O exercício é vulgar, mas não deixa de ser útil: a palavra sustentabilidade, no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (http://www.priberam.pt/dlpo), significa: 1. qualidade ou condição do que é ‘sustentável’, ie., do que “se pode sustentar”, “se pode defender”, ou “tem condições para se manter ou conservar”; 2. “modelo de sistema que tem condições para se manter (‘sustentar’) ou conservar”.

Pela negativa, algo insustentável significa, também, uma impossibilidade (“que não tem fundamento ou defesa possível”).

Sustentar é, portanto, tornar possível, viabilizar, assegurar as condições para manter/conservar. Prende-se, necessariamente, com duração e transmissão, capacidade de resistência, consolidação. Neste sentido, a sustentabilidade, referida a processos como desenvolvimento, bem-estar, crescimento, coesão, cultura, património natural, e por aí fora, implica a recriação (permanente) de condições para que esses processos se mantenham, naturalmente transformando-se e, assim, reforçando-se. Sustentabilidade requer recursos (financeiros, humanos, naturais, culturais), modos de organização e funcionamento, valores e objetivos, acompanhamento e avaliação de efeitos e impactos, articulação de tempos (passado, presente e futura) e de escalas (individuais e coletivas, macro, mezzo e micro).

A politica cultural, num país como o nosso, onde ainda é ténue e recente, torna-se especialmente sensível à (in)sustentabilidade… A existência de um Ministério da Cultura pressupõe que a cultura, tal como definida em termos dos domínios de competência setorial, é um valor público. Deveria ser sustentável: em matéria de cultura, o ritmo e o esforço de construção (sustentável) tendem a ser muito superiores aos de liquidação.

Na semana passada, em sede de audição na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, o Ministro da Cultura apresentou duas mudanças, potencialmente de reforço da política cultural: uma sobre o atual (ainda novo) modelo de apoio às artes; e outra sobre o modelo de gestão dos museus, palácios, monumentos e sítios arqueológicos.[1]

No primeiro caso, anunciou a constituição de um grupo de trabalho para o reanalisar e rever, dadas as consequências da sua aplicação. Lamento profundamente (creio que lamentamos todos) o infortúnio, o desperdício de recursos, e, sobretudo, a incapacidade de antecipação de, pelos menos, uma parte dos resultados. Deixemos claro, porém, que, ao mesmo tempo, este processo não deixa de ser democrático, na medida em que, em democracia, ouve-se, dialoga-se, admite-se a possibilidade de erro e da sua retificação: os responsáveis reconheceram a insuficiência do financiamento; a necessidade de rever “a distribuição regional e a articulação com as autarquias”; “a separação entre apoios à programação e apoios à criação”, “a calendarização do processo concursal”; e, ainda, o próprio suporte tecnológico da candidatura (o formulário). O grupo de trabalho apresentará os seus resultados em final de setembro. Até lá, confiamos que se venha a viabilizar (sustentar) um novo modelo de apoio às artes, que é uma das condições de base para a urgentíssima sustentabilidade (conservação, estabilidade…) desse subsetor cultural.

O segundo anúncio já fora expresso, quer pelo Ministro da Cultura, quer pelo próprio Primeiro-Ministro. Trata-se de “um novo modelo de gestão para os museus, palácios, monumentos e sítios arqueológicos”, que o Ministro da Cultura classificou como uma “mudança de paradigma”, na medida em que resultará numa maior autonomia e agilidade das unidades orgânicas sob tutela da Direção-Geral do Património Cultural (DGCP). Quatro elementos centrais: a possibilidade de uma parte das receitas reverter para as próprias unidades que a gerem; a realização de contratos-programa plurianuais entre as unidades orgânicas e a tutela; a possibilidade de parcerias com “entidades públicas, privadas, sociedade civil e poder autárquico”; e uma “gestão por objetivos, consubstanciada em metas quantificadas e mensuráveis” (traduzida nos contratos-programa). Assim apresentado, o modelo pode criar enormes expectativas, sobretudo entre os museus. Porém, mantenho uma reação prudente, até dispormos de informação detalhada. Lembro o desinvestimento, em todos os aspetos (todos, incluindo os relativos às condições mínimas de conservação, observáveis a olho nu em vários museus nacionais), que tem sido imparável desde a criação da DGPC. A hipertrofia que tem caraterizado a tutela dos museus consubstancia-se numa situação de… inviabilização (insustentabilidade) acelerada. O “novo paradigma”, para o ser de facto, não poderá deixar de ter em conta, caso a caso, as condições para uma recuperação sustentada do estado dos museus.

É muito importante que não se repita no património o tipo de situação a que assistimos nas artes. Não sustentaria em nada a nossa ainda frágil política cultural.

[1]  Fonte: Audição do Ministro da Cultura, 5/junho/2018, http://www.canal.parlamento.pt.