Apesar da resistência acima do esperado mostrada durante a pandemia e de um primeiro trimestre com um crescimento que surpreendeu pela positiva, a confirmação da subida de juros na zona euro irá representar um desafio à saúde financeira do tecido produtivo nacional, assolado por crónicos problemas de capitalização e escala. Tal cria margem para reestruturações, embora alguns mecanismos e incentivos para movimentos desta natureza possam e devam ser melhorados, segundo os especialistas ouvidos pelo JE.
A subida das taxas de juro na zona euro (e em 50 pontos base, em vez dos esperados 25) aumenta a pressão na estrutura de custos das empresas europeias, já afetadas por uma crise logística agravada pela força da reabertura das economias ocidentais e por uma subida dos preços da energia que se deverá prolongar nos próximos meses. Para Portugal, onde domina um tecido empresarial de micro e pequenas empresas com elevado endividamento, a possibilidade de dificuldades é ainda mais evidente, conta Jorge Pisco.
“Esta escalada inflacionista leva a que haja uma previsível hecatombe da economia global”, começa por referir o presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), que fala numa “preocupação generalizada” entre os empresários nacionais. Depois de dois anos de pandemia e em que boa parte destas empresas ficou fora dos apoios mobilizados pelo Estado, Jorge Pisco projeta que “muitas vão passar dificuldades”, com tendência de agravamento “a partir do terceiro trimestre”.
José Poças Esteves, executive partner na Crowe Advisory, fala mesmo num possível “momento histórico de transformação da estrutura empresarial da economia portuguesa”, dadas as várias pressões a que estão sujeitos diferentes sectores da economia.
“As questões que se levantam não são só de financiamento. O próprio acesso ao financiamento, os custos de financiamento, os custos da energia, novas tecnologias necessárias de integrar nos processos ou a busca por recursos humanos qualificados” são outros fatores a juntar à subida de juros que agravam a sustentabilidade das empresas portuguesas, sobretudo das micro, pequenas e médias (PME).
PME com cenário difícil
As opções em caso de reestruturação são várias e com diferentes aplicabilidades. José Poças Esteves explica que a opção dependerá de vários elementos, mas a análise tem de partir sempre da mesma questão: “a empresa tem capacidade para gerar valor e riqueza?”
Em caso afirmativo, continua, a solução “pode ser interna e orgânica, orientada para o desenvolvimento”, mas sempre com foco no “quadro micro, mezzo e macro”. Aqui incluem-se especificidades da empresa, do sector em que opera e do ambiente global da economia, todas com impacto na sustentabilidade de uma organização. No entanto, esta abordagem é, por vezes, difícil, continua José Poças Esteves, com “soluções fragmentadas e não finais, estruturadas, integradas e integradoras”.
A outra opção passa por uma “lógica de consolidação”, frequentemente materializada pelo recurso a parceiros estratégicos ou mesmo a uma fusão ou aquisição (M&A). Aqui, as dificuldades são várias: as PME nacionais não cumprem os requisitos para aceder aos mercados internacionais, ao passo que o nacional “não é adequado” para as suas necessidades; já a banca, “que era a fonte de mais de dois terços do financiamento”, mudou de postura, alterando-se a “capacidade de dar acesso a financiamento e os critérios de risco”.
“Depois há as soluções tradicionais: o Programa Especial de Revitalização (PER), que neste momento melhorou a nível de enquadramento e como funciona, mas normalmente é tardio, é quase uma pré-insolvência, e uma nova entidade criada para resolver estas falhas, o Banco de Fomento, que também tem as suas limitações e não faz o papel que deveria”, completa José Poças Esteves.
RERE continua “esquecido”
Outro mecanismo tradicional que se tem deparado com inúmeras falhas é o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE), que José Alvarenga, presidente da associação que representa os mediadores deste instrumento, classifica como “esquecido”.
“A insolvência de uma empresa viável tem um enorme custo económico e social, contudo quem avalia o desempenho do IAPMEI, I.P. no apoio à reestruturação e recuperação de empresas? Se quisermos caracterizar a evolução do regime extrajudicial de recuperação de empresas podemos afirmar que o desgoverno é total e que é para continuar”, denuncia.
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