Paulo Marcos, o presidente do maior sindicato dos bancários, o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB) defende a criação de um bad bank público para gerir os ativos imobiliários numa lógica de longo prazo, pois este é o legado dos tempos da exuberância irracional de crédito. Sobre o futuro do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários , Marcos diz que está garantido e explica todas as mudanças.
Face à conjuntura financeira, os bancos terão de reduzir os custos operacionais, pelo que terão de se reorganizar internamente e vir a dispensar milhares de trabalhadores. Qual é a posição do SNQTB face a tais despedimentos que venham a ocorrer?
Consideramos que há um problema conjuntural sobre a rendibilidade do setor bancário e que, se esse problema de índole conjuntural (e não estrutural) não for resolvido, obviamente a economia portuguesa, as suas empresas e os trabalhadores bancários vão continuar a sofrer. Por isso, temos de olhar primeiro para o que está a limitar a capacidade financeira dos bancos. O problema central do setor bancário não é que se tenha reduzido a procura de serviços bancários, não é que a necessidade não continue lá, o problema central é que há uma carteira de crédito vencido ou em risco. Essa carteira é um legado histórico e que vem do tempo de uma exuberância em que a economia estava toda centrada num modelo de produção de bens não transacionáveis e esta reorientação para outro tipo de produto e uma viragem para os mercados externos, deixaram os bancos credores de projetos imobiliários, de obras de construção civil e obras públicas, as quais não têm cabimento no novo tipo de economia.
Por isso, há algum tempo pugnamos e temos vindo a interessar os agentes políticos no sentido de resolvermos os problemas.
Qual é a solução?
Criando um bad bank imobiliário público. A criação de moeda é um papel de natureza pública, e por isso é que existem vários reguladores. Também achamos que este processo de criação monetária, através da criação de crédito, foi brutalmente interrompido e tem de ser restabelecido. Tem de se libertar os bancos do tempo, dos capitais e dos recursos de gestão que dedicam ao crédito em risco para focá-los naquela que é a sua atividade principal: recolher aforro e emprestar a projetos viáveis. Por isso consideramos que o banco deve ser público.
Libertar os bancos deste legado histórico permitindo desencadear os mecanismos de transmissão monetária é claramente um bem público e, como tal, deve ser objetivo de reformulação e supervisão e detenção pública.
Este bad bank público não arrisca ser um peso excessivo para o Estado, depois de se saber que a própria Caixa tem de ser fortemente recapitalizada?
Esse é o menor dos problemas. O problema central da economia portuguesa parece ser um problema de investimento e a única forma que temos de libertar a economia das grilhetas que penalizam a economia há 15 anos, depois de se perceber a exuberância irracional da aposta em áreas que não faziam sentido, é libertando os bancos para emprestar dinheiro e libertando os empresários com boas ideias e bons projetos para obterem financiamento.
O que temos de decidir é se estamos em condições de criar um bad bank e quem paga e quem não paga. Há mecanismos para tornar isso bastante mais consensual do ponto de vista político, ou se preferirmos que a economia comece a crescer a taxas compatíveis para absorção de desempregados e com um aumento da riqueza que queremos.
Há várias soluções já experimentadas. Em meados da década de 80, nos EUA, houve um colapso no mercado imobiliário, com as caixas económicas regionais a caírem e houve um bad bank a resolver o assunto. Depois houve o colapso da URSS e, em 91, foi o período da Finlândia, os bancos faliram e a solução foi um bad bank. Em economias liberais com o primado do mercado, estas são soluções testadas, as sociais-democracias europeias criam um bad bank, a liberal Inglaterra criou o seu bad bank, assim como os EUA. Aqui estamos a perder tempo a adiar a solução.
Entre criar e não cria há um conjunto de grandes bancos que têm vindo a anunciar o downsizing de grande número de trabalhadores, quer seja via acordos ou via despedimentos. Que medidas irá o SNQTB tomar face a estes eventuais despedimentos?
Há dois planos: dentro de um primeiro plano estratégico, há que convencer a opinião pública de que a criação de um bad bank é uma solução estrutural para os problemas da economia. Tem como consequências tornar os bancos mais ágeis e aumentar os níveis de rendibilidade. Obviamente que os bancos não terão necessidade de fazer redução de custos através do pessoal. E isto porque os custos com pessoal são os menores custos dos bancos. Não é verdade que os bancos portugueses recuperem os seus níveis de rendibilidade com menos pessoas. Aliás, os grandes bancos que operam em Portugal, seja o Santander Totta, o Millennium, o Novo Banco ou o BPI, comparam muito bem com os níveis e os rácios de eficiência perante os melhores bancos da Europa. Não temos aqui um problema de sobrevivência. Também não temos excessos de balcões e comparamos relativamente bem com a média europeia.
Basicamente, temos níveis de rendibilidade de capitais próprios ou muito baixos ou negativos porque têm um legado que vem dos tempos da exuberância irracional que fez com que se concentrasse grande parte do crédito em setores não transacionáveis quando não se perspetiva qualquer retoma.
Qual é o racional do bad bank?
Precisamos um bad bank que possa gerir os ativos imobiliários numa lógica de longo prazo. As experiências históricas mostram-nos que é incompatível apresentar resultados trimestrais ou anuais para reconhecer imparidades, sendo essa obrigação incompatível para a recuperação sadia dos balanços. Enquanto se tivermos uma perspetiva de médio e longo prazo como um bad bank pode proporcionar, sem a obrigatoriedade de ter de gerir resultados trimestrais, é altamente provável que as perdas, a existirem, sejam perfeitamente mitigadas. Em última instância, quem vai pagar as perdas é a economia e a sociedade como um todo.
Ainda ninguém teve coragem de deixar um grande banco cair porque, nos países onde isso sucedeu, as consequências foram dramáticas. É normal que alguma da gestão de bancos cujos mandatos estejam em fim de ciclo se sinta tentada a apresentar resultados, fazendo um corte relativamente indiscriminado nos custos de pessoal dentro daquela lógica de redução dos custos hoje, e redução da capacidade de desenvolvimento estratégico, mas esta não se torna percetível senão a médio e longo prazo. Isto é como uma equipa de futebol que vai à frente no Campeonato mas desata a vender os passes dos atletas no mercado de janeiro na esperança de que consiga não descer de divisão quando a época acabar. É esta lógica que importa interromper.
Não há bancos a mais em Portugal face ao que são os rácios europeus. É óbvio que a função de intermediação financeira está em grande evolução. A procura e a necessidade de serviços financeiros tem vindo a aumentar à medida que as economias se terciarizam. Não há qualquer razão para pensar que vamos voltar a uma época de economia de troca direta. O que acontece é que os bancos tipicamente com estruturas integradas, com produção, distribuição unificadas, terão tendência a alienarem alguma destas atividades e a não fazerem tudo dentro de casa. É normal que um banco comercialize produtos de terceiros e, no limite, parte das suas redes comerciais sejam propriedade de terceiros. As funções financeiras tenderão a desagregar, mas temos a certeza de que, como um todo, os serviços financeiros não estarão a perder pessoas. O que acontece é que hoje há sociedades de aconselhamento e desenvolvimento, fundos de capitais de risco e outras atividades que tipicamente eram feitas pelos bancos e que hoje são desintermediadas.
O temos de fazer é olhar para os bancários como o nosso núcleo central de sócios, mas também – e os nossos estatutos já o permitem – para as sociedades financeiras e seus trabalhadores como também sendo potenciais alvo do nosso interesse.
A alegada “espanholização” da banca pode prejudicar a economia portuguesa?
Enquanto sindicato, o nosso tema é os trabalhadores do setor financeiro. Somos agnósticos em face da detenção de capital. E o que a experiência nos ensina é que, se o capital é de origem pública ou privada, isso não justifica, de per si, diferenças de performance. Mais do que as origens de capital, importam os centros de decisão. Podemos ter capital estrangeiro e centros de decisão em Portugal, o que significa que os resultados são reinvestidos no país e a economia portuguesa tem as melhores condições de financiamento, vis a vis, atividades onde a lógica de investimento é meramente de distribuição comercial. Temos que ver é a qualidade do investimento.
O que faz sentido a uma pequena economia aberta é que não seja inocente e ingénua, é que o setor bancário e financeiro seja detido – ou pelo menos os centros de decisão – por nacionais. Caso contrário, seríamos o único país da OCDE onde os centros de decisão neste setor, tão crítico, não estivessem em grande parte no próprio país.
Numa visão de garantia da reforma dos bancários, o SNQTB é o único sindicato que criou um fundo de pensões fechado, gerido por uma participada, a SGF. Esta gestão e a parceria estratégica com a SGF é para manter?
Claro que sim. Sobre a reforma e sobre os bancários temos uma visão bastante peculiar. Primeiro, é preciso resolver a questão da qualidade dos bancos. Depois, com os problemas conjunturais, a pressão irá incidir sobre os bancários. Estamos a trabalhar para mitigar a dor. Vamos anunciar, nos próximos dias, uma parceria estratégica com uma entidade internacional e com uma reputada universidade portuguesa. Estamos a desenvolver um programa a que vamos chamar “Gestores em transição”.
No fundo, vamos preparar e requalificar os nossos sócios para poderem desempenhar funções, não apenas na banca, mas no setor financeiro ou em outras atividades de retalho ou de aconselhamento. Este é um projeto inovador na Península Ibérica. Considerámos que a carreira pode ter transições – daí o nome do projeto.
O segundo tema e, dentro desta lógica de transição, um dos problemas centrais que os bancários têm é os fundos de pensões da banca proporcionarem os benefícios na reforma, mas estarem consagrados apenas aos bancários que se reformem dentro da banca. Ora bem, este fenómeno mais acelerado nos últimos meses de perda de recursos humanos fez com que estas pessoas andassem a descontar durante uma vida para um fundo de pensões numa lógica de acordo coletivo de trabalho da banca e agora, quando saem do setor e mais tarde se reformam, são confrontados com outras regras de aposentação muito mais penalizadores “vis a vis” o que eles tinham descontado até então. E esta alteração às regras do jogo é perfeitamente chocante.
Estamos a negociar em sede do novo Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) a possibilidade de os ex-bancários poderem pedir a reforma antecipada, tal comos se faz cá fora no regime da segurança social. Hoje em dia um ex-bancário não tem acesso à reforma antecipada. Logo, estamos a introduzir os mecanismos para que o desemprego de longa duração dê possibilidade a uma reforma antecipada, ainda que com penalizações.
Depois temos um fundo privado bastante significativo, gerido pela maior sociedade independente de gestão de fundos de pensões.
Vão manter o modelo de gestão?
Estamos a negociar com várias entidades que possam trazer contributos quer à gestão de ativos, quer à distribuição, pois consideramos que podemos potenciar a gestora. Vejo um futuro da SGF de contínua subida no ranking.
Diria que os nossos sócios vão ter planos de formação que os tornem mais versáteis e preparados para eventualmente levarem as suas competências para dentro de outros setores. Vamos continuar a privilegiar os planos de pensões e de reformas de forma autónoma e independente. Estamos a negociar com o setor bancário a portabilidade, em certas circunstâncias, de alguns planos complementares de pensões que existem no âmbito dos quadros bancários, e esse é um modelo usado em alguns mercados da OCDE, em que há uma parte da pensão que é pertença do próprio e tem de a portar de emprego em emprego, sendo que ela é pertença, não da instituição onde a pessoa trabalha, mas do próprio. Em Portugal, existem estes segundos pilares e o que queremos introduzir de forma inovadora é a portabilidade.
Com alguns dos nossos sócios que estão envolvidos em processos de rescisão na banca por mútuo acordo, estamos a conseguir a portabilidade, sendo que os sócios podem trazer com eles mais do que uma indemnização, trazendo o fundo e a parte do fundo de pensões que descontaram. Penso que isso também é inovador.
O grupo negociador da Associação Portuguesa de Bancos (APB) denunciou o anterior ACT, o qual se encontra perto da sua caducidade, tendo proposto um novo ACT, o qual tem sido a ser alvo de negociação por parte dos sindicatos. Para quando prevê o fecho das negociações e a sua assinatura da Federação dos Sindicatos Independentes?
Quando chegámos à Federação e ao SNQTB, o acordo estava praticamente fechado. Considerámos que ele continha uma série de disposições altamente lesivas do interesse dos bancários e procurámos sensibilizar as outras partes para o efeito. Não tivemos acolhimento inicial e rompemos as negociações.
Nas últimas semanas, no entanto, voltou a haver uma convergência de interesses. Diria que uma boa parte daquilo que eram as nossas pretensões foram contempladas e da parte da Federação dos Sindicatos Independentes da banca já demos o nosso acordo e julgo que nos próximos dias será assinado.
Mas o novo ACT também (passou por cima) da Lei do Quadro de trabalho pelo que algumas das regalias do antigo ACT vão deixar de existir, sobretudo para os novos bancários. Como é que vê esta situação?
O ponto que encontrámos estava um pouco nessa ótica, mas conseguimos persuadir as instituições de que esse não era o caminho correto. Pelo que diria que, na generalidade, conseguiu-se contemplar tudo aquilo que é o acervo e a tradição do setor bancário, nomeadamente a preservação dos sistemas de saúde (SAMS), a preservação daquilo que define o trabalho bancário e o que isso significa em termos de carreira, prémios e diuturnidade, pelo que diria que acervo central está perfeitamente assegurado. O que o novo ACT permite é que as instituições de crédito tenham uma maior previsibilidade sobre os seus custos de pessoal e minimizar ou mitigar os mecanismos automáticos de atualização salarial, mas que nós compreendemos que eram uma restrição para os bancos. Isto é, nada fazendo, todos os anos, a massa salarial ia aumentando, em média, 0,8%. Concordámos com a introdução de uma cultura mais meritocrática e menos automática. Diria que o novo ACT contempla menos automatismos e mais meritocracia mantendo o acervo central do que é hoje a profissão financeiro-bancária.
No fundo, o negociador da APB está a negociar com dois grupos – vocês estão num e depois haverá outro grupo. Pelo que me apercebi, a APB, após fechar o acordo com o primeiro, não mexe numa vírgula relativamente ao segundo. O que se passa aqui concretamente? Que grupos são estes e porque é que um tem de fechar primeiro em vez de fecharem os dois em simultâneo?
Quando, em meados de fevereiro, entrámos na primeira reunião, aquilo que mais nos causou estupefação foi o facto de os cinco principais sindicatos bancários estarem em duas mesas negociais que não eram simultâneas nem síncronas. Procurámos, de imediato, sensibilizar os nossos parceiros, os outros sindicatos, para este tema para tentar perceber a razão até porque, do ponto de vista teórico, parece-nos que isto enfraquece a força negocial dos trabalhadores. Pensamos que este tema terá mais acolhimento. A bondade e o racional que inserimos foi que só deve haver uma mesa negocial. Isto de separar é uma das formas mais clássicas e estudadas de dividir para reinar, já dizia Péricles, ainda antes de Cristo. Enquanto federação, achamos, no mínimo, bizarro que isto se processe desta maneira, como também achamos que houve uma profunda ingenuidade dos sindicatos ao participarem neste jogo.
Outro aspeto que parece importante é o grupo negociador ter alterado as regras de negociação relativamente ao SAMS em que, inicialmente, era negociado por um nível e depois passou a ser baseado por um valor per capita. Logo, o SAMS deixará de funcionar por percentagem por entidade patronal para passar a ser per capita. O sindicato será, talvez, o maior prejudicado, que poderá ter, aqui, uma maior queda de receitas. O que poderá acontecer?
Isso é verdade. Quando aqui chegámos, os nossos antecessores já tinham aceite a substituição do princípio da contribuição percentual dos bancos para o SAMS por uma contribuição fixa igual para todos os bancários. Isso vem ao arrepio de mais de duas décadas daquilo que é hoje o SAMS Quadros. Como tal, que não haja dúvidas de que o grupo negociador da APB conseguiu fazer foi, dividindo os sindicatos, atribuir um subsídio – na prática, um subsídio de cinco milhões de euros aos sindicatos da FEBASE – em detrimento dos sindicatos da Federação Independente da Banca. É bom que se diga que, além disso, não só promoveram esta alteração (que, estranhamente, tinha sido aceite pelo nosso antecessor) como queriam configurar e reafirmar que os SAMS, fossem os SAMS Genéricos ou os SMAS Quadros, eram meramente vigentes enquanto os bancários não fossem integrados no Serviço Nacional de Saúde (SNS). De facto, quando os SAMS foram criados ainda não existia o SNS, pelo que estiveram num limbo durante 40 anos. Esta ameaça de que os SAMS poderiam acabar a qualquer instante se o acordo coletivo de trabalho não fosse assinado esteve presente até à nossa entrada na mesa de negociações e essa foi, talvez, a nossa maior discordância. O que nós conseguimos foi que este caráter meramente residual ou subsidiário do SAMS fosse varrido de vez do acervo do acordo, que lhe fosse conferida pelo menos igual dignidade àquela que existe para o SNS, que se pudessem complementar, mas que acabasse de vez esta espada que estava sobre a nossa cabeça. Conseguiu-se isso de forma definitiva. Não se conseguiu que o mecanismo de contribuição dos bancos continuasse assente em percentagem.
Para o sindicato, isso significa uma perda na ordem dos quatro milhões?
Significa uma perda nas nossas receitas.
Como vai gerir esta perda no futuro?
Estamos a racionalizar os custos internos, a renegociar serviços externos com os fornecedores de serviços de saúde. Estou perfeitamente convencido de que continuaremos a ser o SAMS mais eficiente e que maiores benefícios paga aos seus associados. Portanto, em bom rigor, mais do que acomodámos, através de melhor gestão e mais eficiência, eventuais perdas de receita. E, talvez como prova disto tudo, é que somos o único sindicato bancário que, mesmo neste período de contração de número de bancários em absoluto, continua a crescer em número de sócios. Estamos a crescer a um ritmo a que não assistíamos há mais de 15 anos.
Pode quantificar desde a sua tomada de posse a 30 de dezembro último?
Já conseguimos mais sócios, em termos líquidos, do que nos três anos anteriores todos juntos.
Recordo-me de, no seu discurso de tomada de posse, ter dito que ia fazer um estudo sobre fornecedores e também que ia ver as participações do sindicato. Algumas delas, iria levá-las a prejuízo – caso do Banif. O que foi feito?
Fizemos uma auditoria financeira e uma auditoria forense. Após um concurso público, selecionámos a Ernst & Young, resolvemos reconciliar as contas bancárias com as disposições legais e reconhecer como imparidades aquilo que, de facto, o era. Isto significa que o sindicato apresentou, em 2015, cerca de 13 milhões de prejuízos, 50 milhões de faturação. Isto resultou não só de um défice de exploração de cerca de três milhões de euros que vinha sendo escamoteado há vários anos, mas também do reconhecimento de perdas em carteiras de ações de bancos, nomeadamente do Banif, BCP, PT, Rio Forte, obrigações sénior do BES; também reconhecemos as imparidades em grandes ativos imobiliários que o sindicato possui: o hotel em Porto Santo e o lar em Alcabideche. Este reconhecimento e a atribuição do justo valor, tal como mandam as normas, fez-nos reconhecer um prejuízo de 13 milhões. Mas o ponto importante é fazermos uma gestão mais cuidada, a implementação de uma central de compras, de renegociação dos contratos com todos os fornecedores permitiu-nos, neste momento, ter uma redução geral de custos que acomoda qualquer perda de receita que venha a ser consagrada em sede de ACT.
O sindicato perspetiva que isto possa vir para números positivos em 2016?
Absolutamente. Aliás, no primeiro trimestre do ano, estávamos já bastante acima do orçamentado. Para 2016, prevemos um pequeno lucro de meio milhão de euros e acho que vamos ultrapassá-lo de forma significativa.
Temos falado sempre em defesa dos postos de trabalho mas, aqui dentro do sindicato, não foram renovados os contratos a cerca de 20 pessoas. Parece que há aqui uma dicotomia: por um lado, defende os postos de trabalho mas, dentro do próprio sindicato, há que fazer uma gestão eficiente que já levou à dispensa de 20 pessoas. Não há aqui um choque com o código de ética e de conduta que o sindicato criou?
O código de conduta é muito importante, foi criado e aprovado pelos órgãos sociais que procura regular as relações quer internas, quer externas. Achamos que tem de haver uma segregação muito clara nas relações com os fornecedores, não pode haver conflito de interesses, e, portanto, inserimos este tipo de práticas no sindicato para que não haja dúvidas de que a nossa relação com terceiros é transparente e sem qualquer relação familiares ou próximas, como se impõe. Somos frontalmente contra os despedimentos, seja na banca ou em qualquer outro sítio, nas somos sempre favoráveis a processos em que pessoas e empresas se ajustam mutuamente, procurando oportunidades que sejam benéficas para todos. O que estamos a procurar adequar, dentro do grupo SNQTB, são a nossa estrutura e as nossas receitas. Por exemplo, precisávamos de competências na área da gestão da relação com os prestadores de saúde, e fizemo-lo. Não precisávamos de competências na área de hotelaria pelo que o acordo de cedência que fizemos com o grupo Pestana envolveu também a cedência de efetivo de pessoal que, com vocação hoteleira, vai continuar a sua ocupação, já não no sindicato mas com o grupo Pestana.
Penso que foram 12, as pessoas que saíram da hotelaria para virem para o sindicato. São essas pessoas que retomam?
Não. Uma parte das pessoas que estavam afetas à hotelaria transitam agora para o grupo Pestana. O que temos depois são pessoas que, por esta alteração qualitativa de funções, sentiam que as suas carreiras poderiam evoluir de outra forma. Temos processos por reunificação familiar, profissionais que regressam aos seus países de origem – estando a economia portuguesa relativamente estagnada, é normal, num quadro de mobilidade, que haja pessoas que encontrem oportunidades noutros sítios. Diria que estamos perfeitamente em linha com o orçamentado.
Recentemente, a administração do Novo Banco apresentou o despedimento coletivo, sendo que os sindicatos negociaram, com a administração de Stock da Cunha, a manutenção do SAMS para aqueles que fossem despedidos, sendo que receberiam uma verba à cabeça para manter esses trabalhadores. Isto parece algo confuso – por um lado, aceita-se o despedimento mas, por outro, também se recebe dinheiro à cabeça para se manter os funcionários dentro do SAMS…
No nosso caso, em absoluto não. Fomos o primeiro sindicato a pronunciar-se, de forma veemente e frontal, contra o despedimento coletivo, e dissemo-lo quatro vezes seguidas nas primeiras horas e depois em mais de 20 entrevistas e notas de imprensa. Frontalmente contra porque achamos que não há necessidade. Aliás, dado o despedimento coletivo de 56 pessoas que o banco vai fazer num quadro de redução geral de mil pessoas, prova que nós tínhamos razão. Não havia necessidade e continuamos a bater-nos por soluções voluntárias mais do que apenas negociadas. Por exemplo, sempre porfiámos, junto da administração do banco, que fosse aberto um processo genuíno de candidaturas voluntárias, processo este que a administração sempre recusou. Portanto, somos frontalmente contra a solução encontrada, percebemos que o banco tem um problema de estruturação, tem um problema de excesso de dimensão, mas com os mecanismos existentes hoje em dia e a prática da banca, tem sido possível fazer isto sem despedimento coletivo. Dito isto, é bom que se tenha presente que tomámos a liderança deste assunto: é a primeira vez que um sindicato continua preocupado com os seus sócios mesmo quando estes deixam de estar no ativo. Isto obrigou-nos a um reposicionamento, a um novo pensamento estratégico e nós procuramos interessar a administração deste banco, e de outros que possam vir a surgir, para bem-estar futuro das pessoas. Portanto, uma das coisas que fizemos foi assegurar programas vocacionais e de treino para quem venha a sair do(s) banco(s), e assegurar a cobertura dos cuidados de saúde. E nós gostaríamos que tivessem SAMS Quadros para toda a vida e que esse custo fosse assumido pela entidade patronal. O Novo Banco só se mostrou disponível para assegurar isto a pessoas com mais de 50 anos, apesar de termos porfiado para que não houvesse limite etário, e introduzimos mecanismos para evitar seleção adversa, para que o mecanismo fosse sustentável, mas fizemos um desconto ao banco. E fizemos um desconto podendo dizer que todos os que estão ativos terão de pagar um bocadinho para podermos assegurar a saúde dos nossos colegas que saem neste processo de despedimento ou rescisão por mútuo acordo. Que me lembre, é a primeira vez, na história sindical portuguesa em que o mecanismo de solidariedade funciona porque os que mantém o trabalho pagam para manter o benefício dos que já não têm. Mas como isso envolve um acréscimo futuro de responsabilidades (quer dizer que nós achamos que, no fundo, estamos a assumir dívida implícita), levámos o assunto ao Conselho Geral deste sindicato, que a aprovou sem um único voto contra. Em suma, não fizemos o encaixe, bem pelo contrário, assumimos compromissos muito superiores ao encaixe que irá ser feito. Isto envolveu os nossos sócios, no princípio de solidariedade que manifestámos na missiva que enviámos aos novos sócios e que é inédito na banca portuguesa.
Ainda a propósito da solidariedade e do SAMS como sistema solidário, perspetiva-se que entrem cada vez menos quadros para o setor bancário. No futuro, como poderá o SAMS gerir a situação?
Menos pessoas para o setor bancário mas muitas mais para o financeiro. E os nossos estatutos permitem-nos protocolar e cobrir todo o sistema financeiro.
Vai ou não cortar regalias sociais e de saúde aos sócios?
Pelo contrário, estou a aumentá-las. Fizemos a gestão da eficiência para acomodar as perdas de receita e poder libertar margem e devolver isto aos sócios.
Vai manter ou reduzir as tabelas dos SAMS aos sócios?
Vou mantê-las e, pontualmente, aumentá-las.
A USI surge como a maior confederação nacional. Que linhas estratégicas lhe vai impor, agora que é também presidente da USI?
Muito simples: congregámos os 13 sindicatos na comissão coordenadora, desafiámos os seus líderes a assumirem o seu papel na mesa coordenadora, que era algo que não existia (agora podemos dizer que os sindicatos estão pessoalmente envolvidos, através dos seus líderes, o que não acontecia antes), restaurámos a saúde financeira da USI cobrando as quotas em atraso e dotámo-la, finalmente, de uma estrutura profissional técnica (quer de secretariado, quer de assessoria jurídica, quer de assessoria financeira). Profissionalizada a gestão da USI, saneadas as suas finanças e reafirmado o compromisso político independente de todos os sindicatos à volta de uma liderança, estamos em fase de crescimento. E isso quer dizer que achamos que a missão e os valores da USI fazem cada vez mais sentido, mensagem esta que temos vindo a passar a diversos sindicatos independentes. Ao dia de hoje, temos manifestações de interesse de adesão à USI que nos permitem antecipar que, a curto prazo, a USI dobrará a sua dimensão.
Vai manter a SNQB na USI ou preferiria integrá-la na UGT?
Não. Vamos dobrar a dimensão da USI, reafirmar o seu papel político, criar o seu espaço de intervenção própria na comunicação social e acreditamos que outras forças se juntarão a nós, desfiliando-se de onde estão.
O sindicato também tem uma fundação, a que agora também preside, onde funcionava uma série de aspetos sociais. Essa fundação é para manter?
É para manter. Encetámos um conjunto de medidas de caráter muito prático. Consubstanciando, poderia dizer que renovámos o conselho de curadores, introduzindo pessoas ligadas ao setor financeiro mas independentes desta gestão; reduzimos as remunerações dos órgãos sociais de forma dramática (basicamente, tornámo-las nulas); e vamos multiplicar por 50 as receitas da fundação. Esta multiplicação por 50 das receitas da fundação e esta redução (que eu diria ter sido de 92%) dos custos de funcionamento permitir-nos-á fazer muito mais obra social. Como tal, a comunicação social e a sociedade enquanto um todo irão notar que está aqui uma fundação muito mais focada nas necessidades das crianças e da primeira infância mas também naquilo que é a velhice e as necessidades mais extremas de uma população bancária – esta talvez seja a verdadeira novidade. A fundação vai fazer verdadeira obra social. Criámos um comité de análise de investimentos. Aprovámos o regulamento e estamos a dotá-la de capacidade financeira. Fizemos uma campanha de consignação de IVA e de IRS que estimamos que tenha resultados que possibilitem a recolha de milhares de euros, talvez quatro vezes mais do que era o padrão habitual. Usando a expressão muito famosa de uma banda pop, a fundação está “alive and kicking”.
E como é que se vai resolver a complicação que havia por causa do investimento da fundação?
Há uma fundação que é nula – estamos em processo de extingui-la e de passar o património para o âmbito do sindicato. O único ativo é Alcabideche e o passivo é uma dívida à CGD, e isso passa para o sindicato.
Essa operação vai obrigar ao pagamento de IVA. Como irão resolver isso?
Numa primeira fase, esse património passará para o sindicato e depois, provavelmente, será afeto à fundação social bancária. No fundo, essa é a verdadeira missão de uma fundação. Agora vamos ter um dos braços da fundação que será dedicado à primeira infância e o outro à velhice e às situações extremas de velhice.
Por Vítor Norinha/OJE
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