Comer bem e ter produtos alimentares de qualidade são duas ideias que os portugueses usam com frequência para retratar o país. O Turismo de Portugal quer associar a estes dois motores um terceiro, a sustentabilidade. De que forma se ligam estes três pontos?
Quando os portugueses referem que em Portugal se come bem, estão a dizer que temos uma cultura gastronómica forte, alicerçada em ingredientes únicos, com qualidade, diversidade e com produtos intrinsecamente ligados aos lugares e aos recursos naturais, como é exemplo o mar, mas também nas técnicas, no nosso legado cultural e nas influências históricas.
A sustentabilidade é mais que um motor, é um princípio que transcende a gastronomia e que no setor do turismo tem estado a ser incorporada de forma muito significativa.
Sustentabilidade na gastronomia passa por desenvolver uma rede que cria valor para todos, desde o produtor ao consumidor, assente em cadeias curtas que tenham uma pegada ambiental positiva, baseada na utilização de produtos locais e na preservação dos saberes tradicionais, garantindo que a riqueza gastronómica do país não só mantém a sua autenticidade, contribuindo também para potenciar a economia e as comunidades locais.
A gastronomia tem um impacto direto na agricultura, na pesca, no têxtil, na cerâmica, no design, entre outros, abrangendo um ecossistema amplo. A adoção de práticas sustentáveis na gastronomia permite influenciar toda a cadeia, contribuindo para a transformação do ecossistema, que deve ser concebido para gerar um impacto positivo no território, ou seja, regenerá-lo.
Quando falamos de sustentabilidade nesta área, em que é que aspetos nos deveríamos concentrar?
A sustentabilidade na gastronomia, como em todos os setores, deve ser abordada nas três dimensões: sustentabilidade ambiental, social e económica. A sustentabilidade ambiental implica utilizar produtos locais e sazonais, promover a agricultura sustentável, reduzir o desperdício alimentar e adotar práticas de economia circular. A sustentabilidade social é conseguida através da dinamização de redes de produtores locais, incentivo a práticas justas e inclusivas, valorização da gastronomia regional como património cultural sujeita à inovação e à criatividade dos nossos chefes e promoção da diversidade na restauração. Por último, a sustentabilidade económica, porque o turismo gastronómico é um motor de crescimento, atendendo a toda a cadeia de valor associada à gastronomia, desde a produção até à mesa.
Também é muito relevante para o fomento da sustentabilidade a educação e formação, o investimento na capacitação dos profissionais do setor para práticas sustentáveis e o aumento da cooperação entre diferentes agentes, desde chefs a agricultores e instituições de ensino.
Desta forma, a sustentabilidade não é apenas uma tendência, mas um fator determinante para a competitividade de Portugal como destino turísticos e como destino gastronómico.
A conferência de segunda-feira tem como protagonista Virgilio Martinez. O que nos pode dizer sobre este chef? O que o singulariza?
Virgilio Martinez é um dos mais conceituados chefs do mundo e o responsável pelo restaurante Central, em Lima, que foi considerado o melhor restaurante do mundo em 2023 pelo ranking The World’s 50 Best Restaurants. O seu trabalho distingue-se pela abordagem inovadora e sustentável à gastronomia, destacando a riqueza da biodiversidade do seu país e a conexão entre gastronomia, território e cultura. A sua cozinha é marcada pela inspiração na biodiversidade, refletindo os diferentes ecossistemas ambientais do Peru, pela sustentabilidade ambiental e social, envolvendo os produtores locais e respeitando métodos de cultivo tradicionais e por último pela experiência gastronómica e artística, com pratos carregados de valor simbólico e estético.
O Virgilio Martinez também desenvolve projetos educacionais e colabora com outros chefs do seu país, para aumentar a notoriedade e a visibilidade da culinária peruana. Destacar ainda que conta na sua equipa com dois portugueses, o CEO do grupo é o Diogo Miranda e recentemente juntou-se o Nelson Freitas, eleito em 2023 o melhor jovem chef do mundo e que por sinal foi formado na Escola de Hotelaria do Turismo de Portugal, em Viana do Castelo.
O trabalho que distingue Virgilio Martinez pode servir de ponto de referência para os chefs nacionais, sendo que alguns deles também vão estar na conferência de segunda?
O Virgilio Martinez é um exemplo de como a gastronomia pode ser um meio de preservação da cultura, de incorporação de inovação e de boas práticas de sustentabilidade. O seu método de valorização dos ingredientes locais, respeito pelo território e aposta na colaboração com pequenos produtores são princípios que, muitos dos nossos chefs já adotaram, e que se adaptam à realidade portuguesa, onde também existe uma vasta diversidade de produtos endógenos e de tradições culinárias.
Em Portugal assistimos a um caminho muito semelhante. Os chefs portugueses encontram inspiração na gastronomia tradicional, à qual acrescentam a sua criatividade e o resultado dos processos de inovação que realizam, sem perder a autenticidade e as raízes dos nossos sabores. A sua presença do Virgilio na conferência será, portanto, uma oportunidade para troca de ideias e para reforçar o papel da gastronomia como elemento diferenciador do turismo e da identidade nacional. Este é também o caminho que tem sido trilhado pelo Turismo de Portugal no que respeita à promoção da gastronomia portuguesa, tal como evidencia a campanha dedicada à gastronomia que foi recentemente lançada e que destaca a cumplicidade indissociável entre sabores, territórios, comunidades locais e cultura. A frescura, autenticidade, criatividade, sustentabilidade e generosidade são os traços distintivos da nossa gastronomia e é esta proposta de valor que divulgamos na nossa campanha.
Além da conferência, irá haver uma exposição em setembro. O que nos pode dizer sobre esta iniciativa original? Em que vai consistir? É dirigida a quem?
A exposição será inaugurada no último trimestre deste ano e terá lugar no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto. Trata-se da materialização do projeto Mater, um conceito criado por Virgilio Martinez e que une arte, biodiversidade, gastronomia, ciência e humanidade. Mas a exposição do Porto terá uma novidade, já que fará um diálogo com o Museu que a acolhe, incorporando obras da sua coleção de naturezas mortas relacionadas com a comida. Assim, veremos obras de Eduardo Viana, Augusto Gomes, Sofia Martins de Sousa, entre outros. Pela primeira vez o Museu vai receber uma exposição de gastronomia, dirigida a todos os interessados em arte e ao público em geral. Promoverá, ainda, iniciativas paralelas, com serviços educativos e ações dirigidas ao publico escolar, consciencializando para a biodiversidade e o respeito pela cultura gastronómica dos locais.
Será um momento extraordinária no nosso panorama cultural, uma vez que, esta exposição foi apresentada apenas em alguns, poucos, museus internacionais de referência, no Peru, Coreia do Sul, Egito, África do Sul e Itália.
A exposição cumpre o desígnio de trazer conhecimento e contribuir para sensibilizar todos, chefs e não só, para a relevância de uma abordagem à culinária baseada no respeito pelo produto e pela sua história, pelo produtor, pela natureza e por todo o seu legado cultural. Trata-se de mostrar que a gastronomia deve refletir a paisagem e a cultura de um destino, apresentando um equilíbrio entre técnica, sabor, cultura, tradição, inovação e criatividade.
No dia seguinte à conferência serão entregues as estrelas Michelin, incluindo as estrelas verdes. A sustentabilidade é uma preocupação apenas para o fine dining, que serve de referência a todo o setor que acabar por se ajustar?
O que está em causa é uma mudança do paradigma da sustentabilidade para o da regeneração dos territórios, no qual a gastronomia tem um papel relevante, assim como o turismo no seu conjunto. Embora o fine dining tenha maior visibilidade e, por isso, uma maior capacidade de influência, a responsabilidade é transversal a todos. Importa adotar as melhores práticas que propiciam um impacto positivo da atividade, do ponto de vista ambiental e social. Por exemplo, o desperdício zero ou a utilização de espécies invasoras na cozinha, são formas de contribuir para a proteção e restauro dos ecossistemas, promovendo um consumo responsável e reduzindo a pressão sobre os recursos naturais.
Na gastronomia, mas também em toda a cadeia de valor do turismo, vemos que cresce a preocupação das empresas em gerar um impacto positivo, ou seja, já não é apenas uma intenção é uma realidade, independentemente da tipologia de empresa ou ramo de atividade.
As distinções Michelin têm também acompanhado essa procura pela sustentabilidade, através da atribuição da estrela verde que distingue as melhores práticas nesta matéria, seja a redução do desperdício, a preferência por produtos locais, privilegiando cadeias de transporte curtas, e de época, respeitando a ordem da natureza e adaptando a cozinha às estações do ano e ao que a terra dá em cada lugar, em cada altura do ano. A estrela verde Michelin ajuda a dar visibilidade às boas práticas de chefs e restaurantes que promovem um impacto ambiental e social positivo, mas, a sustentabilidade não deve ser exclusiva da alta cozinha, sendo fundamental que esta tendência se alargue a toda a restauração.
O verdadeiro impacto sustentável acontece quando as boas práticas se tornam parte integrante da cultura gastronómica, desde a cozinha de uma tasca até à de um restaurante Michelin.
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