O que pode um advogado fazer na blockchain? Mais do que se imagina. Apesar do ritmo acelerado a que a transformação digital se dá nas sociedades de advogados, grande parte do sistema judicial está a ficar para trás, ora por inércia, ora por escassez de talento – e capital – para operar a dita tecnologia, consideram duas gerações diferentes de advogados.
Os passos que as sociedades vão dando nesse sentido têm de ser dados, mas importa que os tribunais não fiquem para trás ou pior, que retrocedam, avisam o advogado e sócio-fundador da sociedade de advogados ATMJ, António Jaime Martins, e a advogada estagiária da Antas da Cunha ECIJA Inês Bragança Gaspar. Os dois advogados trocaram ideias na mais recente JE Talks, a que pode assistir na JE TV, em www.jornaleconomico.pt.
Inês Bragança Gaspar, que está inserida no departamento de Legal Intelligence, é talvez das poucas advogadas em Portugal com uma formação orientada para a blockchain, área que motivou a tese do seu L.L.M., na Católica Global School of Law. O objetivo, explica, era estudar “o impacto da tecnologia blockchain na resolução de litígios comerciais”.
“Procurei ver, em 2019, como é que a tecnologia blockchain poderia alterar tanto o ecossistema atual dos tribunais judiciais e dos centros de arbitragem. Olhei para essas duas vertentes”, diz. Além disso, quis saber como é que pode ser idealizada a criação de um novo ecossistema, através dos chamados smart contracts que, para Inês Bragança Gaspar, “não são contratos, nem são inteligentes, são apenas pedaços de código”. Um smart contract consiste num protocolo informático, autoexecutável, que pretende facilitar, ou reforçar, os processos de negociação de um contrato. A vantagem? Teoricamente, proporciona maior segurança, fiabilidade e confiança nesses contactos e transações. Esta é uma das competências da jovem advogada, que acredita que um advogado que souber programar smart contracts de maneira “completamente legal e válida juridicamente e conseguir também auditá-lo” terá uma carreira garantida. “Será uma das profissões mais bem pagas do mundo. Tenho a certeza absoluta”, sublinha.
Olhando para a blockchain como uma potencial ferramenta de “gestão de casos e de peças processuais”, Inês Bragança Gaspar, defende que esse será um papel central da tecnologia, por reduzir a margem de erro , entre outras aplicações, tais como a tradução, transcrição ou ligação vídeo. “A blockchain só conhece o que nós pomos lá”, adianta. “Por isso é que eu acho que os advogados vão ser muito, muito importantes neste novo mundo que se chama web3, esta nova internet. Os advogados não vão ser substituídos por robôs. Claro que os smart contracts e a blockchain dão uma outra visão, outra eficiência ao sistema”, avisa, e adianta até que há sociedades como a Antas da Cunha ECIJA que já testam a ideia de abrir escritórios no metaverso, alargando o acesso a novos clientes.
Tribunais no “século passado”
António Jaime Martins olha para este exemplo contemporâneo com “muito entusiasmo” e recorda o seu início de carreira, há quase três décadas, quando “ainda havia máquinas de escrever”. “Sou do tempo em que os advogados enviavam tudo por correio para os tribunais e, portanto, nos encontravámos nas grandes estações dos CTT, desta grande metrópole que é Lisboa”, brinca. São dois percursos que destoam nas origens, pelo menos tecnologicamente, mas que concordam no potencial e, sobretudo, na urgência em inovar na prática legal. A escassez, tanto de adoção como de talento, é apontada por ambos.
“Existe pouca tecnologia na advocacia e nos tribunais, e existe, infelizmente, pouca tecnologia na maior parte dos escritórios de advogados”, considera António Jaime Martins, referindo ainda que a culpa, em parte, recai sobre a Ordem dos Advogados, que “não tem tido o papel que devia ter tido ao longo destes últimos dez anos no desenvolvimento de tecnologia e na abertura dessa tecnologia aos escritórios”. O advogado diz ainda que as sociedades sentem menos essa inação da Ordem, porque “obviamente têm os seus softwares e vão desenvolvendo produtos informáticos”. Quanto â entrada de novas tecnologias, como a blockchain, não se revela averso. Diz mesmo que esta e outras ferramentas, como a já normalizada robotização ou Inteligência Artificial (IA), “podem efetivamente permitir que os recursos sejam afetos a tarefas” onde são necessários. Para António Jaime Martins, os tribunais portugueses “nem são dos menos evoluídos na Europa”, mas “estão no século passado”, e dá exemplos concretos: “Ainda há dificuldade em fazer videochamadas, há pouca tecnologia” e a transcrição dos depoimentos devia ser feita “no momento, imediata e automática”.
A advogada estagiária da Antas da Cunha ECIJA é rápida a apontar as mesmas falhas ao sistema judicial e a explicar que se trata de uma falta de investimento, até porque essas soluções já existem. Martins fala de uma revolução que “ainda não chegou ao tribunal”, mas não esconde que lhe preocupa o momento em que chegue, porque vai ser “desigualitária”, alerta. Em causa está a possibilidade de adoção de ferramentas digitais que facilitem o trabalho em determinados processos, automizando-os, mas que podem não estar disponíveis para a defesa, se a acusação for feita pelo Estado. “Problema é que (…) há direitos fundamentais que precisam de ser protegidos. Se essas ferramentas que o tribunal tem, os advogados não têm, o que vai acontecer é que há uma disproporção enorme entre os meios ao serviço do Estado, que persegue as pessoas, e a defesa”, prevê. Contudo, o sócio-fundador da ATMJ defende que essa introdução de inovação nos tribunais vai acontecer, mas recorda que urge a necessidade das sociedades mais pequenas ou com menos capacidade de investimento de conseguirem acompanhar.
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