretária-geral da Associação das Empresas de Segurança (ver entrevista neste Especial). Os agentes do mercado estão otimistas quanto ao processo de recuperação e acreditam que 2022 será o ano de um regresso ao possível normal, ainda que tenham de enfrentar problemas já conhecidos, como os relacionados com o esmagamento de margens, as vendas abaixo do preço de custo, a falta de fiscalização, e, claro, os diferendos com a interpretação da lei, que se têm tornado visíveis.

A pandemia teve como efeito direto para as empresas de segurança a perda de postos de vigilância em sectores como os do cinema e teatro, eventos, aviação, turismo e restauração e também no negócio da noite que ainda hoje continua fechado. “Houve uma manifesta diminuição do volume de serviços prestados em todos os sectores de atividade”, diz a secretária-geral da Associação das Empresas de Segurança (AES). Em contraste, verificou-se um crescimento da atividade em espaços do Estado, nomeadamente em locais relacionados com a saúde, mas sem dimensão para compensar as perdas nos restantes sectores.

O sector tem mudado, nos últimos anos, mas não de forma abrupta. “Com as alterações introduzidas com a publicação da Lei nº 34/2013, de 16 de maio, assistiu-se a uma substancial redução do número de empresas que atuavam no sector, cifrando-se hoje em pouco mais de seis dezenas”, contra as cerca de 100 anteriormente em operação, diz ao Jornal Económico (JE) Paulo Maia, presidente da AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança. Mesmo assim, cerca uma dezena das empresas domina cerca de 90% do mercado, segundo fontes do sector.

 

O número de profissionais ultrapassa os 38 mil.
O Estado, diretamente ou através de diferentes organismos, continua a ser o grande cliente, potencialmente aquele que todos desejam. E é nesta relação de concorrência que o mercado e onde surgem críticas e acusações de vendas abaixo do preço de custo (dumping), mesmo em processos que têm instituições estatais como intervenientes.

E é aqui que empresas de topo, que surgem nos primeiros lugares dos rankings do sector, perdem clientes a favor de empresas que estavam a meio da tabela.

“Não obstante a redução verificada, a verdade é que continua a existir um elevado número de empresas no mercado que manifestamente não possuem condições para operar, como se verifica pela análise da rentabilidade dos capitais próprios das empresas do setor, que continua a ser negativa”, diz Paulo Maia. “Acreditamos que uma verdadeira moralização do sector apenas poderá ocorrer quando o Estado proibir e penalizar efetivamente quem contrata com prejuízo”, acrescenta.

 

Segurança humana como commodity
Facto é que, num mercado dominado por um cliente com um poder significativo, a segurança privada é tratada como uma commodity. Afirmava o administrador-delegado da Securitas, Rui Araújo, que “um bom serviço de segurança é cada vez mais a análise do risco e construção de soluções integradas”.

Os dois últimos anos foram de crescimento da faturação para quem manteve os clientes, até porque o preço/hora subiu devido a um acordo generalizado de aumento dos proveitos dos colaboradores. Claro que a pandemia alterou as perspetivas e a tendência será voltar à situação pré-Covid. Entretanto, e por acordo entre associações do sector (existem duas, AES e AESIRF) e os sindicatos foi feita a atualização de vencimento ao longo dos dois últimos anos, tendo sofrido uma atualização estimada em 21,75%. Este aumento que já estava acordado conjugado com a perda de clientes e postos de trabalho devido à pandemia resultou em descida de preços para alguns clientes e na degradação das condições financeiras das empresas. Gestores contactados pelo JE indicam que a margem líquida numa empresa média que cumpre todos os requisitos ao nível de pagamentos para a segurança social, impostos e seguros não excederá os 3%! O nível de preço/hora dos trabalhadores que passou a fazer parte de um acordo alargado resultou numa perda de faturação das empresas maiores a favor de empresas que estavam no meio da tabela.

Acresce que as empresas de segurança humana não conseguiram, na generalidade, o recurso ao lay-off, dado que a redução de horário não se encaixava na exigência do sistema de apoios, sendo que operadores nos aeroportos terão sido a exceção. O resultado para a generalidade das empresas foi de centenas de milhar de euros de perdas, entre outubro do ano passado e março deste ano.

Por outro lado, as compras do Estado continuam a ser feitas na base do preço, quase em exclusivo. Refere ainda Rui Araújo que a seleção de concorrentes aos serviços públicos “falha na seleção e fiscalização dos prestadores, o que resulta na maioria das vezes em fragilidades na garantia da segurança das suas instalações, sendo que, um número considerável delas são infraestruturas críticas”. Fontes do sector continuam a falar de dumping, aliás, como a secretária-geral da AES, que apontou o incumprimento da lei como o principal problema do mercado e é clara em dizer que “o Estado e as entidades públicas são quem mais adquire serviços de segurança privada a empresas que não respeitam os valores mínimos legais”.
Esta concorrência deturpada terá levado a que empresas grandes tivessem perdido valores superiores a 20 milhões de euros cada uma.

 

Fusões e aquisições
O mercado tem registado o interesse de algumas (poucas) novas empresas em entrar neste sector de atividade. Com um ranking estático, embora com alterações pronunciadas no volume de faturação entre as 10 primeiras empresas a operar no país, há interesse, segundo fontes do sector, em companhias com gestores mais antigos em encontrar uma solução sucessória. Por isso, a possibilidade de existirem operações de concentração é sempre um tema recorrente.

“A eventual concentração de empresas deverá ocorrer, não para dar resposta a necessidades do mercado, mas como um processo natural de sobrevivência das organizações efetivamente capazes de criar valor para todos os stakeholders”, diz Paulo Maia ao JE.

De qualquer forma, a procura de empresas implica um EBITDA [resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) superior a um milhão de euros e no mercado luso é difícil de encontrar pretendentes.
Esperava-se um novo player com a venda a Esegur à espanhola Trablisa, um negócio que poderá acontecer a qualquer momento, muito embora o transporte de valores tenha sofrido um decréscimo grande durante o período da pandemia com o forte crescimento do uso de cartões, nomeadamente os “contactless”. Mas também se fala de um grupo francês a entrar no mercado português.

A possibilidade de fusões está sempre em cima da mesa, embora as condições financeiras das várias companhias e escassa geração de resultados não sejam propícias a essa evolução.

“A entrada de novas gerações, como os millenials, vem trazer novas abordagens e conhecimentos, que elevam os desafios para as organizações existentes, impulsionado pelo aumento de soluções inovadoras na segurança eletrónica, sem esquecer o desenvolvimento de soluções na indústria portuguesa que limitem a excessiva dependência de mercados externos”, refere José Carlos Marques da Costa Dias, presidente da APSEI – Associação Portuguesa de Segurança.

Em sentido contrário está uma empresa de pequena dimensão, a Anthea, que há um par de meses anunciou a entrada nos Emirados Árabes Unidos e em Espanha. A Anthea ganhou reputação com a segurança privada a figuras públicas como Cristiano Ronaldo, Lapo Elkann, Cristina Ferreira e Kelly Slater. A empresa liderada por Gonçalo Salgado quer posicionar-se naquilo a que chama de “mercado premium” e aproveita a entrada no país de estrangeiros e expatriados.

 

Futuro tecnológico
As empresas continuam a digerir as consequências práticas do efeito Covid, sendo que a pandemia criou constrangimentos às empresas que moderaram os gastos e a vigilância humana entra como custo recorrente. Por outro lado, com o teletrabalho as empresas passaram a olhar para o seu espaço com uma outra dinâmica e de uma forma diferente. As implicações de uma nova reorganização pós-Covid significa, em muitos casos, menos espaço de escritório tal como os conhecemos hoje e isso tem implicações ao nível da segurança.

O “novo normal”, o período pós-pandemia, pode abrir uma janela para aquela que é a dinâmica dos sistemas e da digitalização de processos. Desmaterializou-se a necessidade de pessoas estarem presentes e alguns tabus consagrados na indústria tornaram-se irrelevantes, porque há uma nova oportunidade para poupar. Referia um gestor do sector que o Covid-19 não trouxe tecnologia adicional, apesar de ter acelerado tendências, mas veio abanar as mentes das pessoas.
E no mercado é claro que a tecnologia está cada vez mais presente e é atendência de evolução identificada na generalidade dos mercados (ver texto sobre o tema neste Especial), incluindo em Portugal.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.