Em 1957, Albert Camus, no seu discurso de aceitação do Prémio Nobel afirmou: “Sem dúvida que cada geração se entende condenada a ter que refazer o mundo. Contudo, a minha sabe que não reconstruirá o mundo. Mas, a sua tarefa é porventura um pouco mais pesada. Essa tarefa consiste em impedir que o mundo desapareça”.

Tempos de guerra fria, de um mundo a preto e branco, de uma certa détente do terror, de guerras localizadas e de um continente inteiro em mudança e a caminho da construção das suas independências.

Os tempos e as preocupações de hoje são outros.

Não vamos certamente refazer o mundo, e não creio que corramos o risco de desaparecimento. No entanto, há uma questão que atravessa todo o mundo ocidental e que tardamos em resolver. As consequências inevitáveis da evolução demográfica e dos volumes de dívida, nomeadamente de dívida pública.

Parece haver um novo equilíbrio social e geracional a construir e, também, uma maior transparência na informação aos cidadãos.

Todos temos memória de um Estado opaco, que tudo decidia e que tudo justificava com o interesse público.

Sabemos que hoje, felizmente, não é assim. Por isso, quando sabemos todos que a dívida pública portuguesa no final de 2021 totalizava 269,6 mil milhões de euros (bastante acima de 100% do PIB) e lemos notícias que a Segurança Social tem 13,3 mil milhões de euros por cobrar e a Autoridade Tributária tem 23,3 mil milhões de euros nas mesmas circunstâncias, julgamos que, por um lado, se impõe um esclarecimento se assim é, e, por outro, se nos diga o que está a ser feito para recuperar estes cerca de 40 mil milhões de euros.

Já todos ouvimos dizer que as dívidas dos Estados não eram para pagar, mas, pelo menos as dívidas ao Estado talvez devam ser cobradas e pagas, e depressa. Em nome dos nossos filhos e dos nossos netos.

A herança que a nossa geração se prepara para deixar é muito pesada: a dívida pública e privada é alta; os rendimentos dos mais novos são baixos e instáveis; a necessidade de apoio aos mais velhos vai prolongar-se por mais anos e o tempo de não trabalho, após a vida activa, vai ser longo.

Certamente, todos nos lembramos das reformas antes dos 50 anos, da “compra” de tempo para a reforma, dos rendimentos líquidos superiores na situação de reforma, por comparação com a situação de actividade.

Mas, os mesmos, também se recordarão que durante muitos anos tinham que ser os filhos a suportar os pais quando estes deixavam de estar na vida activa, pela simples razão que ou não tinham pensão de reforma, ou ela era muito baixa. E, ainda os mesmos, vivem hoje a situação inversa de ver em muitos casos os avós a ajudarem, directa ou indirectamente, os netos.

Conhecemos muitas mudanças em muito pouco tempo, e as principais estão a chegar.

Já ninguém garante qual a percentagem do último salário que será atribuída como pensão de reforma; a idade em que a vida activa cessa tornou-se indeterminada e indeterminável; voluntariamente, cada vez mais pessoas prolongam no tempo a sua actividade; os mais velhos serão em muito maior número que os mais novos.

Estas realidades exigem um novo contrato social, novas regras, obrigam a reinventarmo-nos! Seremos capazes?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.