Uma menor concorrência no mercado dos carros elétricos, e preços mais elevados, poderão ser algumas das consequências da decisão do Canadá em impor uma tarifa de 100% aos carros elétricos vindos da China, a partir de 1 de outubro, a que se junta também uma tarifa de 25% ao aço e alumínio vindos do país asiático, que entra em vigor a partir de 15 de outubro, de acordo com especialistas ouvidos pelo Jornal Económico.
O Canadá foi o mais recente país a impor tarifas a produtos vindos da China. Estados Unidos da América e União Europeia avançaram com tarifas aos carros elétricos vindos da China.
O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeux, citado pela “BBC”, justificando o aumento das tarifas sobre os veículos elétricos vindos da China, sublinhou que o país tem como propósito transformar o seu sector automóvel num “líder global na construção dos veículos do amanhã”, mas que atores como a China “escolheram dar a si mesmo uma vantagem injusta no mercado global”, como aconteceu com o caso dos subsídios estatais.
O governante acrescentou que a China “não está a jogar pelas mesmas regras” que o resto do mundo, citado pela “Reuters”.
Este ano os Estados Unidos anunciaram tarifas a vários produtos chineses numa lista onde se inclui os veículos elétricos, semicondutores, aço e alumínio. Sobre os veículos elétricos a tarifa passou de 25% para 100%, nos semicondutores aumentou de 25% para 50% e no aço e alumínio subiu 7,5% para os 25%. As tarifas estavam previstas entrar em vigor em agosto.
A Comissão Europeia anunciou também que iria aplicar tarifas aos veículos elétricos, com origem na China. A medida iria entrar em vigor, de forma imediata, ou seja desde julho deste ano.
A decisão, explicou a União Europeia, foi uma resposta aos apoios concedidos pelo estado chinês aos veículos elétricos, que no entender do organismo distorcem o mercado.
Para além da tarifa de 10% acresceria uma tarifa de 17,4% à BYD, de 19,9% à Geely, e de 37,6% às SAIC, devido à colaboração, ou falta dela, destas empresas no inquérito da Comissão Europeia, sobre os apoios concedidos aos veículos elétricos. Para outros produtores que colaboraram com o inquérito da Comissão Europeia, sobre os apoios estatais aos veículos elétricos, a taxa seria de 20,8%, e a quem não colaborasse poderia atingir os 36,3%, explica a Euronews.
Contudo a Comissão Europeia acabou por rever a taxa aplicada à Tesla, referente aos veículos que são fabricados pela empresa na China, para os 9%, em vez dos 20,8%, “depois de as exportações chinesas de veículos elétricos para a União Europeia sofrerem um declínio em resposta aos impostos adicionais”, referiu a Euronews. Contudo esta redução necessita da aprovação por maioria dos 27 estados membros da União Europeia, antes de 31 de outubro.
“Quando são colocadas tarifas em determinados produtos, por norma, existem perdas para ambos os lados. Por um lado, os consumidores do Canadá terão altas dificuldades em adquirir carros elétricos vindos da China. Além disso, poderão experienciar um acréscimo no preço de algumas matérias primas. Isto pode provocar um aumento dos preços das matérias primas a nível nacional e, em simultâneo, reduzir a concorrência de carros elétricos, o que pode provocar um aumento do preço dos carros elétricos vendidos no Canadá”, explica o analista da corretora XTB, Vítor Madeira, ao Jornal Económico, sobre o impacto da decisão do Canadá, de aplicar tarifas a vários produtos com origem na China.
O economista Sandro Mendonça refere, ao Jornal Económico, que uma das consequências, da aplicação de tarifas a produtos oriundos da China, que tem sido apontada por analistas, se traduziria em os consumidores canadianos passarem a pagar um preço mais elevado por carros elétricos de “menor qualidade, agora importados dos Estados Unidos”, sublinhando que esta medida faz lembrar o que aconteceu recentemente deste lado do Atlântico com a importação de gás liquefeito norte-americano, “com um impacto de 40% nos custos”.
Sandro Mendonça diz que também fica “muito saliente uma potencial contradição” na atitude do Canadá, que em 2018 foi penalizado pelos Estados Unidos da América com tarifas de 25% na sua indústria de aço.
“Nessa altura o Canadá anunciou que ia retaliar e lançou reclamações junto da Organização Mundial do Comércio (OMC). Agora não se poderá queixar de injustiça se lhe fizerem o mesmo, pois serão contramedidas perante medidas arbitrárias perfeitamente legais e previstas pela “ordem internacional baseada em regras””, salienta o economista.
O analista da XTB, Vítor Madeira, alerta que esta ação do Canadá também representa o início de uma guerra comercial com a China, “fortalecendo as relações com os seus aliados comerciais” como os Estados Unidos.
“Assim, através da adoção de estratégias protecionistas, o Canadá impede que países com normas mais facilitadas e mão de obra mais barata possam interferir na sua economia”, sublinha o analista da XTB.
No que diz respeito à China, o analista da XTB considera que há uma “perda significativa” tendo em conta que o país fica “gravemente incapacitado” de exportar carros elétricos para o Canadá, “o que terá impacto nas suas indústrias e no seu crescimento económico”.
Relativamente ao comércio de matérias primas a decisão do Canadá, no entender de Vítor Madeira, “pode provocar alguma inflação” no mercado chinês, “o que poderá direcionar as suas atenções para outros países ideologicamente mais próximos”.
Questionado sobre o impacto que a medida do Canadá poderá ter na China, juntando também o impacto das tarifas anunciadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia, o analista diz que o efeito deve ser “semelhante”, ou seja, será uma forma de “condicionar a expansão” da exportação de carros elétricos para os países ocidentais oriunda da China.
“Deste modo, como já temos vindo a observar, este tipo de medidas provoca uma divisão dos blocos centrais mundiais e contribui para que cada vez mais este afastamento ocorra. Além disso, as últimas medidas anunciadas pelos países ocidentais podem claramente condicionar a recuperação económica na China”, diz Vítor Madeira.
O economista Sandro Mendonça considera também que há uma “degradação geral da reputação de confiabilidade” de todo o “Ocidente”.
“E não é só junto do “Sul Global” que essa imagem se degrada. Países pequenos e periféricos com padrões de especialização produtiva mais assentes em sectores tradicionais sentiram o que foi a chegada de países como a China, Índia ou Turquia à arena comercial internacional. Na altura foi dito a esses países que tinham de alinhar pela nova era da globalização. Mas agora parece que essa conversa não se aplica aos países ricos quando o seu monopólio das indústrias avançadas é finalmente desafiado”, acrescenta Sandro Mendonça.
Crítico destas vaga de tarifas aplicadas a vários produtos oriundos da China é o professor doutorado em Filosofia pela Universidade de Lisboa, Viriato Soromenho-Marques, que ao longo da sua carreira se tem debruçado sobre temas como a filosofia, o Ambiente e Assuntos Europeus. Viriato Soromenho-Marques foi também membro do High Level Group on Energy and Climate Change, um órgão da Comissão Europeia, entre 2007-2010. Chegou a ser presidente da Quercus e um dos membros fundadores da Associação ambiental Zero.
“Penso que revela a verdadeira natureza da “transição energética” e da “mobilidade elétrica”: “business as usual”. Quando a Chima era pobre e apenas tinha mão-de-obra barata, o capital americano e europeu fez um verdadeiro negócio da China, movido pelo lucro, sem se preocupar com a desindustrialização do Ocidente e o desemprego associados. Agora que a China é o campeão da inovação mundial, no software digital, nas telecomunicações, na Inteligência Artificial, na mobilidade elétrica, nas renováveis, o Ocidente apressa-se a colocar tarifas, que impedem os consumidores europeus e americanos de comprarem carros modernos e baratos para proteger as cada vez mais obsoletas empresas do setor automóvel nos Estados Unidos, Alemanha e até Japão”, considera Viriato Soromenho-Marques.
Para Viriato Soromenho-Marques o princípio é o mesmo e passa por “aumentar os lucros das empresas e seus acionistas do lado de cá”.
Viriato Soromenho-Marques acrescenta que “os consumidores ocidentais e a salvação do mundo perante a escalada da crise ambiental e climática são mera cosmética, que logo se borra quando confrontada com a realidade patética do regresso ao protecionismo, por parte dos antigos arautos do comércio livre”.
Viriato Soromenho-Marques considera também uma “tristeza” sermos governados por gente ao serviço deste “capitalismo míope, cruel e suicida”.
Os cinco principais fornecedores do Canadá, em 2023, no que diz respeito à importação, foram os Estados Unidos da América (49,6%), a China (11,8%), o México (6,1%), a Alemanha (3,3%) e o Japão (2,7%). Estes mercados representaram, em conjunto, 73,6% do valor das importações, refere a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), recorrendo ao Comtrade.
Os cinco principais mercados-clientes do Canadá, em 2023, ao nível da exportação, foram os Estados Unidos da América (77,6%), a China (4%), o Japão (2,1%), o Reino Unido (1,9%) e o México (1,1%). Estes mercados representaram, em conjunto, 86,6% do valor das exportações, diz a AICEP, recorrendo a dados do Comtrade.
A China é o segundo maior parceiro comercial, da União Europeia, ao nível dos bens, depois dos Estados Unidos, com as trocas comerciais a atingirem os 739 mil milhões de euros, em 2023, de acordo com a Comissão Europeia.
“Isto representa uma queda de 14% face a 2022”, salientou a Comissão Europeia.
A China é o terceiro parceiro ao nível das exportações e o maior nas importações, diz a Comissão Europeia, relativamente às trocas comerciais de bens. A balança comercial entre a União Europeia e a China foi deficitária para o lado da União Europeia ao atingir os 292 mil milhões de euros, em 2023. “As exportações da União Europeia para a China atingiram os 223,6 mil milhões de euros, enquanto que as importações da União Europeia para a China chegaram aos 515,9 mil milhões de euros, uma queda de 3,1% e de 18% face ao ano anterior”, salientou a Comissão Europeia.
Nos serviços, em 2023, a União Europeia teve um superavit no comércio com a China que chegou aos 14,1 mil milhões de euros. A China é o quatro maior parceiro comercial, ao nível das trocas comerciais de serviços, da União Europeia depois dos Estados Unidos, Reino Unido e Suíça.
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