A minha opinião sobre a gestão de recursos humanos, de pessoas, do talento ou do capital humano em Portugal nunca foi a melhor. Desde logo, a profissão tem uma organização representativa – a Associação Portuguesa de Gestão de Pessoas (APG) – incapaz, ao longo das décadas, de elevar a profissão em Portugal, como faz, por exemplo, o Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD) em Inglaterra.

Fui ver o website da APG passados uns 15 anos ou mais desde a última vez. Duas palavras: tudo igual. Existe uma conferência anual certamente dispendiosa cujo valor acrescentado é altamente duvidoso e que serve como prova de vida da associação e faz com certeza toda a gente sentir-se importante e com “obra feita”.

Mas atenção: a APG disponibiliza aos seus associados e demais interessados o programa de formação Hapiness Manager. No contexto português, de baixíssimos salários, a mensagem de um programa como este para os trabalhadores portugueses só pode ser uma: “Pobres, mas Felizes!”. Já agora: o programa é vendido aos associados através da empresa KEEP Corporate, aparentemente dirigida por uma senhora que é simultaneamente vice-presidente da direcção nacional da APG. Acho que o próximo curso a promover pela KEEP Corporate deveria ser “conflitos de interesse e transacções com partes relacionadas”.

Aliás, o presidente da APG também dirige uma empresa chamada KeepTalent. Por coincidência, tanto a vice-presidente como o presidente dão aulas no mesmo instituto superior. É caso para dizer: KeepCalm, and carry on! Por outro lado, o presidente da mesa da assembleia geral (ele mesmo ex-presidente da APG) tem alguém com o mesmo nome de família há 12 anos como vogal efectiva da direcção. Esta análise rápida mostra desde logo que existem sinais evidentes de que a organização possa estar capturada por interesses instalados, alheios à boa prossecução do seu propósito.

Uma vista de olhos pelos órgãos sociais da APG, e de imediato se nota que na sua composição estão ausentes gestores das principais empresas nacionais e internacionais bem como académicos das principais escolas de gestão. Não falo das consultoras porque me parece que existe um insanável conflito de interesse em manter profissionais de consultoria nos órgãos sociais, sobretudo se forem os titulares do capital.

As grandes empresas nacionais e internacionais em Portugal deveriam estar mais presentes nesta organização, melhorando-a. Não basta dizer que as pessoas são fundamentais, para depois constatarmos na política de renumeração dessas empresas que os executivos praticamente não têm métricas de desempenho relacionados com as pessoas. Helena Escaleira – a quem orientei o mestrado – notou a muito reduzida presença de indicadores ligados às pessoas na remuneração executiva das principais empresas da bolsa em Portugal.

Noutros países, a great resignation levou a que indicadores relacionados com o engagement da força de trabalho, qualidade das lideranças e robustez da cultura fossem não só levados muito mais a sério, mas também claramente associados à compensação executiva e reportados ao accionista e outros stakeholders.

Em Portugal, fiquei a saber recentemente que a REN e a Semapa estão a fazer bom trabalho nesta frente. Apesar de na generalidade das empresas cotadas existirem boas políticas, como o tema é tratado nas PME portuguesas e em tudo o que está na sombra do Estado, necessita ainda de um grande desenvolvimento. Afinal de contas, o crescimento de que Portugal precisa e a capacidade para reter os nossos jovens, radica também muito na capacidade de as empresas saberem incorporar os seus talentos e fazê-los crescer consigo. Se ao menos houvesse uma APG.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.