Num verão que foi bastante fresco para os negócios em Portugal, a NOS foi às compras de expertise em Inteligência Artificial (IA) generativa. No final de julho, a operadora de telecomunicações adquiriu uma participação de 20% na tecnológica portuguesa DareData Engineering, especializada no desenvolvimento de infraestruturas de dados e projetos com machine learning.
O Jornal Económico (JE) foi conhecer esta empresa criada em 2019 com o intuito de fazer a interseção entre e a ciência de dados e a engenharia de dados. A startup, composta por cientistas e engenheiros, trabalha para desenvolver tecnologia que tenha um impacto positivo nos negócios, que tenham “cola à realidade”. Porquê? Antes da pandemia, os fundadores depararam-se com projetos “praticamente desligados das estruturas de bases de dados e das aplicações da própria empresa”.
“Na altura, havia muitas empresas a fazerem este tipo de serviço, mas eram sempre coisas com pouco impacto no negócio. Ou seja, o de «vou fazer um algoritmo para uma empresa». Mas, depois, é quase como um quadro que fica lá pendurado e as pessoas olham para aquilo, dizem «que giro», mas nunca criou valor”, conta ao JE o sócio Ivo Bernardo, que nos recebeu na sede, na zona de Picoas, em Lisboa.
Apesar de ser um dos três partners, Ivo Bernardo juntou-se à DareData Engineering três ou quatro meses depois do nascimento desta empresa, que é uma espécie de spin-off, pelas mãos dos engenheiros Nuno Brás e Sam Hopkins, que faziam parte da Lisbon Data Science Academy – uma escola para requalificação e formação de profissionais de ciência de dados – e estavam ligados à James, uma startup entretanto vendida à Google.
Ambos tinham os seus projetos em curso, independentes, até que decidiram juntar as valências de engenharia informática e de estatística para aperfeiçoar os conhecimentos em IA e criar esta empresa nova que juntasse as “duas escolas” – ainda na era pré-ChatGPT. A NOS foi um dos primeiros clientes.
“Se as empresas continuarem com chatbot aqui chatbot acolá, daqui a cinco anos, os sistemas não falam uns com os outros e não têm capacidade de se interligar”
A primeira conversa, numa lógica de parceria, ocorreu há cerca seis ou sete meses e só depois surgiu a hipótese de investimento, embora nada na estratégia da empresa apontasse para o M&A ou crescimento rumo ao unicórnio. Na ótica dos sócios, esse planeamento até distrai e “toda a gente sai a perder”. Inclusive chegaram a recusar contratos de serviços extras que os obrigaria “a abrir a torneira para contratar” pelo que consideraram que não seria sustentável.
“Um dos problemas iniciais detetados foi que a maior parte das soluções de IA que se estão a desenvolver resolvem problemas mais específicos: chatbot para apoio ao cliente, chatbot para ler instruções de um PDF gigante, chatbot para marketing… Começamos a cair um bocadinho naquilo que aconteceu com os sistemas das bases de dados há 15-20 anos em que é difícil cruzar os dados de um lado para o outro. É uma confusão e todas as empresas estão a sentir esta dificuldade”, explica o partner da DareData.
“O que achamos que vai acontecer aos sistemas da IA, se forem montados neste sentido do chatbot aqui chatbot acolá, é que daqui a cinco anos vamos ter exatamente o mesmo problema: os sistemas não falam uns com os outros e não têm capacidade de se interligar. Para as empresas que caminham no caminho da visão unificada dos dados e do cliente, é um completo revés da moeda”, adverte.
Na opinião do especialista em tecnologia, a solução passa por desenvolver sistemas de IA que se integram com os sistemas base de dados e com sistemas legacy das empresas. “É um trabalho duro”, reconhece. Mais duro ainda quando a IA está (demasiado) na berra.
Ivo Bernardo não tem dúvidas de que o mercado está com expectativas um pouco extravasadas da realidade perante o potencial desta tecnologia. “Acho que há uma componente de bolha na IA, no sentido em que há muita gente a entregar serviços da IA sem os saber fazer, o que, tipicamente, é um bom fator para definir uma bolha. As pessoas estão extremamente interessadas, e se calhar até com expectativas irreais face àquilo que se consegue fazer. Dizer que não há bolha seria um fenómeno avestruz”, afirma.
Admite até que o pico dessa bolha tenha passado. “Contudo, mesmo havendo bolha, eu acho que quando começar a haver menor interesse na área da IA é que vão surgir os casos de estudo realmente importantes para entregar valor. É aí que podemos estar posicionados e é aí que as empresas conhecedoras da tecnologia vão vingar”, diz.
“Sempre nos tentámos diferenciar com a exigência na contratação. Normalmente, um profissional de ciência de dados consegue alavancar o seu conhecimento ao saber de engenharia de dados e, a partir do momento em que sabe das duas, até o seu valor pessoal sobe 50-60%. Pelo tipo de talento, entregamos mais rápido em comparação com as empresas cuja estratégia acaba por ser a de contratar muita gente júnior e formar para obter um turnover elevado”, garante Ivo Bernardo.
Em relação à NOS, a próxima etapa da DareData é criar num sistema de IA que funcione como roteador de serviços dos vários sistemas de IA dentro da empresa. O roadmap ainda não está fechado, mas as primeiras concessões deste produto deverão ver a luz do dia daqui a dois anos. O investimento no desenvolvimento está pensado a três anos.
Questionado sobre a meta de faturar cinco milhões de euros em 2024, depois dos 3,1 milhões de euros no ano passado, Ivo Bernardo avançou ao JE que estão “a recalibrar um bocadinho” o volume de negócios e admitem “sem qualquer problema, ficar um pouco abaixo desse valor”. “Tínhamos o negócio só numa ótica de serviço – de faturar, faturar e faturar – e pretendemos uma componente mais de solução”, argumenta o partner. O objetivo que mantêm é, nos próximos cinco anos, duplicar a equipa para 100 pessoas.
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