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Só a mais improvável das reviravoltas evitará chumbo inédito do Orçamento do Estado (com áudio)

Cenário em que os três deputados do PAN, as duas deputadas não inscritas e os três eleitos do PSD pela Madeira aprovem o documento será a única saída para o Governo. “Diligências complementares” admitidas por Marcelo Rebelo de Sousa foram um indício de que a reviravolta seria possível, mas Rui Rio teve garantias de que “a Madeira não está à venda” e o chumbo parece inevitável.
MIGUEL A. LOPES/LUSA
27 Outubro 2021, 08h15

A tarde desta quarta-feira vai ficar para a história da democracia portuguesa. Só não é possível afirmar com absoluta certeza se isso decorrerá do muitíssimo provável primeiro chumbo de um Orçamento do Estado no regime democrático português – como sucederá caso se confirmem os votos contrários dos deputados do PSD, Bloco de Esquerda, PCP, CDS-PP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal, novamente anunciados ontem, durante o primeiro dia do debate parlamentar – ou se o Governo de António Costa ver-se-á salvo da dissolução da Assembleia da República e de eleições legislativas antecipadas por uma enorme surpresa que ficaria pouco aquém de um milagre de multiplicação dos apoios.

A mais improvável das reviravoltas implicaria que aos 108 deputados do PS se juntassem os três do PAN e ainda Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira – sendo que tanto esse partido como as duas deputadas não inscritas assinalaram que optarão pela abstenção na generalidade -, mas esse seria apenas o primeiro passo para a aprovação do Orçamento do Estado. Para transpor a fasquia da maioria absoluta, necessária se todos os partidos que defenderam o chumbo do documento apresentado por João Leão mantiverem essa intenção, tornar-se-ia igualmente necessário o voto favorável dos três deputados eleitos pelo PSD no círculo da Madeira. Isso resultaria num 116-114 que até permitiria “dispensar” uma das deputadas não inscritas desde que mantivesse a abstenção.

Perante indicações de que o Presidente da República terá promovido contactos com o PSD-Madeira para viabilizarem o Orçamento do Estado na generalidade, permitindo que o documento passe para a fase de especialidade, Rui Rio comentou que “a Madeira não está à venda”, dizendo ter garantias do presidente regional Miguel Albuquerque de que esse cenário não se concretizará. Apesar disso, Marcelo Rebelo de Sousa reconheceu nesta terça-feira que fez “diligências suplementares para ver se era possível chegar-se a um entendimento” antes do arranque do debate orçamental, o que o líder social-democrata qualificou de “pouco ortodoxo” se o chefe de Estado tivesse contactado deputados “avulsamente” em vez de se restringir a contactos com direções partidárias.

Certo é que Marcelo Rebelo de Sousa também recebeu no Palácio de Belém o eurodeputado Paulo Rangel, que disputará a liderança do PSD com Rui Rio nas diretas marcadas para 4 de dezembro, o que foi interpretado como um sinal de que o Presidente da República está particularmente empenhado em levar a legislatura até ao fim e dar tempo à oposição de centro-direita para se reorganizar e ter uma alternativa forte ao PS em 2023. Ainda na terça-feira, o Presidente da República concedeu uma audiência ao novo presidente da Câmara de Lisboa, o social-democrata Carlos Moedas, e ao seu antecessor, o socialista Fernando Medina, sem escapar a um comentário da antiga candidata presidencial Ana Gomes, que criticou no Twitter o PS “dos que não se importam de comprar (ou se vender) por madeirices marcelianas”.

Eventuais surpresas à parte, o primeiro dia do debate parlamentar do Orçamento do Estado ficou marcado por sucessivos apelos do Governo e dos deputados do PS para que o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV voltem atrás na decisão de não permitirem que o Orçamento do Estado passe para a fase de especialidade. Além de garantir que não se demitirá em caso de chumbo, apontando como seu dever “enfrentar as dificuldades”, António Costa admitiu que verá com “frustração pessoal” a confirmação do modelo de governação assente em entendimentos com os partidos à sua esquerda e repetiu que as únicas pessoas contentes com a provável dissolução da Assembleia da República eram os representantes dos partidos à sua direita.

Nada disto terá convencido os deputados bloquistas, comunistas e verdes, que enunciaram ao longo do primeiro dia de debate as insuficiências que apontaram à proposta em debate e que deverão levar ao voto contrário. Apesar disso, nos contactos dos grupos parlamentares com o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, terá sido defendido pela esquerda que o Governo apresente um novo Orçamento do Estado em vez de se avançar de imediato para eleições antecipadas.

Essas posições poderão ser comunicadas por Ferro Rodrigues a Marcelo Rebelo de Sousa já nesta quarta-feira em caso de chumbo, iniciando-se uma série de contactos do Presidente da República com os vários partidos e a convocação de um Conselho de Estado para discutir a crise política. Além dos timings da legislação eleitoral, que poderiam atirar a data das eventuais legislativas para a época natalícia, mas deverão ser “esticados” para o início de janeiro de 2022, deverão ser tidos em conta os processos eleitorais em curso no PSD e no CDS-PP.

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