O Instituto de Ciências Sociais divulgou recentemente que “sessenta e um por cento, praticamente 2/3 da população portuguesa, não leu qualquer livro impresso durante o ano de 2020”.
Bem sabemos que os recursos e os apelos são hoje muitos. Os telemóveis dão-nos informação a cada segundo, as televisões invadem o nosso quotidiano, quer nos modelos clássicos, quer nos canais pagos que parecem ter cada vez mais consumidores.
O livro é mais exigente, mas também é mais “compensador”.
Eu gosto de livros, da sua dimensão física, de olhar para a capa, a contracapa, as badanas e ver como foram pensadas e produzidas, gosto de tactear o papel das folhas em que foi impresso, de ver a mancha de impressão e o tipo de letra adoptado pelo editor e pelo autor.
Não tem que ser assim. Não temos que gostar desta pluridimensionalidade dos livros.
Mas temos que ler livros. Ler um livro é, antes de mais, um convite à reflexão e ao autoconhecimento. É um instrumento indispensável para estruturarmos o nosso próprio pensamento, a partir da lógica e da racionalidade que o autor certamente deu à sua obra.
É confrontarmo-nos com convicções, sentimentos, percepções, que podem não ser as nossas, mas que certamente nos desafiam e nos ensinam a olhar para o mundo e para a vida de outra forma.
Neste mundo complexo que vivemos, ler livros é, para além do prazer que da leitura que de cada um se tira, a forma de compreendermos melhor o mundo. De compreender que nem tudo é imediato, que nem tudo tem a duração de um tweet, que o que é verdadeiramente importante é eterno e que os livros, como os amigos, são para toda a vida.
Lidos e colocados na estante ali ficam à nossa espera, à espera de que voltemos ao diálogo com eles. E, quantas vezes, esse diálogo que se retoma anos mais tarde, nos revela um outro livro, uma outra abordagem, uma nova realidade. O livro é o mesmo, será?, os nossos olhos e a polissemia do texto escrito é que nos levam a novas leituras, novas abordagens e a uma permanente descoberta.
Quantos livros flirtei nas montras e nas estantes das livrarias. Com alguns consegui namorar – há uns anos o dote para namorar um livro não estava ao alcance de todos. Porém, chegados à fase do namoro, com todos mantenho longas relações. É uma saudável polibibliofilia.
Aprendi com alguns dos meus professores (Ferro Alves, Gouveia de Carvalho, João Soares, entre outros) que os livros são amigos para a vida, que interpretá-los e compreendê-los é um exercício individual único e que um mundo que não lê livros tenderá a ser um mundo que não se compreenderá a si próprio.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.