Para esta semana, não posso deixar de comentar, em maior pormenor, a (na minha opinião bizarra) proposta de alteração ao Código do Trabalho sobre a atividade sindical nas empresas (art.º 460.º do Código do Trabalho).
Preliminarmente, e como declaração de interesses, tenho a dizer que nada tenho contra a atividade sindical nas empresas, aliás, antes pelo contrário, na medida em que, devido à minha atividade profissional como advogado na área de Direito do Trabalho, o exercício da minha atividade encontra-se todos os dias intrinsecamente ligada ao trabalho sindical e especialmente junto de Digníssimos meus Colegas Advogados, que fazem um trabalho fantástico ao defender os direitos e interesses dos trabalhadores sindicalizados e pelos quais tenho o maior respeito, apreço e cortesia profissional.
Não obstante, não posso deixar de comentar com os leitores o que me vai na mente face à alteração proposta ao art.º 460.º do Código do Trabalho.
Para facilidade de referência do leitor, a redação atualmente que regula a atividade sindical nas empresas diz simplesmente “Os trabalhadores e os sindicatos têm direito a desenvolver actividade sindical na empresa, nomeadamente através de delegados sindicais, comissões sindicais e comissões intersindicais”.
Com efeito, a atividade sindical sempre teve por subjacente, na sua génese (e bem), a defesa dos direitos e dos interesses dos trabalhadores e o exercício da atividade sindical por intermédio dos trabalhadores e dos seus representantes. Por outro lado, com o passar dos tempos, também não podemos ignorar que as organizações sindicais foram sendo objeto de um grau de exposição (e influência) crescente junto das mais diversas forças de natureza política…
Sucede que, o Governo da República propõe agora alargar a organizações sindicais que, mesmo que não tenham qualquer trabalhador sindicalizado em determinada empresa, e como tal, não tenham qualquer representatividade juntos dos próprios trabalhadores da mesma, (i) o direito a reunir (inclusivamente dentro do horário de trabalho); (ii) o direito a ter um espaço (instalações na empresa), relembre-se, mesmo quando o sindicato não representa qualquer trabalhador e (iii) o direito a afixar e distribuir “material sindical” dentro da própria empresa.
Relembre-se que, com a alteração legislativa que foi proposta, os direitos acima referidos podem passar a ser, legal e legitimamente extensíveis a entidades que não tenham qualquer vida ou relação com os trabalhadores que estão supostamente a representar, sem delegados sindicais (que têm o dever de eleger), nem tão pouco com as empresas com as quais se estão a relacionar ou , melhor dizendo, a “invadir”.
Ou seja, esta proposta legislativa acarreta o perigo de organizações sindicais poderem ser mais facilmente instrumentalizadas por partidos políticos para problematizar ou mais facilmente destabilizar qualquer empresa ou setor de atividade que seja conveniente por motivos políticos, algo que, até agora, implicava a intervenção direta, controlo ou pelo menos colaboração dos trabalhadores e dos delegados sindicais e que, agora, pode deixar de ser necessária.
No fundo, por intermédio desta proposta legislativa, estas entidades passam a poder entrar na empresa, sem basicamente conhecer as pessoas que representam e podem passar a desenvolver, à revelia de quem quer que seja, uma agenda (política) própria, independentemente da vontade e do controlo dos trabalhadores, ou seja, daqueles que estas organizações sindicais têm o dever de proteger e representar.
Tenho de partilhar convosco a minha mais profunda preocupação quanto a este tipo de medidas, uma vez que apresentam um grau de dissociação preocupante entre os trabalhadores e as organizações, para além de abrir caminho direto, legal e dentro das empresas, para que as organizações sindicais sejam mais facilmente usadas como “armas de arremesso político” por parte de partidos e organizações políticas.
Como advogado, tenho o dever de apenas interpretar e aplicar a lei, mas tenho a profunda convicção que este caminho de crescente politização das organizações sindicais e da sua atividade dentro das empresas não foi a intenção original do nosso legislador e não vejo como esta tendência possa contribuir para a Economia Portuguesa que se quer estável, produtiva e que seja geradora de riqueza e prosperidade para os seus intervenientes (especialmente os trabalhadores).
Existe um ditado norte-americano que diz: “If it ain´t broke don´t fixe it”. Acho que este ditado se aplica no caso concreto, na medida em que se deve continuar a exigir a qualquer organização sindical que desenvolva relações junto dos trabalhadores de determinada empresa, que os conheça, que proceda à eleição de representantes e delegados sindicais no seio da empresa e que, por intermédio destes, exerça a sua atividade sindical. Sempre foi assim e não me parece que este modelo esteja errado…
Termino com uma reflecção: à Política o que é da Política, ao Trabalho o que é do Trabalho e, arrisco a dizer que, no dia que confundirmos estas duas realidades, teremos um país em sérios apuros. Parece-me que esse dia se está a aproximar…
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