1. As lições de digitalização no sector da saúde adquiridas com a pandemia estão a conseguir manter-se?
Nuno Brás
Diretor geral da LEO Pharma
A pandemia de COVID-19 foi prova de que este é o momento certo para investir na saúde, em I&D e na tecnologia. Barreiras regulamentares, financeiras e comportamentais foram quebradas e os cuidados virtuais passaram a ser integrados no nosso sistema de saúde para responder às necessidades e melhorar a qualidade de vida dos doentes, seja através da adoção de soluções que facilitaram o contacto com o doente, como a telemedicina, seja na melhoria da eficiência dos processos.
A crise sanitária foi um acelerador da inovação digital dos cuidados de saúde em 2020 e é esperado que esta transformação digital se mantenha crescente e esteja, cada vez mais, orientada para um futuro preventivo, personalizado e participativo. Daqui em diante, o que se prevê é o surgimento de novas doenças e pandemias, pelo que é importante possuir novas ferramentas que possam controlar surtos, prevenir contágios e ajudar a tomar melhores decisões, controlando as doenças atuais e futuras. O que se pretende é a utilização da tecnologia como nosso aliado, para alcançar um sistema de saúde moderno, que permita melhorar a experiência do doente, aumentar a produtividade dos profissionais de saúde, produzir dados para uma melhor tomada de decisão relativa à saúde e, consequentemente, gerar poupanças para os governos.
Acredito que as lições adquiridas sobre a digitalização no sector da saúde não só se tenham mantido pós-pandemia, como verificaremos que serão melhoradas. É, sim, necessário investimento a longo prazo e, sobretudo, educação/ comunicação para que haja uma difusão ampla dos claros benefícios que a digitalização oferece ao sistema de saúde e a todos os doentes.
Verifica-se um investimento por parte dos diversos parceiros no setor de saúde na área da digitalização, inteligência artificial e ‘big data’, fomentado inclusivamente pelos fundos ‘Next Generation’ oriundos da Europa que visam dotar este setor estratégico de ferramentas mais ágeis e eficientes para tratar os grandes problemas de saúde pública.
Na LEO Pharma continuaremos em contacto com os profissionais de saúde no sentido de prestar o apoio necessário para superar este período crítico. Procuramos dar resposta às necessidades dos profissionais de saúde, não só através dos medicamentos que disponibilizamos, como de ferramentas inovadoras e formação necessária que colocamos à disposição dos profissionais de saúde. Estamos ao lado de empresas e tecnologias que possam ajudar-nos a cumprir a nossa missão.
Nelson Pires
Diretor geral da Jaba Recordati
Julgo que as lições da digitalização mantêm-se e algumas inclusive melhoradas. A “intrusão” na vida pessoal com contactos fáceis em qualquer momento e sem planificação e o respeito pelo “Work Life Balance” está mais presente agora do que durante o pico da pandemia. E este foi um fator de melhoria. Julgo que os sistemas digitais foram melhorados e neste momento temos formas mais simples de comunicação, pois as organizações também criaram regras claras, assumindo uma forma “SMART” de trabalho. Mas perdeu-se algo neste processo de regresso, nomeadamente a capacidade de nos relacionarmos presencialmente de forma regular. A cultura de uma organização, as equipas, o “on boarding” de novos colaboradores, a criatividade e inovação constroem-se com trabalho em conjunto e presencial de pessoas.
E esta humanização desapareceu em algumas organizações. No início da pandemia todos assumimos que o mundo seria totalmente digital. Nunca acreditei, acredito que será “Face to Face with a digital touch”. O digital, a inteligência artificial, o 5G, a “internet of things”, o blockchain são tudo tecnologias que terão que se integrar com o humano para serem potenciadas. Nunca irão substituir o ser humano, ajudam-no a ser mais veloz e a cometer menos erros.
Em suma perdeu-se humanização das organizações, decisões enviesadas por algoritmos incorretos, algum senso e bom senso nas decisões, a capacidade transformar a enorme quantidade de dados em informações e também uma diluição das fronteiras entre as diferentes dimensões do trabalho e entre o trabalho e a atividade não profissional. Mas ganhou-se bastante agilidade nas decisões e no contacto. Não podemos é esquecer riscos sérios como o da cibersegurança, capacidade de adaptação de algumas pessoas e a falta de razoabilidade da legislação laboral para o trabalho remoto.
Hugo Santos
Diretor clínico da Psicologo.pt
Na fase pré-pandemia as consultas online de psicologia e psicoterapia já existiam, mas numa percentagem bastante menor. Estas eram utilizadas sobretudo por dois grupos de pessoas: pelos expatriados e pelos nómadas digitais. No primeiro grupo, tendo em conta a preferência do uso da língua materna no processo psicoterapêutico, já era comum os portugueses que estavam a residir no estrangeiro recorrerem às consultas de psicologia e de psicoterapia à distância, ainda para mais tendo em conta os desafios do expatriamento. De igual modo, os nómadas digitais que vinham a crescer como estilo de vida e alternativa profissional, já usavam o digital de forma generalizada, o que incluía as consultas online. Contudo, antes da Covid-19 as consultas presenciais eram largamente dominantes. A pandemia, na área da saúde mental, permitiu uma verdadeira “catarse” do digital. Tudo mudou. Se no início o digital surgiu por necessidade e única opção de ter uma consulta de psicologia ou de psicoterapia, com o tempo foi-se instalando como hábito e rotina, e passou a fazer parte da nova normalidade. A perceção desfavorável que existia, apesar da investigação na área da psicologia até já apontar para vantagens da consulta online, mudou com a experiência adquirida. As pessoas na sua generalidade puderam experimentar o uso do digital para acesso a uma série de serviços e o que era estranho, passou a ser um hábito positivo. Por outro lado, os profissionais massificaram o trabalho online e experimentaram várias modalidades e formatos de trabalhar à distância. Muitos psicólogos continuaram a ir para o consultório, mas agora para dar consultas online, conseguindo conciliar espaços e tempos. Atualmente, com o fim das medidas da pandemia, o digital veio para ficar na área da saúde mental.
A psicologia e a psicoterapia continuam a realizar-se através do online de forma muito significativa, senão maioritária em muitas situações (sobretudo com os pacientes adultos e adolescentes). A opção do online de escolher o psicólogo sem ser pela proximidade geográfica, mas através de critérios como a empatia, como é o utilizado no Psicologo.pt, permitiu uma mais-valia na escolha e nos resultados de um processo onde a relação é essencial. Outras variáveis como a otimização do tempo, o foco no processo terapêutico ou a opção de se sentir mais seguro no online, passaram a fazer parte da escolha de quem procura um psicólogo. Além disso, também se desenvolveram modelos mistos, ou seja, processos terapêuticos onde por vezes as consultas se realizam presencialmente, em momento onde a aliança ou a regulação emocional podem ser mais relevantes, ou em fases mais profundas de trabalho de traumas, e noutras vezes as sessões são online, com o pragmatismo e o conforto também interno desta modalidade. Por tudo isto, convictamente o online veio, felizmente, para ficar na área da saúde psicológica. Afinal, no mundo interno há muito espaço para o presencial e para o digital.
Pedro Caseiro
Co-fundador da Blanky
A primeira regra de que normalmente se fala na construção de produtos (e tecnologia) é a de que se os utilizadores não estão a fazer aquilo que nós esperávamos (ou queríamos) que eles fizessem, então provavelmente errámos na construção. Aquilo que vemos atualmente na área da saúde é uma iteração desta frase – muitos utilizadores tornaram-se, com a pandemia, utilizadores digitais e encontraram sistemas que não estavam preparados para lhes dar resposta. E isto vê-se transversalmente no sistema, quer na parte digital, quer na parte física que a suporta. Pela parte do utilizador (independentemente de talvez não o terem encontrado), o desejo por maior comodidade, facilidade de interação e facilidade de consulta de informação continua lá e, pelo menos dessa perspetiva, não regredimos.
Falta saber o que se passa no lado da oferta… Num sector em que o maior “prestador” é o estado (reconhecidamente lento a fazer mudanças e a adotar novas tecnologias), esse é o grande tema: em termos digitais o sector da saúde ainda não chegou a 2022 (talvez nem a 2010…). Terá forçosamente de o fazer porque a pressão de listas de espera, envelhecimento da população, falta de profissionais da área e concentração da população em polos urbanos a isso o vai obrigar. Haja investimento e, sobretudo, os recursos humanos certos para gerir esse desenvolvimento. Pela positiva – os bons sinais do sector privado. Desde as empresas de outras áreas que se preocupam cada vez mais com a saúde mental dos seus trabalhadores (e na blanky temos falado com bastantes sobre isso na área do sono e ansiedade) até ao nascimento de uma série de novas empresas voltadas para resolver problemas de médicos (como a TonicApp) há em Portugal sinais muito animadores para uma vez mais resolvermos com engenho os problemas que a falta crónica de sistemas, processos, planeamento e responsáveis nos trouxe.
Helena Freitas
Country lead da Sanofi Portugal
Esta digitalização, impulsionada pela pandemia de covid-19, veio acelerar uma tendência que já existia e que vai ao encontro do interesse de três importantes stakeholders da Sanofi: os seus colaboradores, os doentes e a sociedade em geral.
Percebemos que a flexibilidade horária e o teletrabalho contribuem para aumentar a qualidade de vida das pessoas, dando-lhes mais tempo para equilibrar a vida profissional com a vida pessoal.
Ainda assim, há uma área em que acreditamos que o contacto presencial faz toda a diferença: no contacto com os nossos stakeholders! Durante a pandemia conseguimos manter o fluxo de trabalho, mas parece-nos genuinamente importante continuarmos a manter ligações físicas, por isso, acredito que o modelo de trabalho híbrido, que alia o trabalho presencial com o trabalho a partir de casa ou de qualquer lugar, veio para ficar.
Por outro lado, confiamos nas novas tecnologias para empoderar a sociedade em geral no que respeita à informação em saúde, aumentando o número de iniciativas dedicadas à literacia em saude, com informação confiável e verdadeira sobre várias doenças – que acreditamos serem imprescindíveis para uma melhor qualidade de vida.
Não posso deixar de referir o contributo desta digitalização para o bem-estar ambiental, uma vez que a adoção deste novo modelo de trabalho contribui também para que cada um de nós diminua (muitas vezes substancialmente) a sua pegada ecológica, poupando horas no trânsito ou em transportes públicos.
Neste sentido, sim, no caso da Sanofi, posso afirmar que as lições aprendidas vão manter-se, ainda que não nos mesmos moldes, mas adaptando um modelo de trabalho que privilegia a flexibilidade dos colaboradores, mantendo o foco nos resultados e na colaboração. Concluímos que o modelo que alia as vantagens da digitalização ao modelo que permite os encontros presenciais é o que faz mais sentido para o desenvolvimento não só da companhia, mas das suas pessoas.
Luís Lopes Pereira
Diretor geral da Medtronic Portugal
Não creio que se tenha aprendido muito com a pandemia. As soluções encontradas foram, no jeito de “desenrascanço” português, adotadas pelas necessidade urgente de satisfazer os votantes e assim se ultrapassaram as barreiras enraizadas, burocráticas e sociais, que persistem e atrasam toda a inovação na nossa sociedade.
Vejamos o exemplo da máquina informática para captação de receitas fiscais. Esta serviu para satisfazer o apetite voraz de uma função pública que não para de crescer em termos de peso no Orçamento do Estado. Mas a verdade é que podíamos ter uma estratégia transversal para outras áreas, como a saúde, a defesa, as florestas, etc…
Esta urgência de digitalização surgiu devido à pandemia e a solução funcionou, não somente porque a aplicação usada era eficaz, mas especialmente devido ao facto de os cidadãos a terem tornado vital para resolver o seu problema de saúde.
Se há por trás disto uma estratégia de continuidade? Não creio. As soluções digitais não são centralizadas estrategicamente pelos centros de decisão em Portugal. Podemos pensar nisto de uma forma muito simples: tal como existem silos independentes a apagar os seus fogos nas várias áreas de governação, existem também silos independentes em cada uma das áreas. Cada um trata de si.
No sector da saúde, fala-se ainda na criação de um ‘data lake’, que pode não ser considerado uma realidade estratégica, mas deveria sê-lo. Seria importante observar o exemplo que a Irlanda seguiu no campo da digitalização da saúde, através de um projeto que é, de facto, transversal e pensado out of politics, de forma a evitar manter o foco em quem assina o projeto, ao invés de no benefício do mesmo para a sociedade.
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