O número de utentes a aguardar consultas externas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) diminuiu face ao registado no final do ano passado, mas as medianas dos tempos de espera dos utentes em lista agravaram-se nos cinco primeiros meses deste ano. Os dados constam de um relatório do Tribunal de Contas (TdC) que assinala que nas consultas externas a mediana subiu de 100 para 171 dias, com cerca de 69% dos inscritos, em 31 de maio deste ano, a aguardar para além dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG).
“Este valor representa um agravamento face aos valores apurados no final dos anos de 2017 a 2019, no entanto, também já existia um elevado incumprimento dos TMRG naqueles anos (mais de 50% em 31 de dezembro de 2017 e 31 de dezembro de 2018 e 46% em 31 de dezembro de 2019)”, pode ler-se no relatório “Covid-19: Impacto na atividade no acesso ao SNS”, publicado hoje.
O TdC realça ainda que continuavam em lista de espera para consulta 49.279 pedidos a aguardar triagem para definição da prioridade, “cerca de metade dos quais a aguardar já há mais de 120 dias e, portanto, fora de qualquer TMRG, independentemente da prioridade que vier a ser definida”. No entanto, reconhece “a evolução muito positiva verificada no número de pedidos em lista de espera sem triagem efetuada, que, no final de 2017, ascendiam a 102.350 pedidos”.
O TdC apresenta neste relatório as principais conclusões preliminares de uma ação de controlo relativa à gestão da pandemia pelo Ministério da Saúde, associada à resposta à pandemia, com incidência nos impactos da crise pandémica na atividade do SNS e no acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, revelando que a mediana do tempo de espera nos inscritos para cirurgia subiu de de 106 para 147 dias, com cerca de 43% dos inscritos (a 31 de maio) a ultrapassar os TMRG.
“Verificou-se alguma deterioração do cumprimento do TMRG nas cirurgias realizadas em maio de 2020, ainda que se mantivesse relativamente próximo dos valores registados em anos anteriores. Nas cirurgias mais urgentes (prioridades 3 e 4, doença oncológica e não oncológica), o cumprimento dos TMRG melhorou, reflexo do foco da atividade nestes doentes, face aos menos urgentes”, assinala o TdC.
A instituição presidida por José Tavares, que sucedeu a Vítor Caldeira, refere que a atividade dos prestadores do SNS nos meses de março a maio de 2020 foi inferior à registada no mesmo período do ano passado, destacando “a redução da atividade cirúrgica programada (-58%, 93.300 cirurgias), da atividade dos serviços de urgência hospitalares (-44%, 683.389 atendimentos) e das primeiras consultas externas médicas hospitalares (-40%, 364.535 consultas)”, devido quer ao adiamento da atividade programada decidida pelo Ministério da Saúde, no contexto da pandemia, quer “o receio da população” que “levou à diminuição da procura dos serviços de saúde, incluindo os urgentes”.
“Por sua vez, o recurso à teleconsulta foi relevante para conter a redução da atividade presencial nos cuidados de saúde primários (aumento de 83% das consultas não presenciais ou inespecíficas, passando a representar 65% do total), embora nos cuidados de saúde hospitalares a realização deste tipo de consultas se tenha mantido residual”, salienta, indicando que as novas inscrições de utentes para consulta externa hospitalar e para cirurgia reduziram-se acentuadamente.
O TdC conclui que neste contexto a recuperação da atividade não realizada no SNS devido à pandemia “terá que ocorrer num contexto de cuidados adicionais na prática clínica, com o risco de a capacidade instalada no SNS não ser suficiente para fazer face a este acréscimo de procura sem o aumento acentuado dos tempos de espera”.
“Tal recuperação pode justificar a criação extraordinária de incentivos específicos no sistema de financiamento do SNS, para além do uso que o Ministério confira a todos os mecanismos já existentes e sem prejuízo do seu reforço, como já ocorrido pela majoração dos incentivos à produção adicional no Serviço Nacional de Saúde”, sublinha.
Sugere, deste modo, que “após o confinamento geral decorrente do estado de emergência poderá ser oportuno proceder a um reconhecimento no Serviço Nacional de Saúde das melhores práticas administrativas de reorganização dos serviços, bem como a revisão e o ajustamento de planos de contingência, de modo a conhecer e avaliar o“trade-off” da afetação de recursos ao tratamento dos doentes com Covid-19, face às necessidades de diagnóstico e tratamento de outras doenças, ainda que não urgentes”.
“O desafio sobre a alocação adequada dos recursos e a regulação dos níveis de serviço disponibilizados, na medida do necessário, mantém-se no presente e no futuro próximo, tendo em conta a necessidade de recuperação da atividade programada não realizada e a resposta do Serviço Nacional de Saúde à segunda fase de maior incidência da pandemia”, adverte.
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