O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevê um conjunto de investimentos com potencial de desenvolvimento económico e social. Trata-se, desde logo, de um envelope financeiro considerável. Portugal é o 4.º país da UE mais beneficiado pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência europeu, cabendo-lhe 12,9 mil milhões de euros em subvenções e 15,7 mil milhões de euros em empréstimos.

Com o montante das subvenções e conforme estipulado no PRR, o Governo vai financiar ligações transfronteiriças, habitação condigna para 26 mil famílias, novos transportes urbanos, meios complementares de diagnóstico, mais de 8.000 camas de cuidados integrados e paliativos, meios aéreos para combate a incêndios…

Enfim, há de facto muitos projetos com óbvio interesse público no PRR. Mas são sobretudo investimentos do Estado e para o Estado, ainda que possam ter retorno no tecido empresarial. Naturalmente que melhores vias e transportes, uma Administração Pública digitalizada ou um desenvolvimento mais sustentável trazem benefícios de contexto para as empresas. E estão até previstas medidas mais focadas no sector privado, como a requalificação de competências digitais na indústria, os apoios à cooperação academia-empresas e alguns incentivos à transição digital.

Contudo, muitos dos projetos previstos só produzem impacto no tecido empresarial de forma indireta, como os que aqui referi, e as verbas consignadas para a capacitação das empresas representam uma pequena fatia do bolo financeiro do PRR.

Para a área do Potencial Produtivo, que reúne o investimento em inovação e qualificação profissional, estão destinados apenas 2.500 milhões de euros, sendo que só uma parte desta verba visa efetivamente a capitalização das empresas. Ou seja, o dinheiro é escasso e muito dele não é canalizado diretamente para o tecido empresarial.

Parece-me por isso que o PRR encerra uma estratégia eminentemente estatista, em que os apoios diretos às empresas são preteridos em favor de grandes investimentos públicos.

Para justificar esta opção, não colhe a ideia da suposta incapacidade ou indisponibilidade de investimento do sector privado. Importa lembrar como os anteriores pacotes de fundos europeus foram determinantes para a modernização dos sectores tradicionais (têxtil, calçado, metalurgia, moldes, agricultura, turismo, etc.), que assim reforçaram a sua competitividade e aumentaram as suas exportações.

Apesar de importantes, os apoios públicos à retoma das empresas são ainda insuficientes para mitigar os devastadores efeitos socioeconómicos da pandemia. Compreendem-se as cautelas do Governo, considerando o risco de descontrolo da dívida pública. Mas esperar-se-ia que os novos fundos europeus compensassem a falta de bazuca do Estado português, e isso parece não estar a acontecer.

Por outro lado, também seriam desejáveis medidas mais ambiciosas no capítulo fiscal, à semelhança do que está a ser feito para estimular a procura, com a devolução ao consumidor de parte do IVA das faturas nos sectores do turismo e cultura.

Para além de estimular a procura, há que garantir condições para as empresas normalizarem a oferta. Num recente inquérito da Deloitte junto de mais de cem empresas, a carga fiscal, os custos de contexto e a burocracia eram apontados como os principais obstáculos à retoma das empresas e à preservação do emprego. Logo, devem ser estas as áreas prioritárias de uma estratégia reformista e orientada para o sector privado.