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Setor exportador com autonomia financeira mais elevada

Entre o impacto do Brexit e a inovação tecnológica, que abre espaço a fontes de financiamento não tradicional, Filipe S. Fernandes, jornalista e autor do ensaio “Exportações: uma história recente de sucesso”, publicado no Jornal Económico, deixa-nos alguns números que, não sendo uma radiografia, nos dão pistas importantes sobre as empresas exportadoras.
2 Março 2019, 10h16

A autonomia financeira entre exportadoras e restantes empresas mudou muito nos últimos dez anos?

As empresas do setor exportador apresentaram entre 2007 e 2016, níveis de autonomia financeira superiores aos das restantes empresas. Em 2016, o ativo das empresas exportadoras foi financiado em 37% por capitais próprios (nas restantes empresas este valor era de 30%). A distribuição dos valores individuais permite observar que a generalidade das empresas exportadoras evidenciava autonomias financeiras mais elevadas: três quartos das empresas deste setor tinham o seu ativo financiado em pelo menos 14% por capitais próprios, enquanto, no conjunto das restantes empresas, um quarto registava autonomias financeiras negativas em, pelo menos, 9%. Estes dados constam da “Análise das empresas do setor exportador em Portugal 2007-2016”,  feita pelo Banco de Portugal. Em 2016, 13% das empresas exportadoras estavam totalmente dependentes de capitais alheios (ou seja, apresentavam capitais próprios negativos), proporção inferior à registada nas restantes empresas (29%).

O volume de negócios das empresas exportadoras aponta no sentido de um maior dinamismo?

Os vários estudos mostram que as empresas exportadoras apresentam crescimentos superiores do volume de negócios, comparativamente às sociedades sem perfil exportador segundo o estudo “Empresas em Portugal – Resultados definitivos 2017” do INE, para o período 2013-2017. No período 2007-2016, o volume de negócios das empresas exportadoras registou, em média, variações anuais de 4% (contra um decréscimo de 0,5 por cento nas restantes empresas), mostra o estudo feito pelo Banco de Portugal.

De facto, “as empresas exportadoras portuguesas são diferentes das empresas que vendem exclusivamente para o mercado interno, designadamente pelo facto de serem maiores, mais produtivas, por praticarem salários médios mais altos e por apresentarem um rácio de capital por trabalhador mais elevado”, referem João Amador e Manuel Caldeira Cabral num artigo publicado no livro “A Economia Portuguesa na União Europeia: 1986-2010”, de 2015. Mas ainda há um grande caminho a percorrer porque a proporção de empresas que são empresas exportadoras, a intensidade exportadora (valor das exportações nas vendas) e o índice de internacionalização são baixos.

O aparecimento de fontes de financiamento outras que não as tradicionais (capital de risco/business angels) tem-se refletido nos resultados das empresas?

A informação da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal mostra que, no período 2010-2017, o crédito concedido às empresas exportadoras aumentou ou apresentou reduções menos acentuadas do que o crédito concedido ao total das empresas. No final de 2016, a variação anual do crédito concedido foi de 0,9% no setor exportador e de -2,6% no total das empresas. A evolução dos empréstimos bancários concedidos por instituições de crédito residentes às empresas do setor exportador foi, como tal, distinta da registada no total das empresas em todo o período em análise, algo notório igualmente quando avaliados os indicadores de incumprimento. A proporção de crédito em incumprimento nas empresas exportadoras era significativamente inferior à do total das empresas (Gráfico 13). No final de 2016, o rácio de crédito vencido era de 5,3% no setor exportador e de 15,2% no total das empresas.

O recente relatório da OCDE defende, contudo, a necessidade de melhorar o acesso das empresas ao financiamento e à inovação tecnológica, o que abre espaço para as fontes de financiamento não tradicional. Mas o mercado tem inúmeros exemplos de que as private equities, capitais de risco, business angels, capital seed têm privilegiado empresas e startups com vocação exportadora e global. Provavelmente a uma escala menor do que a desejável. Um dos constrangimentos que a OCDE considera estrutural, e que pode condicionar o futuro das exportações, é que as empresas portuguesas “não têm dimensão suficiente para serem exportadoras importantes”, uma vez que a maioria (cerca de 95%) tem dez ou menos trabalhadores.

Sendo o Reino Unido um dos principais destinos das exportações portuguesas, até que ponto o Brexit pode ter impacto nas mesmas?

O Brexit e as tensões no comércio internacional, como as guerras comerciais entre os EUA e a China e outros parceiros comerciais, têm várias causas, uma das quais é a filiação no “neo-protecionismo”, que se tem vindo a acentuar nesta segunda década do novo milénio.

O Brexit, em qualquer das formas que se revista, vai ter impacto na economia portuguesa pois é o primeiro mercado de exportações de serviços, nomeadamente no turismo de sol e praia, e é o quarto mercado das exportações portuguesas de bens. Em cenário de acordo comercial é esperada uma redução do PIB português que oscila entre 0,2% (6º país mais afetado) e os -0,7% (4º país mais afetado). As exportações de Portugal para o Reino Unido poderão cair entre -1,1% até -4,5% nu hipótese de saída com acordo até  -15% até -26% no caso de um hard Brexit.

A indústria a Norte, nomeadamente nas regiões do Minho, e o Algarve, com o turismo, são as regiões onde poderá haver maior impacto em termos de exportações. Mas as empresas portuguesas têm vindo a diminuir a sua exposição ao mercado britânico. Entre 2013 e 2017, estiveram envolvidas na exportação de bens para o Reino Unido 4.421 empresas portuguesas, das quais 1.577 o fizeram em todos os anos do período. Com base nos resultados provisórios de 2017, o número de empresas portuguesas exportadoras de bens para o Reino Unido ascendeu a 2.883 naquele período, mais 107 empresas face ao ano anterior, saldo resultante de 543 “novos exportadores” e 436 “exportadores perdidos”, em relação ao universo exportador de 2016.

Em 2017, as 2.883 empresas exportadoras de bens para o Reino Unido, 53 empresas (1,8% do total) exportaram individualmente acima de 10 milhões de euros, num total de 2.068 milhões de euros, o que corresponde a 56,8% do total exportado em valor.

Estes dados de um estudo feito pelo AICEP, “Empresas Portuguesas Exportadoras de Bens Análise de Exposição a Mercados Externos Reino Unido”, Setembro de 2018, mostram ainda que, no ano passado, as empresas portuguesas exportadoras registaram, em média, uma exposição de 28,4% ao mercado britânico, o mais baixo dos últimos quatro anos, e inferior à média de exposição nacional (42,2%). Além disso, somente 4,3% do número de empresas (123 empresas), a que corresponde 6,1% das exportações totais em valor, concentra pelo menos 76% das suas exportações totais mundiais no mercado britânico.

Pode ler aqui o ensaio “Exportações: uma história recente de sucesso”.

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