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Tancos: Sócrates critica declarações de António Costa

O antigo primeiro-ministro considera que a apresentação da acusação judicial tem evidente e ilegítima motivação política e crítica anteriores declarações de António Costa sobre justiça.
29 Setembro 2019, 19h40

O antigo primeiro-ministro José Sócrates considera que a apresentação da acusação judicial sobre o caso de Tancos a meio da campanha eleitoral tem “evidente e ilegítima motivação política” e crítica anteriores declarações de António Costa sobre justiça.

Estas posições de José Sócrates constam de um artigo hoje publicado na edição online do jornal Expresso, depois também enviado à agência Lusa, com o título “Desta vez o nome é Tancos”.

“Para ir direto ao assunto, considero que a apresentação da acusação judicial de Tancos tem uma evidente e ilegítima motivação política. Não só pelo momento escolhido – no meio da campanha eleitoral -, mas, principalmente, pela forma como o Ministério Público orientou a sua divulgação pública”, sustenta o líder dos socialistas entre 2004 e 2011.

No caso do processo judicial ao furto de armas na base militar de Tancos, segundo José Sócrates, “o truque, desta vez, consistiu basicamente em apresentar nas televisões a prova – uma mensagem do antigo ministro [Azeredo Lopes] para um deputado [Tiago Barbosa Ribeiro] na qual afirma que ?já sabia’. Todos os jornalistas foram atrás”.

“Já sabia” – eis a smoking gun. Todavia, lida toda a mensagem, rapidamente nos apercebemos de que o ministro diz que já sabia da recuperação das armas e não que sabia da forma ilegal como elas foram recuperadas. A mensagem nada prova. Não obstante, isolar aquelas duas palavrinhas permitiu o formidável passe de mágica que contaminou toda a conversa posterior. A operação chama-se ?spinning’ e constitui hoje uma especialidade da nossa política penal”, acusa José Sócrates.

Neste caso de Tancos, o antigo primeiro-ministro lamenta que a partir do momento da difusão do processo não tenha existido praticamente “nem direito de defesa, nem presunção de inocência, nem tribunais”.

“Eis ao que chegou esse poder oculto, subterrâneo e quase absoluto que resulta dessa extraordinária aliança entre alguns procuradores e jornalistas. A primeira vítima é o visado, é certo. Mas, se tentarmos ver um pouco mais longe, as próximas vítimas serão os juízes. O seu papel na justiça penal caminhará para a irrelevância. Afinal, já não precisamos deles: O Ministério Público investiga, o Ministério Público acusa, o Ministério Público julga – tudo isto nos jornais e nas televisões, seu terreno de eleição”, adverte.

Sobre o momento da conclusão da acusação, José Sócrates considera “fraco” o argumento de que haveria um prazo de prisão preventiva que se esgotava”.

“Com tanto tempo para investigar e acusar, é difícil encontrar razões para o não terem feito antes da campanha. O que resta, pelas regras da experiência comum que tanto gostam de invocar, é que queriam que a acusação tivesse exatamente o efeito político que teve”, defende.

No plano político, José Sócrates elogia a posição que o presidente do PSD, Rui Rio, teve no frente-a-frente televisivo com o secretário-geral do PS, António Costa, embora lamente que, depois, com o processo de Tancos, o líder social-democrata não tenha seguido o seu princípio de recusa da justiça na praça publica.

Para José Sócrates, Rui Rio “produziu o momento mais singular de toda a campanha afirmando com coragem que a democracia não convive com julgamentos de tabacaria – um novo acorde que teve o impacto de tudo aquilo que se ouve pela primeira vez”.

“O outro [José Sócrates], com esmeradíssima prudência, tratou o caso como assunto de intendência – isso é lá com a justiça. Como se do outro lado de toda esta conversa não houvesse pessoas reais. Como se não estivesse a falar de direitos individuais, de garantias, de Constituição. Como se o direito democrático não fosse, no que é essencial, a imposição de limites ao poder estatal”, escreve, numa crítica a António Costa.

No entanto, observa José Sócrates, uma semana depois, com o processo de Tancos, “a situação inverte-se : o primeiro decide atacar o primeiro-ministro dizendo que, se não sabia é grave e, se sabia, mais grave é ainda”.

“Esta afirmação só se percebe se o próprio partir do princípio de que o ministro da Defesa sabia, isto é, que ele é culpado. O ataque ao primeiro ministro pode ser político, mas é baseado no julgamento prévio do antigo ministro da Defesa. Em boa verdade, o que fez foi condenar sem ouvir a defesa e sem esperar pelo veredicto de um juiz. Por sua vez, o primeiro-ministro, indignado, declara o óbvio – a declaração encerra uma vergonhosa condenação pública antes de qualquer julgamento”, afirma José Sócrates.

No mesmo artigo, considera que o a violação do segredo de justiça “é um crime que o Estado reserva para si próprio”.

“Eis no que nos tornámos : em 2005, foi o Freeport; em 2009, as escutas de Belém; em 2014, a operação marquês, agora foi Tancos que se seguiu à espetacular operação de buscas e apreensões a propósito de um concurso de golas para uso em incêndios e que juntou duzentos polícias, vários procuradores e o juiz do costume. Tudo isto, evidentemente, devidamente coberto pelas televisões, avisadas com antecedência”, aponta, para tirar a seguinte conclusão: “É isto, e julgo que não é preciso fazer um desenho”.

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