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Taxa Tobin: “Imposto terá um impacto muito negativo nas empresas”, alerta Rogério Fernandes Ferreira

Presidência portuguesa da UE quer reabrir dossiê da taxa Tobin. Mas imposto tem de reunir consenso alargado. Em entrevista ao Jornal Económico, o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais deixa alertas para os efeitos da medida. Defende que, num contexto de crise pandémica e económica, poderá ter efeito anti cíclico e prejudicar a própria retoma. E considera que “seria preferível adotar outro caminho”, até porque esta taxa só funcionaria se fosse “implementada globalmente, pelo menos no seio da UE”.
1 Março 2021, 17h50

Rogério Fernandes Ferreira diz que uma taxa Tobin, um imposto sobre as transações financeiras que a Presidência portuguesa da União Europeia (UE) quer relançar no atual contexto de crise, teria um impacto “negativo”, com “fuga de capitais para outros mercados”, prejudicando as empresas que “mais dependam do sector financeiro”. O advogado e managing partner da RFF Advogados alerta que o aumento da carga fiscal seria “repassado para a economia real, o que, num contexto de crise pandémica e económica, poderá ter um efeito anti-cíclico e prejudicar a própria retoma”.

O fiscalista sugere, em alternativa, a criação de um imposto europeu temporário acomodado num orçamento retificativo. “Um novo recurso próprio extraordinário da UE”, que recaísse “sobre pessoas singulares residentes na UE (e equiparadas, como as heranças jacentes), liquidado pelos intermediários financeiros e pelos municípios e administrações tributárias, sendo consignado, exclusivamente, ao combate e aos efeitos da pandemia”

O governo português diz que o “foco mais sensato” será arrancar com esta taxa o mais rapidamente possível usando os modelos já existentes em França e Itália. Concorda com esta medida?

O relançamento pela Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia da discussão sobre este novo imposto tem subjacente a necessidade de financiar a recuperação europeia, no atual contexto de crise económica devido à pandemia. Curiosamente, já a proposta inicial, de setembro de 2011, também foi equacionada em resposta à recessão de 2007 e 2008.

É salientado pela Presidência portuguesa que, nesta fase, se pretende discutir apenas aspetos conceptuais do imposto, ou seja, questões como a incidência ou a taxa, e alguns dos seus aspetos práticos, designadamente relacionados com os mecanismos de arrecadação da receita por parte das administrações tributárias nacionais.

As questões políticas, especialmente a do modo de alocação das novas receitas, ao orçamento da União Europeia, com a subsequente redistribuição pelos Estados-membros, ou a da mutualização da receita, enquanto forma de financiamento dos programas europeus de recuperação económica, são matérias que ficam de fora desta proposta da Presidência portuguesa, deixando a ideia que tal discussão será imprescindível, mas se empurra para uma fase posterior.

A proposta não é, contudo, dirigida apenas aos Estados que permaneceram comprometidos em avançar com este novo imposto, na senda da proposta europeia inicial de 2011, prosseguida em 2013, ou seja, a Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Grécia e Itália, além de Portugal. São convocados todos os restantes Estados-membros para o relançamento desta discussão sobre o novo imposto. Todos os Estados-membros são convidados a apresentar as suas opiniões, para já, sobre a abordagem proposta para a conceção deste imposto sobre transações financeiras, sobre se a experiência francesa e italiana representa base sólida para uma abordagem europeia gradual sobre o imposto, quer no contexto da cooperação reforçada, quer a nível da União Europeia, e sobre se se devem aí incluir as transações em derivados de ações em conformidade com o modelo italiano.

Para que o imposto funcione, o certo é que terá de ser implementado globalmente…

… e pelo menos no seio da União Europeia. Mas certo é também que Portugal traduz uma economia aberta, mas pequena, o seu mercado de capitais é igualmente irrelevante no contexto mundial e europeu, pelo que a implementação deste novo imposto em Portugal pode ter impacto significativamente negativo em termos de desinvestimento e mesmo de fuga de capitais para outros mercados. O imposto terá ainda um impacto muito negativo nas empresas, principalmente nas que mais dependam do sector financeiro e o aumento da carga fiscal será naturalmente repassada para a economia real, o que, num contexto de crise pandémica e económica, poderá ter efeito anti cíclico e prejudicar a própria retoma.

Pessoalmente, considero que seria preferível adotar outro caminho. Propus em Março de 2020, a criação de um imposto europeu, mas assumidamente temporário, de “salvação Europeia”, um european covid shot tax, a ser aprovado pela unanimidade dos estados da União Europeia e por regulamento europeu, a incluir num orçamento suplementar (retificativo) europeu, um novo recurso próprio extraordinário da UE.

Incidiria sobre ativos líquidos financeiros, incluindo depósitos, mas excluindo títulos de capital e de divida privada, como ações, obrigações ou suprimentos, e incluiria ainda outros ativos não móveis detidos á data de 1/3/2020, data do espoletar da crise pandémica na Europa. Incidiria sobre pessoas singulares residentes na UE (e equiparadas, como as heranças jacentes), seria liquidado pelos intermediários financeiros (bancos) e pelos municípios e administrações tributárias, sendo assumidamente consignado, exclusivamente, ao combate e aos efeitos da pandemia COVID 19. Um novo imposto de guerra, desta vez à pandemia e a mais endividamento.

Quais são os riscos que aponta para esta medida? Haverá o risco de fuga de capitais se não for uma medida global?

Há riscos. Não há dados fiáveis sobre o seu efeito moderador nos mercados, sendo este efeito um dos pontos salientado pelos defensores do imposto, nem sobre o potencial efeito de aumento da receita que lhe anda associada. Haverá diminuição do volume das transações financeiras e da liquidez nos mercados financeiros não devidamente quantificáveis. O imposto acabará por ser repercutido pelas instituições financeiras nos seus clientes, repassando para a economia real e que é quem se pretende proteger neste momento pandémico e de crise económica

A fuga de capitais é também uma hipótese, real e efetiva. Tão mais real quanto menos forem os Estados aderentes. Isso ocorreu com a Suécia nos anos 80, quando implementou um imposto sobre transações financeiras. Já em França e em Itália, no início da década de 2010, a situação foi diferente, apesar de não completamente estudada. Julgo que em mercados de capitais mais desenvolvidos e com empresas mais interessantes, como é o francês ou o italiano, os efeitos da sua introdução possam estar mais atenuados. Seja como for, a administração Biden está a trabalhar na implementação de um imposto sobre transações financeiras nos EUA. Adicionalmente, o Estado de Nova Iorque está também a ponderar avançar, unilateralmente, para o novo imposto, embora com a ameaça da NYSE e Nasdaq se mudarem para o Texas…. Cumpre dizer que se existisse uma implementação mais global na União Europeia e também nos EUA, e tendo o Reino Unido um imposto destes em vigor, as desvantagens seriam bem menores, mas não deixariam de provocar alguma deslocalização para outros mercados, especialmente para os mercados de capitais asiáticos.

Será facilmente aplicável em Portugal?

Uma introdução unilateral ou isolada deste imposto seria bem complicada e desaconselhável em Portugal. A sua aplicação será tanto mais fácil quanto mais global for a aplicação do imposto nos Estados-membros da União Europeia e em termos mundiais.

Nos últimos anos, a Administração tributária portuguesa desenvolveu muito os seus mecanismos de cobrança e de controlo fiscais, a ponto de se dever promover a existência de um novo defensor do contribuinte. Está bem preparada e bem apetrechada, pelo que, do ponto de vista prático, os problemas seriam certamente mais de outra natureza, ordem técnica ou interpretativa, e das suas consequências.

Apesar de ter sido inicialmente proposta há 10 anos, uma dezena de países procuram agora um consenso para implementar esta medida. A presidência portuguesa quer dar um “empurrão” a esta medida para que até ao final de 2022 possa haver um acordo para permitir a entrada em vigor de um imposto transnacional. Acredita que haverá desta vez um consenso?

Vivemos uma situação de emergência à escala mundial. Os últimos desenvolvimentos no seio da União Europeia, nomeadamente com os planos de recuperação aprovadas e com medidas que exigem uma muito maior cooperação e integração europeia, levam-me a crer que discussão sobre este imposto será, hoje, tida em termos completamente diferentes dos de há 10 anos. Já alguns diversos Estados-membros com este imposto, cuja experiência prática pode ajudar a resolver alguns pontos da discussão. Foi por isso mesmo que a Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia pediu aos diversos Estados-membros que emitissem a sua opinião sobre os modelos francês e italiano e sobre se algum destes lhes parece modelo adequado.

Considera que esta medida será importante para financiar a recuperação da UE e que que se traduzirá num aumento de receitas para os Estados-membros?

Não privilegio a existência de novos impostos nacionais, mas serão inevitáveis, pelo menos por período determinado. Não devem, porém, perpetuar-se no tempo, nem são aconselháveis em países com cargas tributárias já elevadas. Gostaria que privilegiassem também a amortização e a redução das dívidas dos países mais endividados e que se não traduzissem em meros aumentos de despesas gerais e correntes. As introduções de impostos nacionais desta natureza trarão sempre novos aumentos de receitas, mas também de despesas. E, conforme se tem verificado nas experiências francesa e italiana, as receitas têm ficado aquém das expetativas iniciais e o seu efeito na economia real não é nada claro. Será crucial nesta discussão que agora se inicia, sobre a estruturação e a conceção do imposto, que se venham a identificar e a mitigar todas as suas desvantagens e todos os seus potenciais efeitos negativos.

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