[weglot_switcher]

“Era interessante ver as nossas empresas a fazer parcerias com outras europeias e americanas para projetos em Angola”

O Instituto de Conhecimento da Abreu Advogados lança esta quinta-feira o livro “Código do IVA Angolano- Anotado e Comentado”, numa parceria com a Almedina. Ao Jornal Económico, a advogada Mariana Gouveia de Oliveira diz que apesar de as reformas tributárias terem sido positivas, ainda há “um caminho a percorrer”.
27 Maio 2021, 17h10

O Instituto de Conhecimento da Abreu Advogados lança esta quinta-feira o livro “Código do IVA Angolano- Anotado e Comentado”, numa parceria com a Almedina – a sociedade colaborou em mais de 60 publicações com esta editora – que visa descomplicar este imposto e detalhar como este foi um passo decisivo na mudança do paradigma de tributação sobre o consumo em Angola.

Em entrevista ao Jornal Económico, a coordenadora da obra, a advogada Mariana Gouveia de Oliveira, diz que apesar de as reformas introduzidas serem positivas, ainda há “um caminho a percorrer” e defende que uma das prioridades seja reformular a tributação sobre o rendimento das empresas, criando um novo imposto unificado, que abranja também os rendimentos de capitais (IAC) e prediais (Novo Imposto Predial), para evitar “as dificuldades de articulação entre os três impostos. “Um outro aspeto fundamental seria assegurar que os contribuintes conseguem efetivamente obter reembolso dos impostos pagos”, afirma.

Defende que o IVA angolano comunga dos princípios fundamentais e estruturantes de qualquer sistema IVA. Porquê?

O Código do IVA angolano bebe da estrutura base dos sistemas IVA, assente no princípio da neutralidade. Ou seja, ao contrário do que muitas pessoas entendem, os sistemas IVA, por regra, não tributam as empresas mas só e apenas os consumidores finais. As empresas/operadores económicos libertam-se do IVA através do mecanismo da dedução do IVA suportado. É este o segredo do sucesso do IVA, que de uma forma ou de outra se aplica já na maior parte do mundo. Ao ser neutro para os operadores económicos, o IVA não interfere com a organização empresarial, permitindo que as empresas se organizem de acordo com as regras do mercado e não por incentivos fiscais. É fundamental salientar que o legislador angolano procurou adaptar o sistema à realidade do país. Enquanto noutros países lusófonos, como Cabo Verde e Moçambique, a legislação do IVA segue de perto a legislação europeia, principalmente a portuguesa, em Angola procurou-se simplificar o regime, de forma que fosse mais facilmente implementado e fiscalizado. Procurou-se também criar mecanismos muito específicos como a cativação e a retenção do imposto nos terminais de pagamento automático (TPA) para ajustar este imposto à realidade do país.

Volvido mais de um ano desde a Reforma Tributária Angolana, que retrospetiva faz desta alteração legislativa?

A Reforma Tributária Angolana tem sido um processo longo e complexo, pois está em curso desde 2010. Muita coisa mudou desde então em todos os impostos existentes, desde os impostos sobre o rendimento ao património, passando ainda pela justiça tributária e culminando na reestruturação completa da tributação do consumo com a implementação do IVA e os impostos especiais sobre o consumo. Mais do que as mudanças concretas, julgo que houve também alguma mudança de paradigma com Angola a mostrar-se mais moderna e aberta aos mercados exteriores. Uma manifestação inequívoca desta abertura foi a celebração dos primeiros Acordos para Evitar a Dupla Tributação (“ADT”) com Portugal e com os Emirados Árabes Unidos. São, contudo, poucos (estão em negociação mais dois com Cabo Verde e China), e seria necessário um investimento maior nesta área de tributação internacional. Enquanto não existem mais ADT, as empresas portuguesas devem explorar ativamente essa vantagem pois estão numa posição privilegiada para o investimento em Angola. Seria interessante ver as nossas empresas a estabelecerem parcerias com empresas europeias e americanas para o desenvolvimento de projetos em Angola.

Quais são as principais inquietações dos seus clientes, com negócios em Angola, sobre este recente regime tributário?

A primeira inquietação foi sem dúvida o receio que o IVA fosse implementado e que os reembolsos não fossem processados. Esse receio está ultrapassado pois a experiência mostrou que a AGT tem cumprido o prometido e acreditamos que assim se vai manter. Um outro aspeto muito complicado está relacionado com a implementação das obrigações de reporte, associadas à implementação do IVA. Com efeito, paralelamente ao processo de implementação do IVA foi feita uma verdadeira revolução digital no cumprimento das obrigações fiscais, com a obrigatoriedade da organização e partilha de ficheiros SAF-T, certificação do software de faturação. Num país em que a economia informal tinha um peso preponderante, estamos a falar de uma enorme mudança e é fundamental que as empresas portuguesas com investimento em Angola (e bem assim as suas subsidiárias locais) assimilem esta alteração de paradigma e se preparem para um crescimento exponencial da capacidade de fiscalização por parte da AGT.

A consultora NKC African Economics estima que a moeda angolana deprecie mais 10% em 2021, o que vai empurrar os preços para cima, fazendo subir ligeiramente a inflação para 22,4%. Que influência este cenário pode ter nos consumidores e investidores?

As implicações da desvalorização cambial podem ser positivas e negativas, tudo depende da perspetiva e das políticas económicas que forem implementadas. Na perspetiva do consumidor, pelo menos num primeiro momento, a desvalorização cambial implicará a perda de acesso aos bens importados – o que terá um fortíssimo impacto dado que Angola é muito dependente das importações, desde os produtos mais elementares aos mais sofisticados. Mas por outro lado, a diminuição das importações deverá favorecer o aumento da produção nacional da qual o mercado interno passará a depender. Do mesmo modo, as exportações (de outros produtos que não o petróleo) poderão crescer, uma vez que os custos de produção serão mais competitivos. Mas tudo isto só se verificará se a desvalorização cambial for acompanhada de políticas de promoção do investimento no setor produtivo, tanto por parte de nacionais como de estrangeiros. Se a desvalorização cambial for aproveitada como uma oportunidade, poder-se-á gerar um ciclo virtuoso que permitirá aumentar a riqueza nacional e diminuir a almejada dependência do sector petrolífero e das importações.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.