Paulino e Pedro Afonso têm três coisas em comum nos dias que correm: são ambos portugueses, alumni do Instituto Superior Técnico e têm no currículo duas empresas que se vão juntar à instituição de ensino superior para capacitar e empoderar talento nacional.
Paulino Corrêa é Chief Network Officer (CNO) na Vodafone Portugal e Head of TV Technology na Vodafone Network, enquanto Pedro Afonso é CEO da Vinci Energies Portugal, à qual pertence a marca Axians. Este sábado vão marcar presença naquele instituto que os acolheu durante alguns anos para verem acontecer história: a maior aula de programação do mundo. Posto que são duas empresas focadas no avanço da tecnologia, quisemos perceber como é que as organizações portuguesas procuram talento nas universidades.
Como caracterizam o atual panorama de captação de talento no sector tecnológico em Portugal?
Paulino Corrêa (PC): É um panorama exigente, pela elevada competitividade que envolve. A excelente qualidade da formação nestas áreas que se faz em Portugal não escapa aos radares internacionais. Ou seja, à procura nacional, junta-se também o recrutamento feito por empresas estrangeiras.
Pedro Afonso (PA): Bastante desafiante. O talento para as áreas tecnológicas é escasso no mundo, e as nossas universidades fazem um excelente trabalho de formação e preparação. Os conhecimentos e skills têm como espaço de projeção laboral o mercado global. Neste contexto, Portugal entrega talento formado ao mundo, e ao mesmo tempo precisa de talento formado do mundo. Por isso os salários do setor tecnológico em Portugal têm subido, em média, bastante acima dos salários em geral. É necessário compreender que, com esta dinâmica, a captação de talento no setor tecnológico é uma dinâmica competitiva de mercado não apenas em Portugal, mas no mundo inteiro. E aqui, as escolas de formação de talento neste setor – universidades, politécnicos, entre outras – têm feito um trabalho melhor do que os potenciais empregadores: temos mais talento a trabalhar para fora a partir dessas escolas, do que de fora a trabalhar para dentro – para as empresas em Portugal.
Quais os principais desafios que o sector tecnológico enfrenta no campo da captação e retenção de talento?
PC: Desde logo, a situação de menor disponibilidade de talento qualificado, pela razão que referi atrás. E não se trata só de ter empresas internacionais a recrutar em Portugal para ir trabalhar no estrangeiro: hoje qualquer pessoa pode trabalhar para fora a partir da sua sala, bastando-lhe um computador e as ferramentas adequadas. Estas circunstâncias ditam que as empresas adaptem a sua oferta em termos de incentivos (e não apenas financeiros) para que esse talento seja retido em Portugal. Um segundo desafio, em particular para o nosso setor das Telecomunicações, é fazer com que as novas gerações não apenas compreendam a importância estratégica das redes de comunicação móveis e fixas – mais necessárias que nunca, como se viu durante a pandemia – mas também se revejam nas imensas oportunidades de crescimento e inovação que existem nesta área. É um setor em desenvolvimento constante, com desafios que passam por novas formas de desenhar, construir e gerir as redes e para os quais o talento tecnológico é indispensável.
PA: A localização de multinacionais tem trazido uma enorme dinâmica de oportunidades, ao talento formado em Portugal. Na captação de talento, o interesse por projetos desafiantes e impactantes, um ambiente de trabalho em que as pessoas possam exercer a sua atividade com um bom grau de autonomia, e ainda um package salarial competitivo, são as principais características apreciadas pelas pessoas. Ao mesmo tempo, a retenção do talento exige uma forma renovada – aberta e transparente – de relacionamento com as pessoas, a garantia de múltiplas experiências ao longo da carreira da pessoa na organização, e um plano de desenvolvimento – e de carreira – adequado às expectativas das pessoas. As organizações precisam de investir muito nas suas lideranças para lidar com todos estes requisitos, à partida difíceis de cumprir todos aos mesmo tempo para cada pessoa. Lidar com estes requisitos, com várias gerações dentro de uma organização, é um desafio de liderança entusiasmante, mas ao mesmo tempo muito desafiante.
Que estratégias estão a adotar para conseguir atrair e, mais importante, reter novos talentos? Procuram algum tipo de perfil ou competências emergentes?
PC: Na minha área em concreto, que é responsável por tudo o que tem a ver com as redes de comunicações da Vodafone, procuramos, na relação com a nossa área de Recrutamento, estar onde os talentos estão. E aí se enquadram as inúmeras iniciativas de contacto ao longo do ano nos eventos realizados com as instituições universitárias, para recrutar pessoas que nos ajudarão no desenvolvimento das redes de nova geração como o 5G, na criação de valor a partir da inteligência artificial, da Internet das Coisas ou do big data, por exemplo, sem esquecer a automação e a cibersegurança.
No caso do IST, um dos nossos grandes “viveiros” de talento, a Maior Aula de Programação do Mundo, que está a tentar bater, numa iniciativa da Magma, o recorde do Guiness é um bom exemplo desse esforço de captação, já que somos patrocinadores e temos uma presença no local. Também de referir a nossa participação como sponsor da categoria de “Conectividade” na competição de empreendedorismo Tecstorm organizado pela JUNITEC (júnior empresa do IST) ou as iniciativas conjuntas que frequentemente levam a Vodafone ao IST e trazem o IST à Vodafone.
Estes momentos permitem-nos fazer o “match” entre aquilo que o IST tem para oferecer em termos de competências e aquilo que a Vodafone está à procura, enquanto empresa que faz hoje muito mais do que conectividade. Mas quem fala do IST, fala de outras instituições universitárias e parcerias com quem estamos em contacto permanente ao longo do ano.
PA: Existem três linhas claras de atuação nesta frente: 1) desenvolvimento de lideranças: para sustentar uma base humanista na forma de atuar, ao mesmo tempo que a visão e a razão conduzem à construção de um projeto empresarial sustentável e de vanguarda no curto e no longo prazo; 2) desenvolvimento permanente do talento: a nossa VINCI Energies Academy e o nosso Axians Institute transformam o protagonista-trabalhador no centro do nosso valor, alinhando o empreendedorismo e a paixão pelo fazemos com os nossos valores; 3) a partilha de capital: todos os anos, através de um programa que chamamos CASTOR, convidamos todos os trabalhadores a participar na partilha do sucesso do nosso grupo, tendo hoje mais de 25% dos trabalhadores em Portugal como acionistas – o maior acionista do nosso grupo com cerca de 10% do capital, são as Pessoas que cá trabalham.
Como conseguem garantir que os colaboradores se sentem valorizados e motivados a permanecer uma organização como a vossa? Quais têm sido as iniciativas mais eficazes?
PC: Os nossos programas de captação de talentos (Vodafone Early Careers) estão adequados ao que de melhor se faz no mercado, em permanente atualização para garantir condições competitivas que permitem um equilíbrio ótimo entre tempo de trabalho, estímulo intelectual, oportunidades de crescimento e evolução de carreira (não esqueçamos que a Vodafone, enquanto grupo, tem uma forte exposição internacional, o que também permite que a carreira passe pelo estrangeiro) e a gestão da vida pessoal, com um modelo de trabalho híbrido.
Mais num plano técnico, a Vodafone opera dezenas de redes para centenas de milhões de clientes. Os desafios e os ‘problemas a resolver’ são de um potencial enorme para o crescimento de jovens engenheiros. Não há dúvida que as Redes do Futuro serão essenciais para resolver muitos dos grandes desafios que temos hoje globalmente e os engenheiros que contratamos têm um papel decisivo nisso.
Este trabalho, que também atribui muita autonomia aos colaboradores para o desenho da sua formação, tem contribuído para que estejamos no top 3 das empresas portuguesas com melhor imagem e reputação de empregabilidade, sendo por isso também líderes no nosso setor.
PA: Tudo começa e termina nas pessoas. Dentro e fora da organização. Numa organização tão grande e abrangente como a nossa, procuramos todos os dias o melhor equilíbrio para cada pessoa. A descentralização da estrutura e a elevada autonomia de decisão atribuída a cada unidade de negócio ou até equipa de projeto, também serve para essa adaptação caso a caso, com cuidado e agilidade. Ao grupo compete garantir a estabilidade de uma rede descentralizada, e acentuar os grandes compromissos ESG. Os valores fundamentais, e as principais balizas de atuação, a ética, o ambiente, a solidariedade, a segurança de cada um – física e mental –, a centralidade humanista, são alguns dos traços mais presentes no dia a dia, em inúmeras ações mobilizadoras.
Como é que a cultura organizacional influencia a retenção de talento? Que práticas promovem para garantir um ambiente atrativo para novos talentos?
PC: Para além do que mencionei, promovemos também uma cultura de inclusão e desenvolvimento, em que desde o primeiro dia, os recém-chegados têm acompanhamento de um mentor que facilita a integração na empresa assim como a participação em sessões de formação regulares com a comunidade jovem da Vodafone. Estes eventos e iniciativas oferecem uma oportunidade para os jovens talentos se conhecerem e criarem uma forte rede de contactos e desenvolvimento em ambiente organizacional, algo que também valorizam.
Numa vertente mais operacional a Vodafone é uma empresa que dá muito rapidamente voz e empowerment aos seus talentos que se destacam tanto na vertente tecnológica como na de negócio. Esses colegas mesmo não sendo chefias ou parte do management têm acesso a especialistas, a recursos de teste e prototipagem, e com boas ideias bem fundamentadas são suportados por uma mobilização interna para fazer as coisas acontecer. Poucas empresas desta escala o conseguem.
PA: Acredito que a cultura tem uma forma particular de ser e de se fazer. Um legado entre os que estão e os que chegam. Num grupo secular como o nosso, com uma forte matriz humanista e com valores fortes em prática, a cultura tem evoluído ao longo dos tempos, mas sem abdicar dos seus valores fundamentais: Autonomia, Responsabilidade, Empreendedorismo, Confiança e Solidariedade. Servir as pessoas e cuidar do planeta é hoje o compromisso mais tangível em tudo o que promovemos.
Onde é que as empresas portuguesas têm falhado para com o talento criado no país?
PC: Não vejo que se possa avaliar este tema nesses termos, de “falhar”. O que aconteceu é que as alterações operadas na forma de trabalhar durante a pandemia aceleraram uma tendência de digitalização das empresas, o que também acentuou a ubiquidade do posto de trabalho e multiplicou as opções de emprego das pessoas que todos os anos são formadas em Portugal.
Isso obrigou a um esforço de todas as empresas, sobretudo as que têm maior intensidade tecnológica, a acompanhar ou melhorar o que o mercado tem para oferecer a esses recém-licenciados ou mestrados.
Há espaço para os talentos portugueses crescerem e desenvolverem-se nas empresas que trabalham em Portugal, disso não tenho a mínima dúvida e por isso recuso a ideia de “falha”. Agora o que o mercado criou foi uma série de oportunidades a nível internacional que antes não existiam e a que estes mesmos talentos estão expostos – o que, para a sua carreira, é também algo muito positivo.
PA: Existem muitos tipos de empresas, mas talvez estas estejam em melhores condições de – realisticamente – poderem reter melhor o seu talento: 1) scale-ups com projetos ambiciosos, que possam partilhar o sucesso do seu crescimento e cujo crescimento seja visível; 2) empresas-escola, que normalmente são empresas com alguma escala e que aplicam as melhores práticas conhecidas em todo o mundo, tentando ser para os seus trabalhadores não só o empregador, mas também o espaço onde as pessoas podem evoluir como pessoas e como profissionais, dando tempo às pessoas para os seus próprios projetos ou hobbies fora da empresa. Ficará cada vez mais difícil às empresas com enorme nível de centralização de todas as decisões criar os espaços motivantes para as pessoas gostarem de lá trabalhar. O mesmo se aplica a projetos empresariais sem visão de desenvolvimento, ou com pouco mundo. As pessoas gostam de sonhar, de ver o sonho concretizar-se, e de ver isso acontecer em Portugal e de Portugal para o mundo.
Considera que o papel das universidades portuguesas tem sido essencial para a criação de novos talentos?
PC: Tem sido verdadeiramente indispensável. Não substitui todo o lastro de conhecimento que os seus alunos vêm depois a adquirir no contacto com as organizações em que são integrados, mas tem funções determinantes, como abrir horizontes para aquilo que de melhor se faz a nível internacional e reforçar, ao longo da carreira dos colaboradores, os conhecimentos nas suas áreas específicas de formação.
Para além da vertente técnica, tão importante como sempre foi e agora a abranger novos domínios por inteiro, as universidades têm trabalhado em novas dimensões de crescimento dos seus formandos que são essências às empresas como a Vodafone: capacidade de comunicação com o negócio, para soltar o potencial da tecnologia; sentido crítico e de risco na tomada de decisões; sensibilidade aos problemas como eles são sentidos pelos clientes e pessoas e, claro, resiliência.
PA: Temos excelentes Universidades e Politécnicos portugueses. O sucesso internacional que é reconhecido a algumas escolas são prova disso. Nos últimos anos, tem-se assistido a uma maior proximidade entre o mundo empresarial e o mundo académico, e isso deve ser registado, porque tem aproximado os próprios programas das necessidades do mercado – falo sobretudo nos domínios da gestão e da engenharia. Esta proximidade, é uma das relações mais críticas para a sustentabilidade do mercado de trabalho, do tecido empresarial, dos serviços críticos, ou da sociedade em geral.
Qual a importância de um trabalho entre as empresas e as universidades nacionais?
PC: É fundamental. Não só as instituições de ensino superior são os locais onde se forma boa parte das pessoas que acabamos por recrutar para a nossa Empresa, como desempenham um determinante papel na investigação e na interligação com outros investigadores estrangeiros, cujos resultados, por sua vez, vêm fortalecer todo o ecossistema tecnológico e de inovação do País. Enquanto centros de produção de conhecimento, são também a “casa” de muitos dos profissionais do setor tecnológico, que ao seu percurso profissional nas empresas juntam, muitas vezes, a docência nessas instituições.
No entanto noto aqui que precisamos de continuar a explorar em conjunto de novos modelos de parceria, não só baseados em financiamento ou protocolos genéricos de colaboração, mas mais em objetivos em cocriação: as empresas podem apresentar problemas relevantes para resolver (em contextos claros e com trade offs e benefícios objetivos para os clientes e a sociedade) e, em troca, promover o crescimento individual dos alunos, o alargamento das suas competências e também das competências dos grupos de investigação em que participam e as universidades. Há aqui um círculo virtuoso com potencial ainda por realizar.
Que tendências vão moldar a captação e retenção de talentos no sector tecnológico nos próximos anos?
PC: Vai depender muito das necessidades geradas pela áreas que venham a conhecer um maior desenvolvimento nas próximas décadas, e que estão em grande parte ligadas às transições energética e digital, com prioridade para a descarbonização, para a mobilidade inteligente e autónoma, para o reforço da sustentabilidade das organizações, para a segurança alimentar do planeta (com a digitalização do negócio agrícola) e para lidar com uma esperança de vida cada vez mais elevada (seja na saúde, seja na prevenção do isolamento).
Tendo em vista estes que serão alguns dos principais desafios da nossa sociedade, acredito que os colaboradores ou futuros colaboradores continuarão a privilegiar empresas e empregos que lhes deem oportunidades de cocriar e de se desenvolverem; que lhes proporcionem flexibilidade e equilíbrio pessoal; que lhes deem os meios – também financeiros, mas não só – para se realizarem. Tudo isto num mundo cada vez mais interconectado e veloz, que exigirá agilidade de parte a parte – empresas e talentos.
Acreditamos também que ferramentas de inteligência artificial vão cada vez mais ajudar-nos no reconhecimento dos perfis mais adequados às nossas necessidades, bem como ajudar-nos a gerir carreiras, no sentido de, por exemplo, adaptar conteúdos formativos e dar suporte aos nossos processos de retenção de talento.
No geral, as empresas como a Vodafone vão continuar a procurar pessoas com bases técnicas muito fortes, mas capacidade e disponibilidade para aprender, todos os dias. Vão ser valorizados os talentos que façam de forma eficaz o balanço entre o potencial tecnológico e o foco nos clientes e na sociedade, na resolução de problemas ou necessidades concretas das pessoas.
PA: A agilidade, resiliência, capacidade de aprendizagem e adaptação são atributos chave neste mundo VUCA, mas de nova geração. O trabalho gerido em modelos híbridos – mas com desafios sobre a cultura e proximidade das equipas que só a presença física pode resolver – veio para ficar. Com o contexto fiscal certo, mas ainda mais com um contexto económico competitivo robusto, o talento português será sempre preponderante neste setor crítico. Ficar é sempre um desafio. Partir é sempre uma opção. O equilíbrio de vontades entre talento e empregadores são absolutamente regulados pelo mercado, uma vez que estamos num contexto de talento escasso, e de grande crescimento nas necessidades de digitalização massiva das organizações, com mais automação e inteligência artificial. São escolhas e consequências. Já pouco se fala em empregos para a vida, mas o propósito é cada vez mais intemporal e global. E isto é evolução… ou Revolução (do Conhecimento)!
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