O plano até 2026 da fabricante de automóveis, Stellantis, que engloba marcas tais como a Alfa Romeo, Chrysler, Citroen, Fiat, Opel, Peugeot, até 2026, era simples. O CEO, Carlos Tavares reformava-se nessa altura, e até lá existia tempo para encontrar o seu sucessor. Mas a decisão de segunda-feira obrigou a um ‘acelerar’ desta ideia, face ao anúncio da saída do gestor português, comunicado a 1 de dezembro. Agora, a orientação passa pela criação de um Comité Executivo Interino, presidido por John Elkann, e o novo CEO será nomeado no primeiro semestre de 2025.
Com a saída de Carlos Tavares da liderança do quarto maior construtor automóvel a nível mundial, traçamos aquilo que foi a sua prestação enquanto CEO da fabricante automóvel.
Como nasceu a Stellantis
A Stellantis ganhou oficialmente forma em janeiro de 2021, como resultado da fusão entre a Peugeot SA (“Groupe PSA”) e a Fiat Chrysler Automobiles NV (“FCA”), tendo como CEO o português Carlos Tavares.
Sob o comando de Carlos Tavares, os desempenhos foram bem distintos em termos da evolução do desempenho nos mercados financeiros (cotada nos mercados europeus em França e Itália e nos Estados Unidos em Nova Iorque) e ao nível dos resultados financeiros.
Desde que Carlos Tavares assumiu a direção da fabricante automóvel as cotações das ações na Bolsa de Nova Iorque, até à sua saída, verificou-se uma desvalorização. A 19 de janeiro de 2021 a ações estavam cotadas a 16,88 dólares e a 27 de novembro ficavam-se pelos 12,79 dólares. A 2 de janeiro, o primeiro dia de transações, depois da saída de Carlos Tavares, em pré-mercado, as ações caíam 8,71%, agravando ainda mais o desempenho das ações da fabricante automóvel.
Se as ações desvalorizaram durante a gestão de Carlos Tavares, os resultados financeiros contaram uma história diferente. Isto porque as receitas líquidas no final de 2021 saldavam-se em 152 mil milhões de euros e no final de 2023 saltavam para 189 mil milhões de euros, o que traduz uma subida de 17%.
O mesmo se pode dizer do lucro líquido. O CEO da Stellantis viu esta parâmetro passar de 13,4 mil milhões no final de 2021 para os 18,6 mil milhões de euros no final de 2023, uma subida de 38,8%.
Contudo a comparação entre os terceiros trimestres não foram as mais animadores. No terceiro trimestre de 2021, a organização conseguiu receitas líquidas de 32,6 mil milhões de euros e para o terceiro trimestre de 2024 estas ficaram em 33 mil milhões de euros.
Dúvidas sobre a “agilidade estratégica” da Stellantis
O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, salienta, ao Jornal Económico, que existe uma “descorrelação” entre os resultados financeiros da Stellantis e a evolução que as ações tiveram nos mercados, desde a altura em que Carlos Tavares assumiu a liderança da fabricante de automóveis.
Sobre os motivos que podem explicar o desempenho das ações da Stellantis, Paulo Monteiro Rosa salienta que a fabricante automóvel opera num sector em “rápida transição” para veículos elétricos, “exigindo elevados investimentos em inovação e infraestrutura”.
A isto, juntam-se outro tipo de desafios como explica o economista do Banco Carregosa, tais como a “gradual concorrência de empresas altamente inovadoras” como a marca norte-americana Tesla e a fabricante chinesa BYD e ainda as startups focadas exclusivamente em veículos elétricos sobretudo chinesas.
“A necessidade de equilibrar o portfólio de veículos a combustão com a crescente procura por veículos elétricos pode criar dúvidas sobre a agilidade estratégica da Stellantis”, refere Paulo Monteiro Rosa.
O economista do Banco Carregosa sublinha que apesar da Stellantis, durante a gestão de Carlos Tavares, ter revelado um crescimento dos resultados financeiros no que diz respeito ao mercado este “parece ter dúvidas sobre a capacidade de crescimento sustentável”.
Paulo Monteiro Rosa considera que a estagnação que se verificou no crescimento de receitas no terceiro trimestre de 2024 “é um sinal de alerta”.
O economista sénior do Banco Carregosa diz que os investidores valorizam empresas que “demonstram capacidade de manter ritmos elevados de expansão”.
Se isto não bastasse, Paulo Monteiro Rosa acrescenta que as variáveis macroeconómicas nos últimos dois anos “não têm sido favoráveis”. Estas variáveis traduziram-se numa inflação elevada e no aumento das taxas de juro, explica o economista do Banco Carregosa, fatores que contribuíram para a “redução” da acessibilidade ao crédito o que “limitou” as vendas de automóveis.
“A incerteza económica global também pode ter impactado negativamente a confiança dos investidores em empresas do sector automóvel”, acrescenta Paulo Monteiro Rosa.
O analista da corretora XTB, Henrique Tomé, refere ao Jornal Económico, que a Stellantis “começou a sentir dificuldades” a partir do final do ano passado, um cenário que acabou por se agravar este ano.
Henrique Tomé sublinha que isso acabou por se refletir na queda consistente das vendas ao longo dos vários trimestres e pelo aumento do inventário, principalmente nos Estados Unidos.
“Em termos de performance financeira, no último semestre, o rendimento operacional caiu 42,02% face ao mesmo período do ano anterior, enquanto os lucros caíram 48,03%. Já o Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização (EBITDA) caiu cerca de 36,02% face ao mesmo período do semestre anterior. Por outro lado, os inventários quase duplicaram desde o final de 2021 até agora, o que impulsionou positivamente para um aumento do capital próprio da empresa”, explica o analista da XTB.
Henrique Tomé considera que a gestão de Carlos Tavares trouxe resultados “mistos” tendo em conta que durante os primeiros trimestres (2021 até à segunda metade de 2023) o antigo CEO “conseguiu fazer com que as receitas e lucros da empresa aumentassem”, enquanto que nos trimestres seguintes, a empresa “começou a ficar mais vulnerável às circunstâncias económicas globais, onde o sector automóvel europeu tem estado bastante fraco”.
Para o analista da XTB o comportamento apresentado pelas ações da fabricante automóvel “reflete bem” os números que a empresa apresentou ao longo dos vários trimestres desde o início da gestão de Carlos Tavares.
Henrique Tomé acrescenta que o desempenho apresentado pelas ações da Stellantis “tem sido penalizado com as fracas perspetivas” sobre o futuro da empresa, pois nesta altura prevê-se que os Ganhos por Ação (EPS) “continuem a descer, bem como as receitas”.
Abordando o processo de transição que vai existir na Stellantis, tendo em conta que Carlos Tavares deixará de ser em 2026 o CEO da fabricante automóvel, Paulo Monteiro Rosa refere que o gestor português tem mostrado “liderança eficiente na execução operacional e no aumento das margens” contudo a empresa “enfrenta desafios de perceção e confiança, principalmente em relação à sua competitividade no segmento de veículos elétricos e tecnologias emergentes”
Para Paulo Monteiro Rosa a recuperação do valor de mercado exigirá uma comunicação estratégica “mais forte, maior foco em inovação e sinais claros de compromisso com o crescimento sustentável” no longo prazo.
“A saída de Carlos Tavares da liderança da Stellantis, anunciada para 2026, tem gerado uma reação mista no mercado, refletindo cautela e incertezas”, diz o economista sénior do Banco Carregosa.
Paulo Monteiro Rosa diz que sob a gestão de Carlos Tavares a Stellantis apresentou uma “respeitável execução operacional e crescimento financeiro” contudo enfrenta “desafios significativos” entre os quais a queda nas vendas nos Estados Unidos, a pressão competitiva no mercado de veículos elétricos e desafios de transição energética.
“A reação do mercado até agora sugere preocupações sobre a continuidade estratégica da empresa e sobre a capacidade de encontrar um sucessor com o mesmo nível de eficiência. Apesar das alterações recentes na gestão para lidar com problemas imediatos, como a substituição de líderes regionais, essas ações não reverteram a queda nas ações”, afirma Carlos Monteiro Rosa.
Para o economista sénior do Banco Carregosa o sucesso da transição de Carlos Tavares “dependerá muito” da escolha do seu sucessor.
Paulo Monteiro Rosa considera que o sucessor de Carlos Tavares, na Stellantis, deverá ser um “líder forte”.
O economista sénior do Banco Carregosa diz ainda que o novo CEO vai precisar de “manter o foco na inovação, eletrificação e competitividade global”, para além de necessitar de ter “capacidade para superar os desafios estruturais, tais como o fortalecimento da sua posição no mercado norte-americano e acelerar o crescimento” no segmento de veículos elétricos.
“A saída de Carlos Tavares representa uma oportunidade para renovação estratégica, mas também aumenta as incertezas num momento crítico para a indústria automóvel. O mercado está atento à escolha do próximo líder e às ações concretas da empresa para assegurar o crescimento sustentável”, diz o economista do Banco Carregosa.
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